Por Cláudia Chaves
Especial para o Correio da Manhã
Existem fatos sussurrados na calada dos ambientes. E os que nem poderiam acontecer e, por isso, nem são falados. Existem uns que, de tão abjetos, nem deveriam existir. O abuso infantil, de qualquer forma, merece o fogo dos infernos. Mas ele existe, insidioso, disfarçado em sua crueldade. É desse tema, no coração da Igreja Católica, que "Absolvição" se constrói como experiência teatral ousada e profundamente impactante.
A peça nasce das entrevistas com vítimas feitas pelo dramaturgo irlandês Owen O'Neill, em um país fortemente católico, o que confere profundidade à narrativa e aborda a justiça pelas próprias mãos. A direção de Daniel Herz foge do óbvio ao criar uma experiência estética envolvente, utilizando cadeiras como elementos cenográficos que representam os diferentes crimes.
Destaca-se a atuação de Andriu Freitas, que transita entre diferentes emoções e perspectivas do personagem. Sua entrega visceral demonstra domínio técnico e emocional. A forma como a peça se desenvolve como um depoimento do próprio personagem enriquece a narrativa, reforçando a ideia de que o espetáculo não fornece respostas definitivas, mas provoca questionamento. Para atingir o equilíbrio entre a brutalidade do tema e a reação da plateia, o cenário de Wanderley Gomes, um grande painel reproduzindo artisticamente a grade do confessionário, aproveita bem o espaço cênico reduzido. O figurino reforça o desfecho da narrativa, remetendo o personagem a um lugar de herói, o que sublinha a intenção de fugir do óbvio - e consegue lindamente.
A peça mergulha em camadas emocionais complexas, expõe a fragilidade e os dilemas humanos sem recorrer a facilidades ou clichês. A coragem da dramaturgia está na forma como conduz o espectador por uma jornada intensa, sem temor de escancarar verdades desconfortáveis.
SERVIÇO
ABSOLVIÇÃO
Espaço Abu (Av. Nossa Senhora de Copacabana, 249/E - Copacabana) | Até 30/3, sextas e sábados (20h) e domingos (19h) | R$ 60 e R$ 30 (meia)
