Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Liam Neeson em modo Charles Bronson

Dublado no Brasil por Armando Tiraboschi, o Liam Neeson vive um criminoso arrependido em 'Legado Explosivo', lançado no auge da pandemia, lotando cinemas mesmo com exigências de distanciamento | Foto: Divulgação

Com dois filmes prontos para lançar daqui até 2025 ("Absolution" e "Cold Storage"), o irlandês Liam Neeson está finalizando o que pode ser (mais) uma virada em sua bem-sucedida carreira: "The Naked Gun", a nova versão da franquia "Corra Que a Polícia Vem Aí" (1988-1994). Ao viver Frank Drebin Jr, o herdeiro do abilolado tira vivido por Leslie Nielsen (1926-2010), o astro de "A Lista de Schindler" (1993) pode se reinventar como comediante da mesma forma que se recriou, no fim dos anos 2000, como protagonista de longas-metragens de pancadaria, criando uma persona digna de Charles Bronson. Nesta segunda-feira, às 23h30, a "Tela Quente" da TV Globo exibe um dos títulos que fizeram dele um ferrabrás: "Legado Explosivo" ("Honest Thief", 2020).

Mais patrulhado de todos os gêneros, sobretudo por correntes ideológicas que confundem transcendência estética com sociologia, o cinema de ação viu seu panteão de estrelas e os seus códigos narrativos serem esvaziados pelo politicamente correto ao longo dos anos 1990 para cá, substituindo o que nele havia de épico pelo patético da comédia, rejuvenescendo (ao nível da infantilização) seus protagonistas. Quando morreu o último dos heróis anciões do filão, o já citado Bronson, em 2003, acreditou-se que a perspectiva de um vigilantismo maduro, de cabelos grisalhos - e, por isso mesmo, aberto a autocríticas - estaria extinto para sempre. Só sobreviveria das iniciativas de Sylvester Stallone - o midas dessa seara - em juntar os mestres aposentados do passado na franquia "Os Mercenários" (2010-2023). Clint Eastwood, que era também um vetusto herói, pendeu mais para a direção. Will Smith, Vin Diesel, Charlize Theron e The Rock conjugaram com maestria os códigos do thriller, porém sempre seguindo uma linha mais próxima da aventura e do family film do que das convenções OMACs (One Man Army Combat), ou seja, "exércitos de uma pessoa só" dos anos 1970 e 80. Nessa convenção, só dois astros brilharam, curiosamente ambos dublados pelo mesmo e talentoso ator - o paulista Armando Tirabischi - no Brasil: Jason Statham e Liam Neeson. O primeiro enveredou mais por uma linha B, de filmes graficamente explícitos no sangue e na quebra de ossos, à moda gore, numa reinvenção da fórmula do guerreiro imparável, como os ronins (samurais sem mestre) de Akira Kurosawa. Neeson, não. Filmes de eficiência comercial (e artística) inquestionável, como "Legado Explosivo", a ser transmitido pelo Plim-Plim hoje, comprovam que o ator de 72 anos não só assumiu o posto de Bronson - de ser o justiceiro com rugas no rosto - como humanizou esse arquétipo do vigilante experiente, tridimensionalizando papéis antes representados de modo raso, resumidos a suas jornadas.

O ladrão arrependido Tom Dolan, vivido por ele em "Legado Explosivo", transborda dilemas existenciais, sem deixar que essa transpiração de conflitos dilua a adrenalina que rega a intriga na qual foi inserido. No caso, Dolan é um ás de roubo de bancos que decide se entregar depois de se regenerar ao longo de sua convivência com a namorada, Annie (Kate Walsh). Mas os dois agentes corruptos do FBI a quem ele se confessa - Hall, vivido por Anthony Ramos, e o crudelíssimo Niven, que Jai Courtney interpreta com faca nos dentes - não ligam para seu arrependimento e, sim, em embolsar os milhões que ele planejava devolver.

Neeson passou a aceitar Dolans em série a partir de 2008, quando Luc Besson produziu "Busca Implacável". Na sequência veio "Desconhecido" (2011), do espanhol Jaume Collet-Serra. Desde então, chove oferta para Neeson exercitar uma verve heroica talhada em anos e anos de palco. "Legado Explosivo" estreou nos Estados Unidos e na Europa no período mais crônico do circuito exibidor, em 2020, por conta da pandemia e ficou quase um mês entre os títulos mais vistos. É uma prova de um carisma que deu a um gênero vilipendiado um sopro extra de vida... e de humanismo.