O dar nome aos bois é uma expressão de duplo sentido. A dificuldade de se nomear qualquer coisa ou ser sincero. Ambos os processos já são complicados. Imagina a escolha do nome de um filho, que é uma escolha do pai ou da mãe e vai fazer com que o filho carregue esse legado, essa herança, o resto da vida. Imagine quando o pai e a mãe são de culturas diferentes, países diferentes, religiões diferentes. E, num acordo, resolvem que o pai vai colocar o nome no filho e a mãe vai colocar o nome da filha. É assim que nasce a história de "Meu Remédio", que conta os impasses, as alegrias, os encontros e desencontros do ator Mouhamed Harfouch.
A primeira coisa que é muito interessante é o título. Mouhamed era chamado de Meu Remédio pelo porteiro. Mas, ao escrever esse texto, ele remedia todas as tristezas causadas pelo nome e que marcaram a sua vida. Todas as tristezas, todas as questões que ele teve com um nome complicado, difícil de pronunciar e, mais do que isso, claramente representante de uma cultura, são a base do texto, posto que o que não tem remédio, remediado está.
A obra autoral, primor do estilo chamado "escrita de si", pode soar simples, mas é sofisticada. Ele está sozinho no palco, mas contracena, não com pessoas, mas com o seu nome complicado e os episódios aí gerados. Com isso, conta e define todas as suas origens: a mãe, o pai, o tio, a irmã, os colégios, os amigos, e decide, sobretudo, que, apesar dessas dificuldades, vai ser ator. Aliás, ótimo.
A direção de João Fonseca capta o dilema do ator. O texto é leve e os gestos são coerentes com o que diz, uma reprodução do cotidiano. Com essa estrutura de texto, faz com que as pessoas se identifiquem com o drama, porque dificilmente alguém diz "eu adoro meu nome". Todo nome tem uma história, e uma história a se carregar. É essa história que as pessoas têm que carregar — a sua herança — e essa herança tem que ser transformada em legado. E que é contado com muita habilidade aqui.
SERVIÇO
MEU REMÉDIO
Teatro Vannucci (Rua Marquês de São Vicente, 52 - 3º piso) | Até 27/4, sábado (20h) e domingo (19h) | R$ 120 e R$ 60 (meia)