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Vítimas de pirâmide financeira costumam reincidir no 'golpe'

Pirâmide financeira continua a fazer milhares de vítimas, todos os anos | Foto: Freepik

Por Marcello Sigwalt

A despeito de toda a divulgação maciça dos danos causados por esse tipo de estelionato muito disseminado no país, a pirâmide financeira continua a fazer milhares de vítimas, todos os anos. Mas pior do que essa constatação é saber que muitas delas incorrem no mesmo erro, mesmo depois de lesadas.

É o que aponta o relatório da pesquisa sobre "tomada de decisão de investidores em investimentos irregulares', promovido de forma conjunta pela Gerência de Educação e Inclusão Financeira (GEIF) da Superintendência de Orientação a Investidores (SOI) da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) - a 'xerife do mercado de capitais' - e a FGV (Fundação Getúlio Vargas) cuja principal conclusão é que as vítimas, geralmente, voltam a investir seus recursos nesse tipo de fraude, fiéis à crença nas promessas de alta rentabilidade, mas 'anestesiadas' quanto ao risco que esta representa.

Sobre os resultados colhidos com o estudo, o gerente de Educação e Inclusão Financeira da CVM, Paulo Portinho acentua que ele "traz dados importantes sobre o comportamento do investidor, que irão auxiliar a CVM no desenvolvimento de estratégias e ações com foco em educação financeira e na proteção ao investidor". Como em qualquer outra atividade, o desconhecimento e a inexperiência são fatores determinantes para a apuração de perdas, entre os investidores, uma vez que o estudo contemplou 12 hipóteses vinculadas à inclinação (ou compulsão) de uma pessoa para investir ou convidar terceiros para investir, levando em conta os seguintes padrões de comportamento:

- Maior propensão para investimentos de baixo risco do que de alto risco.

- São mais frequentes os convites a investidores em potencial quando se trata de investimentos de baixo risco e não de alto risco.

- Aqueles que já foram vítimas de pirâmides financeiras costumam ser mais refratários a esquemas irregulares do que os que ainda não foram prejudicados por estes.

- A 'tentação' de 'arriscar' investimentos de alto risco, na expectativa de um alto retorno, que jamais acontece.

- A falta de conhecimento do funcionamento do mercado financeiro também contribui para que se aceite participar de esquemas fraudulentos.

- A educação financeira é o tratamento mais eficaz para a 'compulsão' de risco do investidor.

'Recuperação difícil'

Se foi inevitável cair na armadilha da 'pirâmide', como, então, é possível, reaver o dinheiro perdido nessa 'furada'? De modo geral, o ressarcimento desse prejuízo pode demorar mais do que se pensa, uma vez que os golpistas se apressam a se desfazer de bens em seu nome ou, ainda, transferem os respectivos recursos para 'inalcançáveis' paraísos fiscais, à revelia de qualquer acordo com o Judiciário tupiniquim. Apesar de tal perspectiva nada animadora, a orientação de especialistas é de que o lesado ingresse com ação na Justiça, solicitando o devido ressarcimento, por meio de denúncia à Polícia Federal ou ao Ministério Público Federal (MPF).

Caso a subtração piramidal envolva criptomoedas, o MPF realiza um filtro prévio da denúncia, para então encaminhá-la à alçada competente. Se esta for tipificada como estelionato (além do agravante penal de se tratar de moedas digitais), a fraude é considerada crime contra o Sistema Financeiro Nacional (SFN), ao invés de crime contra a economia popular.

Para o procurador da República no Amazonas - integrante de grupos de investigação de crimes cibernéticos do MPF - Thiago Bueno, a representação poderá ser feita pela Internet, sem obrigatoriedade de identificação. "O anonimato visa proteger a identidade para evitar possíveis represálias que o denunciante possa vir a sofrer", explica.

