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Mercedes Baptista, presente!

Ivanna Cruz dá vida a Mercedes Baptista, lenda da dança brasileira, no espetáculo 'Mão na Barra' | Foto: Patrícia Bueno/Divulgação

Uma história de luta e perseverança pelo sonho de brilhar nos palcos com a sua arte, fez com que Mercedes Baptista, tornasse sua trajetória um marco histórico para a dança brasileira, tendo se tornado a primeira bailarina negra a integrar o corpo de baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, um dos mais importantes palcos do país. Sua história e carreira longeva estará nos palcos no espetáculo "Mão na barra, pé no terreiro, a vida e a dança de Mercedes Baptista", no qual a atriz e bailarina Ivanna Cruz, conduz o enredo, relembrando origens e as batalhas da mulher negra, tal como ela, para conseguir que sua arte fosse reconhecida. A história de duas gerações que não desistiram.

A peça tem direção artística de Luiz Antônio Rocha e texto de Ivanna Cruz, Luiz Antônio Rocha e Pedro Sá de Moraes, coreografias de Diego Rosa e Cenário e Figurinos de Eduardo Albini. Também estarão em cena os músicos/atores Chico Vibe e Lelê Benson e a montagem conta com iluminação de Ricardo Fujii. Mais de 90% da ficha técnica desse projeto é composta por artistas e técnicos negros, atuantes na cena cultural brasileira.

O espetáculo é um musical que resgata ritmos como o jongo, a mana Chica e ancestralidade dos ritmos trazidos da África pelos antepassados africanos, escravizados e retirados à força de suas terras e seus laços familiares e culturais e impostos à diáspora dolorosa pelos portugueses que aqui dominaram e colonizaram as terras brasileiras a partir do ano de 1500.

O repertório apresenta o resgate dessa cultura, dos sons que remetem à memória e a preservação da cultura afrodescendente, o que tanto Mercedes fez e conseguiu e que anos depois sua conterrânea, Ivanna Cruz, também seguiu pelo mesmo caminho. As duas, nascidas em Campo dos Goytacazes, nunca desistiram mesmo com a imposição de todas as formas de racismo existentes na sociedade.

O diretor artístico, Luiz Antonio Rocha, aponta que Mercedes Baptista foi e é a pedra fundamental da identidade afro-brasileira na dança influenciando várias gerações de artistas e movimentos culturais. Valorizou a identidade negra dando visibilidade, respeito às mulheres e combate ao racismo. "Sua história nos inspira, além de homenageá-la, vamos resgatar ritmos que estão desaparecendo como o Jongo e a Mana-Chica (RJ). O projeto tem como referência a cultura e a arte popular influenciadas por matrizes culturais de povos afro diaspóricos", afirma o diretor. Continua na página seguinte

 

'Estamos reescrevendo a história do Brasil. A trajetória de Mercedes é absolutamente necessária para ser contada'

Mais que uma bailarina, uma artista com visão sobre seu trabalho: ela cuidava da criação, da venda do seu produto, sua arte, e dominava cada detalhe da cadeia de criação de seus projetos | Foto: Arquivo Correio da Manhã

Nascida na cidade de Campos dos Goytacazes (RJ), Mercedes Baptista superou obstáculos e quebrou barreiras raciais. "Abriu caminho para futuras gerações de bailarinos negros, como eu. Sua ascensão é um testemunho do poder da arte em transcender fronteiras sociais e raciais", diz Ivanna.

Mercedes foi a responsável pela criação do balé afro-brasileiro, inspirado nos terreiros de candomblé, elaborando uma codificação e vocabulário próprio para essas danças. O Ballet Folclórico Mercedes Baptista consolidou a dança moderna do Brasil. Ao longo de sua trajetória, Mercedes recebeu diversos prêmios e reconhecimentos, solidificando sua posição como uma das principais bailarinas do país.

A produção artística negra, sistematicamente apagada e desvalorizada, quando entendida sob o viés decolonial, evidencia o potencial intelectual e econômico da cultura afro-brasileira. São produções essenciais que possibilitam a manutenção de laços comunitários entre a população negra, assim como ofertaram as bases que estruturaram a identidade nacional. A inserção da dança afro-brasileira, batuque, canto preto e filosofia africana como eixo central da pesquisa, contribui ao fazer a ponte entre o que existiu com a atualidade.

