Por: Cláudia Chaves | Especial para o Correio da Manhã

Um encontro de campeões

Com direção Marcos Caruso, Isabel Teixeira está no solo 'Jandira - Em Busca do Bonde Perdido', texto da saudosa Jandira Martini, morta este ano | Foto: Roberto Seton/Divulgação

Há muitas conjecturas sobre o que é a vida, pois a sua finitude é a nossa única certeza. Minha mãe dizia ao nos acordar para escola: "Vamos andar porque a morte é certa". O nome de filme "Da Vida Nada Se Leva" e a própria idéia de que, em algum dia, as cortinas se fecham para sempre. Esse poderia ser o tema de "Jandira, Em Busca do Bonde Perdido", uma oportunidade rara de ser ver três super talentos em cena ao mesmo tempo. Marcos Caruso na direção e Isabel Teixeira atuando sobre texto de Jandira Martini (1945-2024).

Jandira Martini foi artista de clareza ímpar. No programa "Persona" confessa que não teve esse apelo pelo teatro desde sempre. "A maioria das pessoas falam que desde criança sentiam essa vontade. Eu não sentia nada", revelou. "Em Santos havia muito teatro amador e por ser um porto, as companhias estrangeiras paravam ali. Meu pai me levava porque naquele tempo, as crianças iam. E o que achei interessantíssimo no teatro e que pode ter me influenciado é porque achei um truque. O teatro é um truque. É como o mágico. O espectador sabe que é mentira, mas ele se encanta", completa.

Jandira Lúcia Lalia Martini nasceu em Santos em 1945 e morreu em janeiro desse ano, foi uma completa pessoa de teatro, com mais de 50 anos de carreira dedicados à TV, ao teatro e ao cinema, acumulando também trabalhos como autora, diretora e produtora nos anos seguintes.

Inspirada em sua própria jornada pessoal e dedicação ao teatro, a atriz e dramaturga Jandira escreveu seu último texto. E é ela própria quem define: "Um monólogo sobre uma situação imprevista, surpreendente. Uma atriz que se revela, diante de seu público, ao narrar, com humor, sua inesperada e assustadora experiência. Auto ficção? Sem dúvida. Um stand-up? Seria, se fosse cômico. E cômico não chega a ser. Nem trágico. Apenas dramático."

A peça convida o público a um passeio pelas memórias mais marcantes da autora através de um texto direto, enxuto e coloquial, evocando os blocos carnavalescos da cidade de Santos - sua terra natal -, as descobertas da infância, momentos dramáticos, a vida dedicada ao teatro.

"Uma corajosa exposição. Uma improvável abertura de sentimentos de uma das pessoas mais fechadas que conheci. Uma peça que fala de uma dor de todos nós, com um grau elevado de bom humor e poesia. O convite da Mesa2 e dos filhos de Jandira me permite continuar ao lado dela num ciclo iniciado em 1984 que resultou em muitas peças de teatro, roteiros de cinema, novelas e séries para TV. Uma escrita vitoriosa. Um grande acerto foi convidar Bel Teixeira. Bel respira e transpira Teatro. Bel é Jandira", celebra Marcos Caruso, o diretor

Isabel retribui a gentileza. "Caruso e Jandira são atores que escrevem. A cada dia vivido nos ensaios dessa peça, percebo que a parceria de uma vida continua e que eles ainda estão escrevendo juntos e se divertindo com isso. E agora (como atriz) faço parte dessa escrita, assim como toda a equipe da peça, celebrando a vida de uma atriz, a cena, o teatro, a vida", comenta.

Filha do cantor e compositor Renato Teixeira, Isabel é também dramaturga e pesquisadora e diretora formada pela Escola de Arte Dramática da USP, tendo iniciado a carreira de atriz aos 10 anos em uma peça infanto-juvenil. Pouco mais tarde fundou a Companhia Livre de Teatro, onde ganhou indicação ao Prêmio Shell de Melhor Atriz em 2002. Na TV ganhou visbilidade nacional ao emprestar seu talento ao papel de Maria 'Bruaca' no remake de "Pantanal" (Globo), um fenômeno de audiência.

O encontro de Isabel, Caruso e Jandira poderia ser uma coincidência, se não fosse a magia do teatro ou de Dioniso. O deus que festeja o vinho, as festas e o teatro é capaz de demonstrar que a vida vale ser vivida quando nos presenteia quando a força da alegria das festas com anfitriões de primeira ordem. Salve a vida, a magia, a festa! Salve Jandira, Caruso e Isabel!

SERVIÇO

JANDIRA, EM BUSCA DO BONDE PERDIDO

Teatro das Artes (Shopping da Gávea - Rua Marquês de São Vicente, 52/2º piso)

Até 1/9, às sextas e sábados (20h) e domingos (18h)

Ingressos: R$ 100 e R$ 50 (meia)