Palco aberto para novos autores
Arena Jovelina Pérola Negra recebe a Mostra Contranarrar, que apresenta sete textos teatrais de dramaturgos periféricos
Neste sábado (30) a Arena Carioca Jovelina Pérola Negra vai receber a segunda edição da Mostra Contranarrar. Durante toda a noite, sábado, o palco da Pavuna será ocupado por sete peças teatrais curtas, escritas por expoentes autores durante as oficinas de dramaturgia do Laboratório Contranarrar.
Criado em 2022 pelo casal de artistas e produtores culturais Suellen Casticini e Jacob El-mokdisi, o projeto tem como objetivo a capacitação de autores periféricos para que desenvolvam uma dramaturgia original para teatro.
"Nos cursos de dramaturgia, de modo geral, o aluno não tem oportunidade de ver seu texto montado. Esse é um dos diferenciais do Contranarrar. A experiência do Laboratório se soma à Mostra. As aulas são conduzidas a partir de uma experiência imersiva. Oferecemos ferramentas para o aperfeiçoamento do processo de escrita, com metodologias e estruturas dramatúrgicas que contribuam com as narrativas. Já a Mostra, tem uma equipe completa de produção, contrarregra, cenário e figurino para, junto com os atores e diretores, darmos vida aos textos", explica Jacob, autor, escritor e produtor cultural há mais de 20 anos no mercado.
Para isso, 15 autores, com diferentes percursos artísticos, foram selecionados por meio de uma convocatória para as oficinas. O único pré-requisito era que fossem maiores de 16 anos e se considerassem periféricos. Entre os meses de abril e junho, eles participaram de um laboratório imersivo de pesquisa e produção dramatúrgica, com 18 encontros colaborativos híbridos. Os alunos receberam uma bolsa-auxílio para participar das aulas. Os sete melhores textos, escolhidos por uma banca formada por autores de edições anteriores do Contranarrar, participarão da Mostra.
Os esquetes serão encenados por jovens talentos da cena universitária teatral carioca — estudantes e egressos da Unirio, UFRJ, Martins Pena, Escola Sesc de Artes Dramáticas e cursos livres de teatro —, também selecionados por meio de convocatória. Todos os sete autores, 15 atores e sete diretores concorrem ao Troféu Contranarrar nas categorias Texto, Esquete, Ator, Atriz, Direção e Inovação, além de receberem um cachê de participação.
O prêmio de Melhor Dramaturgia será concedido pelo voto do público. Já os demais vencedores serão escolhidos por uma banca formada por nomes atuantes do meio artístico como o ator Marcello Picchi; o cineasta Ricardo Rodrigues, idealizador do Cinema de Guerrilha da Baixada; o professor-doutor Rodney Albuquerque, diretor campus São João de Meriti do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ) e a escritora, poetisa e diretora teatral Anna Diamante.
Profissional com mais de 20 anos de experiência nas artes cênicas, a diretora Suellen Casticini idealizou o Contranarrar a partir de sua vivência como mulher negra e periférica enquanto estudante de uma faculdade na Zona Sul do Rio de Janeiro.
"Vivi a vida toda entre Nova Iguaçu e Pavuna, lugares carentes de oferta cultural. A realidade da periferia é diferente. No Contranarrar, além da oportunidade de aprofundar as técnicas de escrita teatral em um processo colaborativo, pensamos em dramaturgias que despertem a sensação de pertencimento, analisando a obra num contexto de território e com viés crítico. Não pensamos apenas na arte. Discutimos como as narrativas e o teatro são capazes de mudar o território, a experiência do indivíduo e do coletivo. Isso reverbera no acesso às políticas públicas sociais e no diálogo com o setor artístico", conta Suellen.
Tão importante quanto as aulas do Laboratório é a Mostra Contranarrar. É nela que as dramaturgias saem do papel e são apresentadas ao público. A idade dos autores varia entre 23 e 47 anos. Eles são moradores da Baixada Fluminense e das Zonas Oeste e Norte do Rio de Janeiro. Entre temas dos esquetes, a crítica social e questões ambientais predominam na edição 2024.
Formada pela Casa de Artes de Laranjeiras (CAL), pela Escola Nacional de Circo e pelo Pronatec, Vanessa Bueno, de 45 anos, viu no Contranarrar a oportunidade de fazer uma reflexão prática sobre o texto teatral e novas conexões. "Poucos são os cursos em que o autor tem oportunidade de ver sua dramaturgia encenada. Adorei o laboratório e estou ansiosa de ver minha obra no palco", conta. Sua obra "Barricadas" é sobre sua vivência como moradora de São João de Meriti. "Moro desde que nasci no mesmo lugar e só vejo o caos aumentar na região. Utilizo figuras de linguagem para abordar assuntos sensíveis. As barricadas evidenciam a negligência do estado. Aos moradores, resta apenas a lei do silêncio", lamenta.
O mais jovem dos autores é Johnny Barbosa, de 23 anos, morador do Jardim Nova Era, em Nova Iguaçu. Ele, que é barbeiro profissional, atua também como cenógrafo e diretor de arte em produções audiovisuais, além de ter estudado no Centro de Teatro do Oprimido. Em seu esquete "Humanidade", Johnny retrata a discussão entre o Amor e o Ódio. Os dois sentimentos tentam achar o culpado de ter deixado a humanidade tão sem empatia. "Eu escrevo poesias, músicas e crônicas. O Contranarrar foi minha primeira experiência em escrita teatral. Meu texto evoluiu muito. Adorei a possibilidade de transformar crônicas do dia a dia em teatro", conta.