Por: Cláudia Chaves | Especial para o Correio da Manhã

Festival de Curitiba: inspiração local para pensar um país

O universo literário de Dalton Travisan se faz presente em 'Daqui Ninguém Sai' no Festival de Teatro de Curitiba | Foto: Annelize Tozetto/Divulgação

A presença dos artistas curitibanos é uma das mais importantes fontes de inspiração para espetáculos que misturam música, canto, representação. Na edição 2025 do Festival de Curitiba 2025 as obras de Paulo Leminski (1944-1989) e Dalton Trevisan (1925-2024) batem ponto em espetráculos completamente diferentes. Mestre do conto e do mistério, Trevisan sempre inspira montagens teatrais com sua visão ácida da cidade. Já Leminski, com sua poesia inovadora e experimental, continua a influenciar espetáculos e performances no festival como o musical "Cabaré Haikai".

Ao valorizar a literatura local, trazendo adaptações e homenagens a esses escritores que marcaram a identidade curitibana. Essa fusão entre teatro e literatura reforça a riqueza cultural da capital paranaense. A peça "Daqui Ninguém Sai" é uma produção do Teatro de Comédia do Paraná (TCP) em homenagem ao centenário do escritor curitibano Dalton Trevisan, na quarta no Teatro Guairinha selou essa tendência.

A Companhia Paranaense de Comédia, conhecida como Teatro de Comédia do Paraná (TCP), foi fundada em 1963 como o primeiro grupo teatral oficial do estado. Sediada em Curitiba, é vinculada à Fundação Teatro Guaíra. O TCP estreou com "Um Elefante no Caos", de Millôr Fernandes, dirigido por Cláudio Corrêa e Castro, seu primeiro diretor artístico. Ao longo de seis décadas, montou 74 peças, incluindo clássicos de Shakespeare e Brecht, consolidando-se como referência no teatro profissional paranaense. Em março de 2025, apresentou "Daqui Ninguém Sai", em homenagem ao centenário de Dalton Trevisan.

A peça "Daqui Ninguém Sai" é uma homenagem ao centenário do escritor curitibano Dalton Trevisan. Sob a direção de Nena Inoue, a montagem estreou na Mostra Lúcia Camargo durante o Festival de Curitiba de 2025. A dramaturgia, desenvolvida por Nena Inoue e Henrique Fontes, baseia-se em mais de 40 textos de Trevisan, incluindo minicontos, haicais e cartas inéditas trocadas com outros escritores, oferecendo uma visão abrangente da obra do autor.

Nena Inoue, reconhecida por seu trabalho no teatro paranaense, enfatizou a inclusão como um dos pilares da montagem. O elenco foi selecionado por meio de edital público, atraindo 288 inscritos, dos quais 12 atores foram escolhidos, incluindo Paula Cristina Roque, atriz surda com uma década de experiência em artes cênicas.

A direção de Nena buscou captar a essência dos personagens de Trevisan, dando visibilidade aos "invisíveis" retratados em suas histórias. O processo criativo envolveu a lapidação constante do texto e da cenografia, visando alcançar a simplicidade e profundidade características da obra do autor. Nena destacou que a intenção era apresentar um espetáculo impactante, capaz de ressoar tanto com o público jovem quanto com aqueles já familiarizados com a literatura de Trevisan.

A peça contou com uma equipe técnica de destaque, incluindo iluminação de Beto Bruel, figurinos de Verônica Julian, cenografia de Carila Matzenbacher e trilha sonora original de Grace Torres e Lilian Nakahodo. A montagem não apenas celebrou o legado de Dalton Trevisan, mas também reafirmou o compromisso do TCP com a valorização da literatura e do teatro paranaense.

O curitibano Dalton Trevisan é reconhecido por retratar a vida urbana de sua cidade natal em contos concisos e diretos. Sua obra explora os aspectos sombrios da sociedade curitibana, destacando personagens marginalizados, como prostitutas, e temas como assassinatos e violência doméstica.

O livro "O Vampiro de Curitiba" (1965) apresenta Nelsinho, um protagonista obcecado por sexo que percorre a cidade em busca de suas "vítimas", refletindo a solidão e a degradação humana. A relação de Trevisan com Curitiba é ambígua, marcada por uma crítica ao provincianismo local, enquanto suas narrativas desvendam uma cidade invisível, repleta de conflitos morais e existenciais.

Em "Daqui Ninguém Sai" a cena com Nelsinho é a mais interessante da peça, pois consegue trazer em carne e osso, literalmente, as angústias do personagem. Ao mesmo tempo o espetáculo trabalha 3 níveis da obra do autor: seus contos sobre a degradação humano; aqueles sobre a sua relação oscilante com Curitiba e a sua extensa correspondência com intelectuais brasileiros.

Macaque in the trees
'Cabaré Haikai' joga luz nos questionamentos de Paulo Leminski sobre a função da arte no contexto sociocultural brasileiro | Foto: Humberto Araujo

Com direção de Roddrigo Fôrnos, a montagem de "Cabaré Haikai" mostra como as reflexões e produções de Leminski questionam a função da arte no contexto sociocultural brasileiro.

Partindo de obras consagradas, como "Ensaios e Anseios Crípticos", "Gozo Fabuloso", "Songbook", "Catatau" e "Toda Poesia", a peça reflexiona sobre a obra de Leminski como poeta e escritor, mas também consagra a sua vertente musical. "O universo musical do artista está presente de forma marcante e constante ao longo da peça, como forma de ressaltar o seu talento em unir poesia e música", explica o diretor.