As contradições das relações familiares negras em contextos periféricos, marcadas pela ausência do Estado e pela força das memórias afetivas, estão no centro do espetáculo "À vinhad'alhos", em cartaz no Teatro Correios Léa Garcia. A montagem, que já passou por arenas culturais do subúrbio carioca, acompanha três irmãos que enfrentam a morte da mãe durante a pandemia e descobrem como herança uma casa sem escritura ou inventário — construída aos poucos, como tantas moradias periféricas.
Escrito e dirigido por Rodrigo de Todos os Santos, o texto parte de experiências reais dos integrantes do Coletivo Sem Órgãos, todos moradores de regiões suburbanas. O luto da família, privado de rituais formais, é atravessado por disputas antigas, desacordos sobre o futuro do imóvel e recordações que resistem à dureza da vida cotidiana. Nesse jogo entre memória e conflito, a peça revela como a afetividade pode romper com violências naturalizadas nas relações familiares.
A montagem também propõe uma reflexão sobre a forma como as estruturas de poder afetam a memória coletiva de quem vive à margem do centro — sobretudo a população negra, frequentemente desassistida e silenciada. "Depois de três meses de investigação, entrevistas e bate-papos, estamos dando vida a esse espetáculo mantendo viva as discussões sobre o território suburbano", afirma o diretor.
Além da temporada no teatro, o projeto promoveu duas oficinas gratuitas nas semanas que antecederam a estreia: uma voltada à acessibilidade cultural, ministrada por Criz Muñoz, e outra para atores, conduzida por Rodrigo de Todos os Santos e Tatiane Santoro. Ambas têm foco na formação de plateia e na qualificação de estudantes e grupos de teatro.
As apresentações contam com intérpretes de Libras e, em quatro sessões, há também audiodescrição. O espetáculo foi contemplado no edital Pró-Carioca, programa de fomento da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro. "Pretendemos, através das apresentações e da oficina prática, dar continuidade à pesquisa do grupo e investigar afetivamente a cultura nascida no subúrbio carioca, aquela que traz consigo suas questões do cotidiano, onde o público pode refletir e dividir situações semelhantes", conclui Rodrigo.
SERVIÇO
À VINHAD'ALHOS
Teatro Correios Léa Garcia (Rua Visconde de Itaboraí, 20 - Centro)
Até 26/4, de quinta a sábado (19h)
Entrada franca