Já o advogado e especialista em blockchain e no combate a golpes digitais, Artêmio Picanço recomenda às vítimas que ingressem 'o quanto antes' na Justiça, o que aumenta as chances de um reembolso. Segundo ele, tramitam atualmente mais de 2 mil processos, cujo montante corresponderia hoje a mais de R$ 500 milhões. Para que as chances de um ressarcimento aumentem, Picanço sugere que seja feito um pedido de 'tutela de urgência', para bloqueio antecipado das contas dos suspeitos de envolvimento no esquema, o que incluiria eventuais saldos em ativos digitais em poder das corretoras. Entretanto, para que a iniciativa tenha efeito, o especialista informa que seu autor terá de arcar com as custas processuais, que podem corresponder a até 7% do valor da causa.

"Não perca tempo com o golpista, esse é o primeiro conselho, pois ele vai tentar dissuadi-lo. O tempo corre contra a vítima, e o que pode trazer o dinheiro de volta é uma ação judicial, e não a simples reclamação em um órgão de defesa do consumidor", ressalta Picanço.

'Melhor prevenir...'

Levando em conta o velho ditado de que 'é melhor prevenir que remediar', Picanço sugere que, antes de ingressar nessa 'aventura', nosso investidor de primeira viagem, primeiro, desconfie de "qualquer rentabilidade fixa ou variável sempre positiva em um mercado de risco". A título de simulação da taxa e prazo oferecidos, o especialista propõe que se faça uma simulação em torno da taxa e do prazo oferecidos.

"Há diversas calculadoras de juros compostos disponíveis na internet. É só colocar a rentabilidade prometida e verificar se em determinado prazo o retorno faz sentido. Se estiver muito fora do padrão de mercado, já é um forte indicativo de que possa haver problemas", sugere, ao arrematar que toda pirâmide financeira tem um marketing bastante agressivo. "Chega a ser até trivial, mas sabe aquele marketing extremamente agressivo que você vê e acha que tem cara de golpe? Provavelmente seja golpe mesmo", alerta.

Sem distinção

Sem fazer distinção entre classe social, nacionalidade ou nível de instrução, o golpe da pirâmide financeira, embora centenário, está sempre em 'cena', pois se baseia na boa fé (ou ingenuidade) daqueles que acreditam em ganhos rápidos, acima da média, mediante um custo de investimento proporcionalmente baixo.

A incrível capacidade de adaptação também é outro fator que está na raiz da 'longevidade' desse golpe centenário, cujo investimento no passado envolveu gado e hoje passou a contemplar criptomoedas, como o bitcoin.

Promessa de ganhos

Em termos práticos, pirâmide financeira consiste é um esquema que recruta pessoas, com base na 'promessa' de ganhos expressivos e obtidos com 'facilidade', sob a condição de que estas tragam novos membros, que também terão de aportar seus recursos, de modo a garantir um retorno crescente para os primeiros, e assim por diante.

Com o pagamento dos primeiros rendimentos aos mais antigos, a ilusão de lucratividade é alimentada, embora, realidade, o dinheiro 'investido' apenas passa de um nível para outro (da pirâmide), sem que a operação implique qualquer produto ou serviço. Como a estrutura piramidal é insustentável por longo período, seu 'desmoronamento' é mera questão de tempo. "Para que Paulo ganhe, Pedro tem que perder. Esse é um ditado triste, mas que define bem como funciona uma pirâmide financeira. É um sistema que não se sustenta por muito tempo, justamente por isso está sempre dependente do ingresso de novas vítimas", aponta Bueno.

Colapso poupa o topo

O momento do colapso da pirâmide, em geral, coincide, com aquele em que cessa o recrutamento de novos 'investidores', acarretando maiores perdas àqueles situados na base da estrutura piramidal, ao contrário dos diretores do esquema, no topo desta.

Outra quimera, difundida por seus próprios propagadores, a pirâmide financeira é crime, sim, em que os prejuízos impostos aos participantes serão proporcionais ao volume subtraído dos incautos. Tipificado pelo inciso IX, artigo 2º, da Lei n°1.521 (de 26 de dezembro de 1951) - que trata dos crimes contra a economia popular - o golpe financeiro é passível de uma pena de seis meses a dois anos de detenção, mediante "a obtenção, ou tentativa de obter, ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos".

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