Desmontando preconceitos

Abordando o HIV através de metáforas e trabalhando a desestigmatização do tema, a peça 'A casa de Hugo Ivo' está em cartaz no Teatro III do CCBB

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'Esta história se compromete a afirmar que o vírus pode acometer qualquer pessoa, independente da raça, gênero ou orientação sexual', afirma Zéza ao falar da proposta do espetáculo

Intencionando desvincular os estigmas que circundam o vírus HIV desde a sua descoberta, o multiartista Zéza escreveu "A Casa de Hugo Ivo", montagem teatral inédita em cartaz no Teatro III do Centro Cultural Banco do Brasil. O texto encontrou ressonância dentre os colegas da Multifoco Cia de Teatro que, dirigidos por Ricardo Rocha, já desejavam seguir discutindo o assunto, inicialmente apresentado na peça "O Cavaleiro Amarelo" (2019), onde Zéza também atuava.

Sendo uma montagem na qual se destaca o atravessamento de diversas linguagens cênicas que mesclam acrobacia circense, teatro e dança, a linguagem de Libras também entrará em cena comunicando a história aos espectadores surdos de forma inclusiva e espontânea. Das 28 apresentações, oito terão tradução simultânea de Libras e duas terão audiodescrição ao vivo. CFocada em receber um público de jovens e estudantes, a montagem realiza apresentações gratuitas e vespertinas e, em paralelo, cumpre uma temporada noturna e independente, para alcançar o grande público, ambas no CCBB.

Hugo Ivo recebe todes para a festa em sua casa e promete diversão sem limites. Mas o que parecia um acordo com consentimento se revela invasivo e tóxico. A festa que nunca acaba chega à beira do colapso e é preciso parar. Será necessário encontrar novas formas de habitar e conviver, novos horizontes serão abertos. Um pacto para a construção de novas pontes contra a desinformação, contra os estigmas e o preconceito, em favor do respeito, da diversidade e da saúde.

"'A casa de Hugo Ivo' é minha saída oficial desse segundo armário, chamado HIV. Qualquer pessoa tem o direito assegurado por lei de manter a sua sorologia em sigilo, mas há anos eu falo sobre ser uma pessoa vivendo com HIV. Só que é difícil falar abertamente sobre esse tema ainda tão estigmatizado e silenciado pelo preconceito. As pessoas têm dificuldade de falar de HIV porque toca em dois temas tidos como polêmicos: o sexo e a morte", pondera Zéza, artista que teve uma inspiração inicial pro trabalho ao se deparar com "Uma Visita Inoportuna", do dramaturgo argentino Copi.

Ao contrário da obra inspiracional, escrita num tempo em que viver com HIV era sinônimo de uma sentença de fim, na contemporaneidade o cenário é bem outro. "A vontade da Multifoco querer falar deste tema é muito cara pra mim, uma pessoa LGBTQIAPN . Nossa comunidade sempre foi o principal alvo de todos os preconceitos ligados ao vírus e, talvez por isso mesmo, seja a grande responsável pelos avanços que conseguimos em relação a esta epidemia. Esta história se compromete a afirmar que o vírus pode acometer qualquer pessoa, independente da raça, gênero ou orientação sexual", pondera Zéza.

Vencedor do 34º Prêmio Shell de Teatro na categoria "Melhor Cenografia" pelo trabalho desenvolvido em "Eyja: primeira parte, a ilha", outra vez o diretor e cenógrafo Ricardo Rocha apresenta ao público um cenário que causa impacto, como um origami gigante que não apenas adorna, mas, sobretudo, interage com os atores e os desdobramentos da história. "O espetáculo traz uma grande metáfora da relação do HIV com as diversas etapas do vírus com o corpo humano: da entrada ao colapso do corpo, até o tratamento com os medicamentos antirretrovirais. A infecção é tematizada numa pessoa que não é LGBTQIAPN justamente para desassociar a infecção desta população, algo tão comum e equivocadamente relacionado", pontua Ricardo.

Para Bárbara Abi-Rihan, existe um desejo de abordar o assunto por uma outra via. "Esta montagem é uma resposta ao que experenciamos quando montamos 'O Cavaleiro Amarelo', que tinha um caráter muito informativo, algo como uma 'peça-palestra'. Agora, tratamos e apresentamos o tema, mas não panfletando o assunto. E existe um reforço na questão do vírus indetectável, que está sendo tratado no organismo e, consequentemente, não está se reproduzindo. Assim, ele não é transmitido, não há risco de contaminação. Esta é a cura que, hoje, temos para esta questão. Precisamos nos descolar um pouco da forma estereotipada que muitas pessoas olham pro vírus até hoje, em virtude do que vivemos nos anos 1980, quando ele surgiu", destaca Bárbara.

SERVIÇO

A CASA DE HUGO IVO

Teatro III CCBB (Rua Primeiro de Março, 66 - Centro)

Até 11/8, de quinta a sábado (19h) e domingos (18h)

Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia)