Regina Casé: 'É possível fazer humor sem ofender minoria'
Atriz volta ao gênero que a revelou na TV com o sitcom 'Tô Nessa', novidade na grade da Globo
Regina Casé foi uma criança cheia de graça. Adorava contar causos e arrancar gargalhadas de parentes e amigos. "Eu fazia praticamente um stand-up, um espetáculo", diz a atriz. Anos mais tarde, o que era brincadeira virou profissão quando ela integrou o elenco de atrações como "Chico Anysio Show", "Os Trapalhões" e "TV Pirata" - último humorístico do qual participou.
Mais de três décadas depois, Casé volta à comédia no sitcom "Tô Nessa!", que estreou domingo (13) na TV Globo após o Fantástico. O programa é uma das iniciativas que a emissora planejou para reaquecer a produção de comédias após o caso Marcius Melhem. Em 2020, o então chefe do departamento de humor da empresa deixou o cargo em meio a acusações de assédio sexual, crime que ele nega ter cometido.
Em junho, a Globo anunciou investimentos na área, plano que ganha concretude com a estreia de "Tô Nessa!". "A gente estava com saudade de humor e acho que o público também", diz Casé, que dá vida à Mirinda, matriarca de uma família que se vê às voltas com problemas financeiros.
Para pagar os boletos, ela faz de tudo. Desde passeio com cachorros à venda de bolos, passando por bicos como figurante. "Toda semana tem um desafio novo para pagar as contas", diz a atriz. "Talvez as pessoas tenham menos pudor de falar sobre sexo do que sobre dinheiro. Por isso, quisemos abordar quanto as coisas realmente custam."
Criado pela atriz em parceria com o roteirista Jorge Furtado, o programa também aposta na nostalgia para cativar o público. Por isso, buscou inspiração em sucessos como "A Grande Família" e "Toma Lá, Dá Cá". Aliás, o sitcom conta com uma plateia, recurso que foi usado em "Sai de Baixo", um dos humorísticos de maior popularidade da Globo.
No entanto, diferentemente dessa série, "Tô Nessa!" não deve ser presa fácil para a cultura do cancelamento. A atração foge de piadas machistas ou elitistas, comuns nos anos 1990 e 2000. "Dá para fazer humor sem ofender, ferir e maltratar ninguém", diz Casé, acrescentando ser importante tomar cuidado para não estigmatizar ainda mais grupos marginalizados. "A liberdade de expressão às vezes é usada de maneira legal e muitas vezes de formas terríveis."
Casé entrou na dramaturgia na década de 1970, momento em que discussões como essas inexistentes. Filha do diretor de TV Geraldo Casé, ela nutria uma certa implicância com a postura das atrizes. "Todas elas usavam echarpe, não tomavam gelado e só saiam de noite. Aquela imagem não me atraía. Eu sempre fui do dia, gostava de falar alto e tomar gelado. Evidentemente, era uma visão infantil e redutível", diz a artista. "Mas eu ainda acho um pouco isso."
Casé deu os primeiros passos na profissão no icônico Asdrúbal Trouxe o Trombone, grupo de teatro que ela ajudou a criar em 1974. O maior sucesso da trupe, no entanto, veio em 1977, quando eles encenaram "Trate-me Leão". O espetáculo foi um marco ao dramatizar questões ligadas à juventude da época.
"Essa peça virou um clássico por não ter sido pensada para ser um clássico", diz Casé, para quem o grupo ajudou a dessacralizar o teatro. "Ainda havia um fazer teatral muito empostado. A gente 'desempostou' totalmente".
A peça rendeu à Casé o Prêmio Molière de melhor atriz, uma das láureas mais importantes da época. Com o sucesso nos palcos, a televisão começou a se interessar pela artista. O problema é que não sabiam quais papéis dar a ela. "Eu não podia ser mocinha, porque eu não me encaixava. Ao mesmo tempo, eu era leve e engraçada, então a vilania não me cabia. Precisei inventar um lugar para mim."
No começo dos anos 1980, entrou na TV Globo em programas de humor como "Os Trapalhões" e "Chico Anysio Show". Seu primeiro papel de destaque em novelas também explorava a comicidade. Em 1986, deu vida à Tina Pepper - personagem de "Cambalacho" que divertia o público com o jeito irreverente e o visual à lá Tina Turner. Durante o folhetim, Caetano Veloso avisou a atriz que a célebre mãe de santo Menininha do Gantois gostaria de vê-la. "Fiquei apavorada achando que ela ia fazer alguma revelação. Cheguei lá apreensiva, fiz a reverência e perguntei se queria falar comigo", conta a artista. "Daí ela falou: 'Não, não. Eu só queria conhecer a Tina Pepper mesmo'".
Depois do sucesso na novela, ela participou da TV Pirata, atração que inaugurou uma nova forma de fazer humor no Brasil.
Depois que saiu do humorístico, Casé começou uma carreira longeva como apresentadora. A primeira atração foi o Programa Legal, que estreou em 1991 misturando jornalismo, ficção e humor. Depois vieram projetos como Brasil Legal, Central da Periferia e Esquenta! Nesses programas, ela entrou em contato com pessoas do interior do Brasil e de regiões em vulnerabilidade social. A experiência veio a calhar quando protagonizou o filme "Que Horas Ela Volta?", de 2015.
Dirigido por Anna Muylaert, o longa ganhou prêmios nos festivais de Sundance e de Berlim ao narrar o dia a dia de Val, empregada doméstica que deixou Pernambuco para trabalhar em São Paulo.
Depois do longa, a atriz deu vida a outras empregadas, como a Madalena, do filme "Três Verões", e a Lurdes, da novela "Amor de Mãe".
Ela diz que a facilidade para encarnar essas personagens se deu pela experiência nas ruas, como apresentadora, e também por seu tipo físico. "Mesmo toda arrumadinha assim, eu tenho cara de pobre para as pessoas", diz a artista. "Isso está um pouco mais diluído, mas antigamente tinha que ser loira e de olhos azuis para protagonizar novela."
Aos 70 anos, a atriz afirma que a passagem dos anos trouxe mais liberdade e a ajudou a romper esses padrões. "Meus melhores papéis vieram com a idade. Uma pessoa mais velha não precisa ter aquela cara de mocinha. Ela pode ser como eu sou."