Por:

Quando a arte dá de cara com a vida real

Em 'Nefelibato', o ator Luiz Machado dá vida a um empresário que perdeu a empresa, amigos e até mesmo a família após o episódio do confisco das cadernetas de poupança ocorrido nos anos 1990 | Foto: Lenise Pinheiro/Divulgação

Sucesso há quase nove anos nos palcos do país, o drama "Nefelibato" terá uma sessão especial para moradores de rua nesta quarta-feira (15), às 15h30, no Teatro Glauce Rocha, no Centro. O evento é organizado pela Secretaria Municipal de Assistência Social e pela equipe do espetáculo. A reestreia da peça para o público será nessa mesma data, às 19h.

Escrito por Regiana Antonini, dirigido por Fernando Philbert e com supervisão artística de Amir Haddad, o monólogo com o ator Luiz Machado completará 500 apresentações este ano, com uma trama que fala sobre situações limite e os limites entre lucidez e loucura.

"Nas sessões que fiz para os moradores de rua nas temporadas anteriores, tive o privilégio de presenciar encontros muito emocionantes, únicos e interessantes. Percebi que eles se entregavam de uma forma muito intensa durante as apresentações. Nos debates, após o espetáculo, eles se abriam e contavam suas próprias histórias de vida. Isso é uma satisfação pessoal que não tem preço, pois pra mim o teatro tem esta força, que é a de acolher e motivar emocionalmente pessoas que são excluídas por nossa sociedade", comenta Luiz Machado.

Na trama, o personagem Anderson perambula pelas ruas da cidade, sendo apenas uma sombra de um homem outrora bem-sucedido, mas que perdeu tudo: sua empresa, todas as suas economias, o grande amor da sua vida e um parente querido. Ele está na fronteira com o delírio, mas ainda capaz de lampejos de sabedoria.

A história é ambientada na década de 1990, mas dialoga muito com o Brasil de hoje. Em cena, os efeitos devastadores do Plano Collor, que levaram Anderson a se tornar morador de rua. O país voltava a ter um governo eleito democraticamente e a inflação galopante exigia medidas drásticas. A saída da nova equipe econômica foi confiscar parte da caderneta de poupança da população, o que levou milhares de brasileiros ao desespero e à bancarrota. Muitos enlouqueceram.

"Conhecendo diversos moradores de rua, percebi que cada um tem o seu motivo de estar ali, vi de tudo. É essencial que haja políticas públicas que deem mais atenção a estas vozes tão carentes que clamam por algum tipo de ajuda. Analiso este quadro como uma questão muito preocupante para o nosso país. Na rua temos pessoas que precisam de oportunidades e outras que necessitam de cuidados médicos. E o mundo virtual hoje vem cada vez mais desumanizando a nossa sociedade", acrescenta o ator.

O quanto de loucura é necessário para o ser humano não perder a própria vida? Essa pergunta acompanhou o diretor Fernando Philbert ao longo do processo da montagem. "Quis tratar do instinto de sobrevivência que o ser humano tem e esquece que tem. Viver na rua é o caminho que ele encontrou para continuar vivo", destaca o diretor.