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Moacyr Gós: 'Todo o meu trabalho no teatrogira em torno da liberdade'

ENTREVISTA / MOACYR GÓES, DIRETOR TEATRAL | Foto: Divulgação

Na entrevista a seguir, Moacyr Góes fala sobre a dimensão romântica dessa imersão teatral numa love story que desafiou tabus.

O que o filme de Ang Lee trouxe de parâmetro para a representação das histórias de amor e o que você aproveita de referência do longa na peça?

Moacyr Góes: O filme se tornou icônico, creio, porque amplia e aprofunda a história de amor entre Ennis e Jack para além da atração física e da aventura. É uma história de amor e de seus impedimentos, que dialoga com nossa tradição na criação do amor romântico. A intolerância se torna maior e mais violenta por se tratar de um amor homoerótico, e o mundo ainda lida mal com isso. "Brokeback Muntain" é comovente e triste por ser profundamente humano.

Qual é o espaço de solidão e de interdição que se apresenta na figura de Ennis Del Mar e o que ela simboliza sobre a condição masculina?

Ennis Del Mar é um personagem belíssimo, que vive um imenso conflito interno entre seu desejo, sua atração e poucos instrumentos pessoais para lidar com esse conflito. Sua solidão imensa vem também pela falta de coragem de fazer suas escolhas. Ennis tem a vida destruída por não conseguir ser quem é, e isso é trágico. Não vejo isso como uma condição masculina, mas como dimensão eminentemente humana. Agrava-se enormemente seu conflito por viver num tempo e num lugar de grande intolerância e preconceito, onde o diferente precisa ser aniquilado e o amor homoerótico é demonizado. Sua beleza maior é que ele vive seus conflitos de forma intensa e profundamente sincera.

De que maneira essa trama dialoga com as transformações morais da sociedade contemporânea sobre o amor?

Dialoga na medida em que nos coloca diante da tragédia de vidas destruídas, pelo único "crime" chamado amor. Dialoga porque nos faz pensar e sentir sobre como temos, ainda, dificuldade de aceitar o outro, o diferente. Dialoga porque pode revelar em cada um de nós o que temos de monstruoso e autoritário.

Depois de dois espetáculos seguidos sobre a fé, em seu repertório recente, o que "Brokeback Mountain" representa para a sua busca de temas e de estéticas no teatro?

Representa muito. Foram dois espetáculos sobre a ideia do amor ao próximo, de uma ideia revolucionária de que somos todos iguais perante Deus, sem julgamento. Tenho clareza que há um nexo entre eles e "Brokeback". Todo o meu trabalho no teatro gira em torno da liberdade, da afirmação do indivíduo, do amor e, por consequência, uma investigação sobre o Mal, o preconceito e o horror possível de ser praticado. Há uns anos escrevi e encenei "Auschwitz 70", sobre a perseguição aos gays nos campos de concentração e nos gulags soviéticos. Essa nova peça também é uma investigação sobre o teatro, sua linguagem, outra paixão minha.