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Uma opereta periférica

O elenco de 'Das Dores - Uma opereta Favelada' é todo composto por artistas de um grupo teatral da Maré | Foto: Ze? Bismarck/Divulgação

Mais que uma peça, um manifesto contra a política de extermínio do estado contra a juventude preta e favelada. Assim pode ser entendido o espetáculo "Das Dores - A Opereta Favelada", dirigida por Renata Tavares, vencedora do 33º Prêmio Shell de Teatro de Melhor Direção em 2023, e vencedora do prêmio de Melhor Direção pela APTR, no mesmo ano.

Com texto e músicas de Marcos Bassini, a peça foi uma das vencedoras do Núcleo de Dramaturgia Firjan Sesei e agora realiza temporada no Sesc Copacabana, entre os dias 18 de julho e 11 de agosto. "Das Dores - A Opereta Favelada" conta a história de Maria das Dores, uma mulher pobre, preta e favelada, que vê o filho sendo assassinado no meio de uma manifestação. É um drama musical que questiona a atuação da sociedade sobre as questões raciais e as práticas anti-racistas, econômicas principalmente.

A peça tem ritmos brasileiros, encenados e tocados pelas atrizes e os atores. A plateia acompanha um jogo de cena que vai intensificando as relações revelando toda a estrutura social.

O espetáculo foi criado a partir do relato de mães da periferia que perderam seus filhos para a violência do Estado e é encenada por artistas oriundos do grupo de teatro Entre Lugares Maré, com mais de 13 anos de história na favela da Maré, e dirigido pela encenadora Renata Tavares.

"Das Dores é uma missão. Esse texto chegou logo depois da pandemia, pelas mãos do Marcos Bassini que confiou a mim e, consequentemente, à todas as pessoas envolvidas no projeto. Quando nós lemos, ficamos tão impactados com a história que eu disse: Vamos fazer! Não sabia quando, nem como. A gana de querer colocar essa peça no mundo foi abrindo janelas para que pudéssemos avançar", explica Renata, diretora com mais de 20 anos de carreira.

Ao todo, o espetáculo mobiliza 30 artistas que atuam no território da Maré, retratando a vivência das vidas faveladas, explicitando a violência policial e confrontando a política genocida do Estado, chamando a atenção do público e dos formadores de opinião para que esta guerra finalmente chegue ao fim. Renata Tavares reforça que o tema do espetáculo escancara o que há de mais violento contra as populações periféricas.

"Eu já sabia que o tema era (é) tenebroso, doído, sem compreensão do que se espera da vida. Entretanto, poder ser mais uma voz na luta dessas mães mulheres que tiveram seus filhos assassinados pelo Estado é o que nos move, é o que me dá coragem. Eu olho para essas mulheres e me encorajo mesmo com medo do meu coração doer", lamenta.

O Atlas da Violência, um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que 76,5% dos assassinatos no Brasil, no ano de 2023, tiveram pessoas negras como vítimas. A diretora lembra ainda que as vítimas possuem familiares e o espetáculo revela o tamanho da crueldade do Estado contra essas pessoas.

"A gente, essas mães mulheres que somos da periferia, sabemos que as vítimas têm CPF e cor. E mesmo com todas as discussões sobre o racismo, todos os nossos avanços, não foram suficientes para repensarem o sistema, a estrutura e a instituição Estado que insistem em culpabilizar pessoas pretas, faveladas e periféricas. Das Dores é uma peça política, é dessa forma que penso ela", comenta.

O objetivo do espetáculo, frisa a diretora, é contar essas histórias através da arte desenvolvendo o teatro político com um tom mais provocador, um caminho para encontrar outras possibilidades, teorias e colocá-las em práticas, criar reflexões, pensar na construção/evolução da sociedade brasileira com mais equidade.

"Pra mim, enquanto artista, cidadã brasileira, preta, mulher, moradora de Bangu, trabalhando no território da Maré há 13 anos, ainda não consigo exaltar somente as belezas das periferias e das favelas. E tem sim! São lindas, são incríveis, únicas, plurais, diversas, felizes! Porém continuam nos matando, nós matam em vida. É necessário que falemos sobre isso. Falemos ainda, ainda, ainda, porque não acabou, não são casos isolados, aconteceu ontem, hoje e infelizmente amanhã", comenta Renata.

Ela relembra ainda as fraudes que o Estado cria em cenas de crimes, tentando terceirizar a culpa e colocar as vítimas como algozes, mas, nos dias atuais, é impossível passar despercebido com tantas tecnologias disponíveis para coibir os crimes dos agentes de segurança pública.

"A cada evento que o Estado nega o direito delas, alterando o local do extermínio, mentindo, oferecendo um abraço inimigo conspirador ou num julgamento de 10 anos sem criminalizar os assassinos porque eles fazem parte do sistema. Para essas mães mulheres há uma dualidade de sentimentos que são: de impotência, de interrupção e a resiliência, a força para lutar! Então, sigamos com elas na luta! Axé", convoca.

SERVIÇO

DAS DORES - A OPERETA FAVELADA

Sesc Copacabana (Rua Domingos Ferreira, 160)

Até 11/8, de quinta a domingo (20h3O)

Ingressos: R$ 30, R$ 15 (meia) e R$ 7,50 (associado Sesc)