Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Filipe Gontijo: 'Em Brasília estamos abertos a tentar coisas novas'

Filipe Gontijo, cineasta brasiliense | Foto: Divulgação

Portando a insígnia do Clube de Regatas do Flamengo no peito como se fosse o S do Superman, Filipe Gontijo renova os vínculos do cinema brasileiro com a fantasia e as HQs, a partir deste fim de semana, ao levar às telas o premiado "Capitão Astúcia". É raro a América Latina dar bola para vigilantes mascarados em seu audiovisual (como o Chile fez com "Mirage Man", em 2007), mas este país, que levou o Judoka e o Doutrinador às telonas, encontrou um novo guardião dos fracos e oprimidos para lotar suas salas de exibição. Aos 44 anos, o realizador brasiliense com CEP residencial no Guará, formado pela UnB, ataca os males do etarismo pelos flancos com seu Wolverine candango.

Seu protagonista, Fernando Teixeira (de "Baixio das Bestas" e "Aquarius"), tem uma atuação em estado de graça, que foi coroada com o troféu de Melhor Interpretação no Festival de Vassouras, em 2023. Amparado numa direção de arte esplendorosa (de Lia Renha) capaz de tratar a realidade de populações anciãs com um desfile de cores, Gontijo faz de "Capitão Astúcia" uma cartografia do desamparo na terceira idade. O roteiro escrito pelo cineasta com Eduardo Gomes abre brechas para a aventura. No enredo, o músico Santiago (Paulo Verlings, em sólida interpretação) vive frustrado com sua carreira de pianista, assombrado pela fama que teve quando usava calças curtas. Obstinado em escapar de um revival na televisão, o rapaz se refugia no universo quixotesco de um avô que há tempos não via. O tal senhor - outrora ligado à indústria das revistas em quadrinhos, num trabalho como letreirista - acredita ser um combatente do crime. Encara a si mesmo como se fosse um Demolidor do DF.

Seu alter ego, Astúcia, tem até um inimigo, um Lex Luthor particular chamado Akira Laser (vivido por Yudi Tamashiro). Esse malvadão é um pianista demoníaco que solta raios.

No papo a seguir, Gontijo reflete sobre sua corajosa empreitada e fala da produção cinematográfica da capital do Brasil.

Que quadrinhos pautaram seu olhar, em sua formação, e que gibis você acompanha hoje?

Filipe Gontijo: Atualmente, tenho lido poucos quadrinhos. Às vezes, pego para ler "O Monstro do Pântano". De nacional, a revista que eu acompanhava era a "Quase", do pessoal que faz o Choque de Cultura, e a "Samba". Quando eu era criança eu gostava muito de revistinha. Antes de aprender a ler, eu já ficava fissurado naquilo dos heróis poderosos, musculosos... naquela coisa do cara que voa. Eu gostava muito do Hulk e do Homem de Ferro, mas não sabia ler. Tinha uma prima, que morava lá na minha casa, e me apresentou as revistinhas da Turma da Mônica. Comecei a curtir muito o Chico Bento. Inclusive adorei esse filme sobre ele. Fiquei nessa fissura e, quando aprendi a ler, passei para a revistinha do Tio Patinhas. As revistinhas de herói eram meio caras, então eu comprava uma por mês, mais ou menos. Já na adolescência, a minha grande fissura eram os X-Men.

Qual é a mirada sobre o etarismo que "Capitão Astúcia" busca?

Esse assunto entra naturalmente no filme, mas não como bandeira. Uma vez eu, quando eu era estudante da UNB, a gente fez uma entrevista com Joel Zito Araújo (diretor de "A Negação do Brasil" e outros marcos antirracistas) e ele falava muito do filme "O Homem Que Copiava", que tem o Lázaro Ramos. Ele falava sobre o Lázaro, negro, ser o protagonista do filme, mas a cor dele não está tematizada. Acho interessante quando a coisa vem na história e a gente consegue tratar assuntos assim "políticos", sem ser uma coisa panfletária e discursiva.

Como você avalia a cena audiovisual de Brasília hoje?

Tínhamos na cidade uma tendência natural para o documentário, pela questão política, que existe e é forte. Apesar disso, por ser uma cidade com imigrantes de todo o país, Brasília acaba tendo um cinema bem diversificado. Um traço marcante aqui quando comparado a outros centros de produção é estarmos abertos a tentar coisas novas. Em conteúdo e em linguagem também. Não estamos presos ao "cinema de arte", temos filmes como os da Rafaela Camelo (de "As Miçangas" e "A Natureza Das Coisas Invisíveis") em grandes festivais, mas também temos abordagens de entretenimento puro, como os filmes do Santiago Dellape ("A Repartição do Tempo"). O cinema da cidade está conseguindo se desenvolver de forma autêntica.

Quais serão seus novos projetos?

Meu novo projeto é o "Entre Quadras", um longa que gravamos no ano passado. Ele se comunica de alguma forma com "Capitão Astúcia", por falar sobre amizade. Conversando com meu terapeuta, descobrimos que o Capitão Astucia é uma experiência minha de criança e o novo filme carrega uma visão mais adolescente minha. O filme se passa no começo dos anos 1990, em Brasília, uma cidade que é o centro do poder. De um lado, tinham gangues, tipo uns hooligans, chamados de "galera" na época. Todos os lugares tinham "galera". Você não podia andar nessa cidade planejada que poderia apanhar. Será um filme sobre ser adolescente numa sociedade extremamente machista e conseguir demonstrar afeto por um amigo.