Para Luiz Antonio Rocha, é impressionante como o apagamento de tantos artistas negros, como Mercedes e contemporâneos seus, sofrem até hoje. "Mercedes merece ter sua história contada e recontada de todas as maneiras possíveis, pois ela foi pioneira, que enfrentou toda e qualquer adversidade e para ser a figura que se tornou".

O espetáculo parte do encontro entre Mercedes e Ivanna, com meio século de intervalo entre elas, duas artistas pretas da dança que nasceram na mesma Campos, uma das últimas cidades do Brasil a acatar a abolição da escravidão.

"Diante dos obstáculos, cada vez mais duros enfrentados em sua caminhada de artista negra, Ivanna encontra em Mercedes uma fonte de resiliência e encantamento, uma chave para destravar as portas do seu futuro", acrescenta Luiz.

O diretor reforça que, para ele, é difícil fazer um recorte da vida de uma mulher como Mercedes e trazer à cena o protagonismo de uma mulher preta de sucesso dos anos 60, quebra não apenas um paradigma do racismo estrutural de um país, mas também traz uma história decolonial de ancestralidade.

"Essa história dialoga e faz pensar sobre o massacre cometido pelos colonizadores da América latina e do atraso histórico da realidade da sociedade da América Latina. Estamos reescrevendo a história do Brasil. A trajetória de Mercedes Baptista é absolutamente necessária para ser contada, não pode ser apagada como tentaram apagar a história do povo preto dos livros de história", reforça o diretor artístico.

"Para além da primeira bailarina do Theatro Municipal, Mercedes também foi uma mulher aguerrida que manteve sempre a cabeça erguida em um propósito: mostrar que ela merecia chegar onde chegou e ainda ousar em quebrar paradigmas e mostrar a cultura da nossa gente, a cultura afro, sobretudo por interferir de maneira positiva na percepção de novos significados para o contexto da dança, com a diversidade, inclusão e memória, tão presentes na sua trajetória", afirma Ivanna.

Ivanna ainda conta que, durante o processo de preparação, ficou surpresa com a força de Mercedes em empreender, em não esmorecer, ao brigar pelo espaço dela. A bailarina cuidou da criação, da venda do seu produto, sua arte, ela sabia o que acontecia em cada detalhe da cadeia de criação dos projetos dela.

"Ela mesma arrecadava e pagava cada integrante, cada cachê, ela valorizava o profissional da arte, visionária e corajosa. Para cada porta que ela encontrava fechada, criava mais força para desenvolver e executar projetos culturais numa época ainda onde a mulher não tinha voz e nem vez", salienta Ivanna.

"Me sinto muito forte quando encontro outras mãos que me ajudam e dizem que eu devo seguir, persistir, porque eu mesma já pensei em desistir muitas vezes. Mas eu lembro de Mercedes e tantos outros que deram o sangue para que eu pudesse estar aqui", diz Ivanna.

O enredo do espetáculo, construído por meio de extensa pesquisa sobre a trajetória artística e vida pessoal de Mercedes inspira e reforça o compromisso do teatro com a diversidade, inclusão, respeito e consciência da ocupação dos espaços pela comunidade afrodescendente. "Falar de Mercedes é falar do novo com o olhar no futuro. Uma mulher preta que quebrou o tabu do tutu branco e da sapatilha cor de rosa e ganhou o mundo. Sua história se repete e inspira artistas pretas que tiveram suas histórias interligadas não apenas pela dança, mas principalmente pelo racismo, que interviu no caminho de todas elas", finaliza Luiz Antonio Rocha.

SERVIÇO

MÃO NA BARRA, PÉ NO TERREIRO, A VIDA E A DANÇA DE MERCEDES BAPTISTA

Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro (Rua José Higino, 115 - Tijuca)

Até 24/11, sexta e sábado (19h) e domingo (18h) | Entrada franca, com retirada de ingressos no site Rio Cultura