Liam Neeson em modo Charles Bronson

'Tela Quente' leva à TV aberta nesta segunda um dos maiores sucessos da pandemia, que firmou o ator irlandês de 72 anos como um ídolo dos thrillers de pancadaria

Por Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Dublado no Brasil por Armando Tiraboschi, o Liam Neeson vive um criminoso arrependido em 'Legado Explosivo', lançado no auge da pandemia, lotando cinemas mesmo com exigências de distanciamento

Com dois filmes prontos para lançar daqui até 2025 ("Absolution" e "Cold Storage"), o irlandês Liam Neeson está finalizando o que pode ser (mais) uma virada em sua bem-sucedida carreira: "The Naked Gun", a nova versão da franquia "Corra Que a Polícia Vem Aí" (1988-1994). Ao viver Frank Drebin Jr, o herdeiro do abilolado tira vivido por Leslie Nielsen (1926-2010), o astro de "A Lista de Schindler" (1993) pode se reinventar como comediante da mesma forma que se recriou, no fim dos anos 2000, como protagonista de longas-metragens de pancadaria, criando uma persona digna de Charles Bronson. Nesta segunda-feira, às 23h30, a "Tela Quente" da TV Globo exibe um dos títulos que fizeram dele um ferrabrás: "Legado Explosivo" ("Honest Thief", 2020).

Mais patrulhado de todos os gêneros, sobretudo por correntes ideológicas que confundem transcendência estética com sociologia, o cinema de ação viu seu panteão de estrelas e os seus códigos narrativos serem esvaziados pelo politicamente correto ao longo dos anos 1990 para cá, substituindo o que nele havia de épico pelo patético da comédia, rejuvenescendo (ao nível da infantilização) seus protagonistas. Quando morreu o último dos heróis anciões do filão, o já citado Bronson, em 2003, acreditou-se que a perspectiva de um vigilantismo maduro, de cabelos grisalhos - e, por isso mesmo, aberto a autocríticas - estaria extinto para sempre. Só sobreviveria das iniciativas de Sylvester Stallone - o midas dessa seara - em juntar os mestres aposentados do passado na franquia "Os Mercenários" (2010-2023). Clint Eastwood, que era também um vetusto herói, pendeu mais para a direção. Will Smith, Vin Diesel, Charlize Theron e The Rock conjugaram com maestria os códigos do thriller, porém sempre seguindo uma linha mais próxima da aventura e do family film do que das convenções OMACs (One Man Army Combat), ou seja, "exércitos de uma pessoa só" dos anos 1970 e 80. Nessa convenção, só dois astros brilharam, curiosamente ambos dublados pelo mesmo e talentoso ator - o paulista Armando Tirabischi - no Brasil: Jason Statham e Liam Neeson. O primeiro enveredou mais por uma linha B, de filmes graficamente explícitos no sangue e na quebra de ossos, à moda gore, numa reinvenção da fórmula do guerreiro imparável, como os ronins (samurais sem mestre) de Akira Kurosawa. Neeson, não. Filmes de eficiência comercial (e artística) inquestionável, como "Legado Explosivo", a ser transmitido pelo Plim-Plim hoje, comprovam que o ator de 72 anos não só assumiu o posto de Bronson - de ser o justiceiro com rugas no rosto - como humanizou esse arquétipo do vigilante experiente, tridimensionalizando papéis antes representados de modo raso, resumidos a suas jornadas.

O ladrão arrependido Tom Dolan, vivido por ele em "Legado Explosivo", transborda dilemas existenciais, sem deixar que essa transpiração de conflitos dilua a adrenalina que rega a intriga na qual foi inserido. No caso, Dolan é um ás de roubo de bancos que decide se entregar depois de se regenerar ao longo de sua convivência com a namorada, Annie (Kate Walsh). Mas os dois agentes corruptos do FBI a quem ele se confessa - Hall, vivido por Anthony Ramos, e o crudelíssimo Niven, que Jai Courtney interpreta com faca nos dentes - não ligam para seu arrependimento e, sim, em embolsar os milhões que ele planejava devolver.

Neeson passou a aceitar Dolans em série a partir de 2008, quando Luc Besson produziu "Busca Implacável". Na sequência veio "Desconhecido" (2011), do espanhol Jaume Collet-Serra. Desde então, chove oferta para Neeson exercitar uma verve heroica talhada em anos e anos de palco. "Legado Explosivo" estreou nos Estados Unidos e na Europa no período mais crônico do circuito exibidor, em 2020, por conta da pandemia e ficou quase um mês entre os títulos mais vistos. É uma prova de um carisma que deu a um gênero vilipendiado um sopro extra de vida... e de humanismo.