Por Rodrigo Fonseca
Especial para o Correio da Manhã
Pedacinho colorido das saudades que a gente sente do artesão autoral Leon Hirszman (1938-1987), "Partido Alto" - uma produção de 22 minutos rodada em 1976 e lançada em 1982 - hoje faz carnaval na grade do Curta!On, streaming que lava a alma de quem aprecia as interseções do cinema brasileiro com a arte do samba.
Num rastreio de improvisos musicais, estruturado como um painel (sonoro) do Rio do fim da década de 1970, o diretor de "Eles Não Usam Black-Tie" (1981) conta com Paulinho da Viola para lhe abrir os caminhos na investigação de uma das mais populares vertentes da cultura sambista, calcado em versos de aparente simplicidade - e de transcendência profunda.
Ao mesmo tempo que resgata essa pílula de um dos mitos do Cinema Novo, a plataforma digital do Canal Curta! dá visibilidade a um longa-metragem que assegurou poesia à maratona audiovisual (de não ficção) É Tudo Verdade, em 2021, em plena pandemia, mas não teve eco em circuito: "Paulo César Pinheiro - Letra e Alma".
Andrea Prates e Cleisson Vidal assinam a direção desse estudo sobre a simplicidade, que usa as imagens de arquivo numa dinâmica inventiva. Compositor prolífico, PCPinheiro é um dos poetas mais celebrados da música brasileira, consagrado por "Canto das Três Raças" e "O Poder da Criação". Parceiro de Baden Powell, Tom Jobim e Edu Lobo, ele foi gravado por Elis Regina, Clara Nunes e Maria Bethânia. Sentado em seu sofá, sob uma delicada fotografia em preto e branco, ele reflete sobre a natureza de suas canções, relembra o passado e revê a carpintaria poética canções de protesto contra a ditadura militar. Num clímax do longa, dá uma aula de geopolítica em forma de verso: "Ninguém faz mais jura de amor no Juramento/ Ninguém vai-se embora do Morro do Adeus/ Prazer se acabou lá no Morro dos Prazeres/ E a vida é um inferno na Cidade de Deus. Não sou do tempo das armas/ Por isso ainda prefiro/ Ouvir um verso de samba/ Do que escutar som de tiro".
Ensaios documentais sobre titãs do samba que mobilizaram festivais brasileiros nos anos 2000 hoje se depositam nas estantes virtuais do Curta!On, fazendo dele uma Marquês da Sapucaí na streaminguesfera. O melhor exemplo é "Cartola - Música Para Os Olhos" (2006), da dupla pernambucana Lírio Ferreira e Hilton Lacerda. Seguem a mesma toada retratista "Candeia" (2018), de Luiz Antonio Pilar, e "Lupicínio Rodrigues: Confissões De Um Sofredor" (2023), de Alfredo Manevy. Outro golaço do www.curtaon.com.br é "Damas do Samba" (2015), de Susanna Lira, com relatos de Alcione, Beth Carvalho, Tia Surica, Rosa Magalhães, Leci Brandão, Nilcemar Nogueira, Ivone Lara, Marienne de Castro.
Na latitude onde o batuque das imagens em movimento alardeiam em dimensões agigantadas, a tela grande, o samba se faz presente com "Nas Ondas de Dorival Caymmi", dirigido por Locca Faria. Cronista fundamental de uma Bahia caiçara e sedutora, o bardo deu novas harmonias ao jeitinho brasileiro de falar sobre os encantos da rotina nossa de cada dia. Memórias de sua prole - Dori, Nana e Danilo Caymmi - e os depoimentos inéditos de artistas, pesquisadores e amigos (Chico Buarque, Gilberto Gil, Maria Bethânia, João Bosco e Hermínio Bello de Carvalho) ampliam a relevância dessa biopic documental. "Não haveria bossa nova e João Gilberto sem Dorival Caymmi", crava Nelson Motta no longa.
Como hoje é dia de festejar o samba em todas as suas manifestações, vale incluir a animação nesse bonde: "Você Já Foi à Bahia?" ("The Three Caballeros", 1944), de Norman Ferguson, Clyde Geronimi e Jack Kinney, entrou na Disney . É o filme animado em que o Zé Carioca explica ao Pato Donald o que é mugunzá.