Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Isaac Bernat: 'Teatro também é educação infantil'

Isaac Bernat, ator e diretor teatral | Foto: Divulgação

Premiado em múltiplas frentes nas artes cênicas pelo binômio inquietude lirismo de sua forma de dirigir e de atuar, Isaac Bernat vai investigar uma das belas tradições do subúrbio carioca no espetáculo infantil "As aventuras de Pé de Vento no Dia de Cosme e Damião". A peça estreia neste sábado (6) no Teatro Miguel Falabella, no Norteshopping, às 15h.

O texto de Fátima Colin é inspirado em uma crônica de 1957 de Rubem Braga sobre a corrida atrás de doces que agita a cidade sobre as bênçãos da dupla padroeira da criançada. Em cena, Clara Santhana e Leandro Castilho, acompanhados do percussionista Igor Lemos, atuam, cantam e tocam canções da MPB.

O saquinho recheado de guloseimas musicais que oferecem à plateia inclui Gilberto Gil, Lamartine Babo, Jorge Ben, Toquinho, Rita Lee, Arlindo Cruz, compositores da cena contemporânea, como Thiago da Serrinha e Alan Rocha, e pontos da cultura popular.

Na entrevista a seguir, Bernat explica o simbolismo do festejo sagrado que leva aos palcos.

Qual e como é o Rio de Janeiro idealizado nos ritos e festejos de Cosme e Damião?

Isaac Bernat: É um Rio onde as pessoas tinham uma aceitação maior das diferenças. Não era uma questão você ser de uma religião ou de outra. É uma festa ecumênica que liga as regiões afro e católica, mas todo mundo gostava de Cosme e Damião independentemente da religião. Era uma época em que você dava e recebia doces, as crianças ficavam alegres. As diferenças não ficavam tão evidentes porque todo mundo corria atrás de doce, as pessoas faziam promessas para coisas importantes, e ainda fazem em alguns lugares. É uma festa com uma presença muito forte no Rio e não só no subúrbio, né? Eu morava em Copacabana, e tinha corrida atrás de saquinho de Cosme e Damião. Nas escolas também. Juntava todo mundo. Era uma festa de amor, de afeto, muito divertida. As crianças eram a alegria da festa. Então, eu acho que é esse Rio de Janeiro de liberdade, de ir e vir, o Rio de troca de afeto. Nessa peça, com os incríveis atores, cantores e instrumentistas Clara Santhana e Leandro Castilho, a gente procura trazer esse clima para quem viveu e para quem não conhece... e quem sabe volte a viver, né? É uma tradição que está um pouco esquecida, mas que é muito potente.

De que maneira a peça celebra um Rio que vai além do cartão-postal de sol e praia?

Pé de Vento é um menino que vem da Paraíba para conhecer o Cosme Damião no Rio de Janeiro, né? Então, ele se depara não só com as regiões famosas, turísticas, mas com outros lugares. A história se desenrola em um clima de feira. Poderia ser numa Feira de São Cristóvão ou numa feira da Pavuna. Então, eu acho que a peça celebra a totalidade da cidade, sem essa territorialização que a gente vive hoje. A cidade de todo mundo. A cidade como um todo também é celebrada através da trilha sonora, que vai de Zeca Pagodinho a Rita Lee, além de Jorge Benjor, Toquinho e Vinicius, Arlindo Cruz, Paulo Cesar Pinheiro, Gilberto Gil, Thiago da Serrinha e Alan Rocha. A gente também canta pontos de terreiro, o que celebra ainda mais essa diversidade.

Qual é a sua primeira lembrança do Cosme e Damião?

Quando era criança, morava na Barata Ribeiro, em Copacabana, a partir dos 4 anos. Na pracinha da Arcoverde, tinha distribuição de saquinho de Cosme e Damião. Aí eu me lembro que eu descia o prédio onde eu morava, em frente ao Teatro Glaucio Gil, e ficava na praça, aguardando os saquinhos de doces. Era muito emocionante, todo mundo queria pegar mais e mais e mais. Tenho uma lembrança muito afetiva. Eu fui morador de Copacabana com meus pais a partir de 1966/67, e até eu fazer 13, 14 anos, eu me lembro que tinha festa de Cosme Damião... e eu sou judeu, né? Para mim era o maior barato. Meus pais não tinham nenhum problema com isso e nem eu. Pelo contrário, era uma alegria, eu vibrava com o Cosme Damião.

Como você vê a atual movimentação do teatro infantojuvenil na cidade para a formação de jovens plateias?

É um momento muito profícuo, né? É muito estimulante o que está acontecendo no teatro infantil de novo. A gente vê espetáculos de alta qualidade, uma nova geração surgindo com muita garra, profissionais que são experientes fazendo teatro infantil. Aqui mesmo nessa peça a gente tem isso. Você tem a Dóris Rollemberg (cenógrafa), Aurélio de Simoni (Iluminador) e Wanderley Gomes (figurino): só esse trio já é demais, né? A gente está vendo muitos profissionais investindo no teatro infantil, né? E isso mostra a qualidade das peças. Tenho visto muita coisa legal. Eu acho que o teatro infantil é fundamental para a formação de plateia e acho que, cada vez mais, os patrocinadores têm que investir. Teatro também é educação infantil porque você tira as crianças do celular, do tablet, do computador, para elas poderem ver uma coisa presencial, com os atores de carne e osso.

O que um aparelho como o Teatro Miguel Falabella representa para a ampliação do espaço das artes cênicas no Rio?

O Miguel Falabella é um teatro maravilhoso, onde cabe muita gente. É espaçoso e pega a Zona Norte, né? É um público que eu sinto ser ávido por cultura. Rodar pelo Rio, pela periferia, pelo subúrbio, pela Zona Norte, pela Zona Sul, é uma maneira de fazer os artistas circularem e as pessoas receberem espetáculos de qualidade. O Teatro Miguel Falabella é um teatro administrado pela Companhia Atores de Laura há muitos anos, então tem uma preocupação com essa qualidade. É muito importante estar estreando lá essa peça sobre Cosme Damião que é uma tradição forte no subúrbio.

Que próximos espetáculos adultos estão no seu escopo?

Teremos novas temporadas de "Deixa Clarear", em homenagem a Clara Nunes, que está há onze anos em cartaz, também com essa atriz incrível que é a Clara Santhana. Além dele, há o projeto de um monólogo do autor português Ricardo Cabaça, com direção de André Paes Leme: "As línguas que o coração fala".