Muato: 'A música é cenário que provoca a imaginação'
Ator, músico e autor de trilhas sonoras para o teatro fecha 2024 com importantes premiações e fala de projetos para o próximo ano
Cria de Vila Isabel, o multiartista Muato tem muitos motivos para comemorar o ano de 2024. Ganhador do 34º Prêmio Shell de Teatro pela direção musical, percussão corporal e trilha original de "Pelada - A Hora da Gaymada", ele acaba de conquistar o Prêmio Fita de Teatro, na categoria música, por "O Admirável Sertão de Zé Ramalho", com Plínio Profeta. Outro motivo de grande alegria para Muato é a superprodução "Ray — Você Não Me Conhece", que homenageia o icônico artista norte-americano Ray Charles, na qual assina as composições e divide a direção musical com Claudia Elizeu. Após a temporada de estreia de imenso sucesso, ela retorna no dia 17 de janeiro e vai até 9 de fevereiro no Teatro B32, em São Paulo. Aclamada por público e crítica, a peça tem nas sonoridades que formam sua musicalidade seu ponto alto, com atuações impactantes.
"A voz, cantada ou falada, o caminhar pelo palco, o som dos instrumentos musicais, as palmas, a respiração, todas as sonoridades são, na perspectiva do espetáculo, música. A concepção nasce a partir da reflexão sobre a importância do som na existência do ser humano Ray Charles", explica Muato. "A música é cenário quando provoca a imaginação e/ou induz a memória a sentir lugares, ambiências, atmosferas. É também dramaturgia quando operisticamente conta a história por meio das canções de Ray Charles ou por meio de composições originais que se harmonizam e se fundem com o texto para potencializar o sentir das palavras", acrescenta.
Ainda sobre o processo de concepção musical em "Ray — Você Não Me Conhece", ele revela como a tecnologia se faz presente em um espetáculo que perpassa acontecimentos e marcos vividos no século passado e uma ancestralidade que ecoa cada vez mais forte.
"A tecnologia se põe a serviço da dança das vozes, do processamento de sonoridades e da criação de uma conexão temporal entre a música que fundamentou a cultura negra norte-americana em meados do século passado e o uso de sintetizadores e camadas digitalmente construídas com midis e samples. É também pelo som que observamos a linha que nos conecta como corpos afrodiaspóricos, em nossos cantos de lamento, nossos batuques, vozes, rituais e nosso apontar estético para a liberdade. Um grito sensível que evidencia o lugar de vanguarda expressiva que a música negra sempre ocupou", destaca.
Compositor reconhecido por sua criatividade e sofisticação, Muato foi responsável por dois dos quatro trabalhos indicados ao Prêmio Shell de 2024, mas também participou como instrumentista e cantor de "Em busca de Judith", trabalho assinado por Pedro Sá Moraes. "Os prêmios e indicações chegam em um momento muito importante. O ano foi de muita intensidade em todos os trabalhos. Esse reconhecimento coloca uma carga de energia extra para os próximos movimentos", comemora Muato.
Além da peça sobre Ray Charles, Muato é também destaque nos musicais "O Admirável Sertão de Zé Ramalho", quando foi aclamado pela crítica e pelo público atuando no palco - interpretando um jovem Zé Ramalho - e na direção musical (assinada em parceria com Plínio Profeta), e "Djavanear - Um Tanto Flor, Um Tanto Mar", assinando a direção musical com Alfredo Del-Penho para dar forma ao repertório interpretado no palco pelo elenco formado por Karen Júlia, Leila Maria, Mattilla, Paula Santoro e Tontom Périssé.
Em "Chega de Saudade!", onde faz direção musical, ao lado de Felipe Storino, e encena, retoma-se ficcionalmente personagens, biografias e memórias da Bossa Nova no Rio de Janeiro das décadas de 1950 e 1960, em uma versão somente com atrizes e atores negros. "O espetáculo 'Chega de Saudade!' teve um processo em que muito foi construído pela força do elenco. As ideias musicais foram surgindo nos ensaios e nós tínhamos o desafio de apresentar um certo ar de Bossa Nova, mas visando romper os padrões do gênero musical. A intenção era fazer uso dessa estética para manifestar uma ideia política", revela.
Muato é oriundo de Vila Isabel, bairro da Zona Norte carioca famoso por revelar ícones da nossa cultura, como Noel Rosa, Martinho da Vila e Carlos Dafé - e iniciou sua trajetória no estudo da música de concerto, mas foi muito além, se destacando pela sua atuação em diversas frentes e expressões artísticas.
Assina trilhas de diversos espetáculos de destaque no teatro e no cinema como "O Pequeno Herói Preto", "Oboró, Masculinidades Negras" e "Rio Negro". A notoriedade do seu trabalho já o levou a conquistar prêmios no Brasil e no exterior, como o Awards Deutscher Rock & Pop Preis, na Europa, e o prêmio APTR. Em 2024, venceu o 34º Prêmio Shell de Teatro pela direção musical, percussão corporal e trilha original de "Pelada - A Hora da Gaymada", trabalho com o Complexo Negra Palavra, grupo que Muato integra desde 2019. A peça faz o cruzamento da clássica pelada heterossexual com a "gaymada" (adaptação do tradicional "jogo de queimado" pela população LGBTQIAPN periférica). A montagem apresenta os bastidores da disputa de dois times pelo uso do Campo do Furão - campo localizado em Olaria, na Zona Norte, antes que uma empreiteira o compre. Com a comédia em sua raiz, conta uma típica história do subúrbio, com o embate entre o conservadorismo de um campo tradicionalmente de futebol e o desejo da realização do primeiro Campeonato de Gaymada em Olaria.
Como cantor e compositor, destaque para o projeto "AfroLove Songs ou A Canção Urbana de Amor Política", série musical e poética sobre o amor vivido por pessoas negras, mergulhando na música urbana com sofisticação poética e flerte estético com o R&B, Rap, Música Brasileira e Jazz. O projeto tomou tamanha proporção que se desdobrou nas criações do festival "Afrolove", que reúne e protagoniza a juventude preta do Rio de Janeiro nas suas mais diversas expressões artísticas, e na "Muato Sessions", que integra shows itinerantes e conexões com diversos artistas.