Revalorizado três décadas depois de seu lançamento, "Rocky V", que a Globo vai exibir na madrugada de domingo para segunda, às 2h10, é uma das mais potentes triagens da resiliência dos degredados da sociedade na obra de John G. Avildsen (1935-2017). Apelidado nos EUA de "o cronista dos derrotados", por seu interesse em figuras excluídas em vias de dar a volta por cima, o cineasta americano deixou inacabado o projeto do drama "Nate & Al", que filmaria com Richard Dreyfuss. Saiu de cena no momento em que sua memória vinha sendo celebrada por um par de documentários, ambos dirigidos por Derek Wayne Johnson. Um deles é "The King of Underdogs", hoje na Amazon Prime, e outro é "40th Years of Rocky - The Birth of a Classic". O segundo explica-se pelo título: bastidores do sucesso de 1976, o maior êxito popular da carreira de Avildsen, que deu aos contos de fada uma dimensão social, numa espécie de Cinderela de luvas de boxe, tendo Sylvester Stallone no papel central. O eterno Rambo fala de Avildsen em "Sly", documentário que encerrou o Festival de Toronto e chega em novembro à Netflix. Stallone sempre se surpreende ao lembrar da decisão de seu realizador de deixar uma câmera livre, sem ponto fixo, sem tripé, para filmar as sequências de luta.
Encarado hoje como cult, "The King of Underdogs" é uma investigação sobre a trajetória de sucessos do finado cineasta, resgatando o processo pelo qual transformou Stallone em astro. Derek investiga ainda sua dedicação à franquia "Karate Kid", outro marco da cultura pop, hoje ressuscitado na série Netflix "Cobra Kai". "Meu Mestre, Minha Vida" (1989), com Morgan Freeman, foi outro de seus pontos altos de Avildsen como realizador, antenado com os desequilíbrios sociais dos EUA.
O recente comercial de TV com Stallone e o apresentado do "Caldeirão", Marcos Mion, deu um charme extra à saga de Balboa, que come o pão que a mais-valia amassou em "Rocky V", ao perder todos os seus bens numa falência, sendo obrigado a se reinventar como treinador. Foi Avildsen quem optou por rechear o quinto longa da franquia de melodrama. Foi ele também que reestruturou a ideia proposta por Sylvester, no roteiro de sua autoria, indicado ao Oscar, de mostrar seu pugilista icônico subindo a escadaria do Museu de Arte da Filadélfia.
Avildsen assumiu o projeto enquanto ainda colhia os louros pelo êxito de crítica de "Sonhos do Passado" (1973), pelo qual Jack Lemmon recebeu um merecido Oscar. Não havia no cineasta nenhum interesse em filmar boxe. "Mudei de ideia ao mergulhar no script escrito por Stallone e enxergar nele uma jornada humanista de busca por um lugar na sociedade, um esforço redentor de um homem para se sentir incluído", disse Avildsen, em uma das entrevistas alinhavadas pelos documentários de Derek.
"Fiquei muito tocado pela forma de ele abordar a superação. Avildsen era a minha principal referência estética de direção, além de ser um mestre, um amigo", disse Derek ao Correio da Manhã, em meio à realização de seu novo filme, o thriller "Blood Streams".
Quando vendeu seu roteiro (escrito em três dias e meio, como ressaca pós uma luta de Muhammad Ali contra Chuck Wepner) para a United Artists, sonhando protagonizá-lo, Stallone ouviu nomes mais famosos do que ele serem citados como potenciais escolhas para interpretar o Garanhão Italiano. Os mais cotados eram Robert Redford, Ryan O'Neal, Burt Reynolds e James Caan. Mas Stallone bateu o pé: só venderia o script se o papel central fosse seu. Avildsen entendeu o pleito do ator e aceitou o desafio de rodar o projeto com ele. Acabou por ganhar o Oscar de Melhor Direção e ainda concorreu ao prêmio principal do Festival de Vaiadollid.
Nos anos 1990, Avildsen trabalhou com outro muso da pancadaria, o grande dragão belga Jean-Claude Van Damme, em "Inferno", de 1999, mas não teve o mesmo êxito de outrora.