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Há 90 anos, Hitler era nomeado primeiro-ministro da Alemanha

Acima, o papa Pio XII, que lutou para proteger os fiéis católicos e os judeus de Hitler (ao lado) | Foto: Fotos Reprodução

Por Barros Miranda e Marcelo Perillier

Muitos gostariam de voltar ao passado, para refazer alguns passos, mirando um futuro melhor. Um dos atos que vários fariam diferente seria este, de 30 de janeiro de 1933. Talvez, se Paul von Hindenburg, presidente da Alemanha na época, soubesse o que Adolf Hitler faria ao país ao longo do tempo, não tomaria tal atitude. Porém, diante das pressões políticas, ele não tinha outra alternativa, a não ser nomeá-lo primeiro-ministro, diante do crescimento do seu partido no parlamento alemão, ao longo dos anos.

Durante muitos anos, a Alemanha lutava para sobreviver economicamente, diante das pesadas indenizações e punições no pós Primeira Guerra. O país perdeu as minas do Vale do Ruhr para a França e teve que quitar altas moratórias aos Aliados. Para sobreviver, assim como várias nações europeias, recorreu aos empréstimos de dólares dos Estados Unidos. Todavia, ninguém esperava que a nação mais rica e próspera do planeta, no início do século XX, pudesse entrar na bancarrota, a partir da quebra da Bolsa de Valores de Nova York. O fato virou a Alemanha, fazendo ela perder a estabilidade política e econômica alcançada na década de 1920. Com isso, a ideologia da República de Weimar fora questionada pela população, com o ideal conservador e nacionalista crescendo no território, ocupando, de pouco em pouco, cadeiras no parlamento. Nas eleições de 1932, o Partido Nacional Socialista Alemão (Nazista) conquistou quase a metade das cadeiras (algo em torno de 230) do parlamento, colocando o então presidente da legenda, Adolf Hitler, como um dos postulantes ao cargo, algo que aconteceu.

O resto da história, já sabemos. Contudo, a questão de como a Cúria Romana reagiu a isso e como se saiu na Segunda Guerra é algo que, aos poucos, está sendo desvendando e divulgado pela historiografia, principalmente após o Vaticano tornar público os documentos do papa Pio XII, considerado por muitos um aliado de Hitler, mas que, secretamente, combateu a ideologia nazista e procurou salvar judeus da morte, conseguindo colocar, pelo menos, 15 mil sob o guarda-chuva da Igreja. O fato vem sendo digerido em livros, como este, "Papa contra Hitler — A guerra secreta da Igreja contra o nazismo", do pesquisador judeu Mark Riebling.

República de Weimar

Ao fim da Primeira Guerra (1914-1919), a Alemanha foi totalmente devastada. Politicamente, o país teve que se reconstruir. O seu antigo império fora esfacelado, criando novos países, como a Polônia, dividindo até o território alemão em duas partes - algo que serviu de base para a Segunda Guerra. Além disso, o modelo republicano fora adotado no país, com uma assembleia se reunindo em Weimar - daí o nome desse período ser chamado pelos historiadores de República de Weimar.

Economicamente, a Alemanha estava em ruínas. Sua moeda, o marco, uma das mais valiosas da Europa, se desvalorizou bruscamente, a ponto de um dólar ser equivalente a 4 bilhões de marcos. Fora isso, pesadas indenizações de guerra, com pagamentos sendo feitos com ouro ou mesmo carvão — até armamentos de guerra foram utilizados como moeda de troca — fez o início de Weimar ser bastante indigesto, podemos dizer, para a classe média, pois é faixa socioeconômica que sustenta qualquer país.

Com isso, muitos foram ficando simpatizantes com as ideias da direita, que tinham como base o movimento fascista da Itália - não podemos esquecer que em 1921, Benito Mussolini foi convidado pelo então rei Victor Emanuel III a ser primeiro-ministro italiano, diante da sua força política para com a sociedade. Na Alemanha, essa função ficou a cargo do Partido Nacional Socialista Alemão (Nazista) que, mesmo tendo o termo "socialista" no nome, não significava que era adepto às condutas da URSS, e sim que estava ligado às melhorias para a sociedade.

Os primeiros anos de Weimar foram muito turbulentos, mesmo com uma aliança entre o Partido Social Democrata Alemão (SPD) e do Partido Social Democrata Alemão Independente (USPD), com Friedrich Ebert sendo eleito presidente. Seu governo foi marcado por grandes revoluções no país — comunistas e nazistas —, a ponto de um golpe da direita quase ser sacramentado em 1923. Depois disso, uma calmaria se iniciou na Alemanha, com uma crescente vertiginosa em 1925, com a eleição de Paul von Hindenburg para presidente, após a morte de Ebert.

Com a ajuda dos norte-americanos, a Alemanha voltou a crescer economicamente e a classe média deu uma espécie de salvo conduto (ou voto de confiança, por assim dizer) ao novo governo. Entre 1925 e 1929, as taxas de desemprego caíram e o país voltava a ter uma alta no PIB considerável. Mesmo assim, o Partido Nazista vinha tendo bons índices nas eleições, chegando a ter mais de 100 deputados nas eleições antes da Crise de 1929.

Por mais que Hindenburg tivesse seu mandato como presidente renovado, a conjuntura não era mais a mesma do que no primeiro. Sendo assim, ele tinha que se arquitetar politicamente para manter o prestígio. E a jogada foi nomear Hitler como primeiro-ministro, já que o Partido Nazista, nas eleições de 1932, conquistou quase a maioria do parlamento (230 cadeiras), transformando-o na principal força política da Alemanha na época.

Cobertura do Correio

Com ajuda de agências de notícias internacionais, o Correio era o jornal da época que mais dava espaço para a cobertura no exterior, como foi o caso da situação da Alemanha na República de Weimar. Antes de Hindenburg convidar Hitler para ser o novo premiê o país, o antigo primeiro-ministro, Kurt von Schleicher havia proposto dissolver o parlamento e convocar novas eleições, algo que foi rechaçado por Hindenburg. Com isso, coube a Schleicher a renúncia coletiva de sua equipe.

Inicialmente, como noticiou o Correio, Franz von Pappen fora convocado para formar uma nova equipe ministerial e virar premiê, mas ele mesmo recomendou que Hitler fizesse isso, já que o Partido Nazista tinha quase que a maioria do parlamento. Hindenburg, contrariado, então, mas com uma enorme pressão política por trás, aceitou a condição e convidou o seu opositor para a missão, formando uma coalizão justamente com Pappen, como vice-premiê.

As primeiras medidas de Hitler foram manter a condição política interna e externa, mas um incêndio no parlamento um mês depois da sua nomeação como primeiro-ministro mudou o jogo, obrigando Hindenburg a promulgar uma lei que dava amplos poderes à polícia a prender pessoas contra o governo e a convocar novas eleições. Novamente, os nazistas fizeram aliança com os centristas de Pappen, para continuarem no poder.

A luta da Igreja

A eleição de um papa leva em questão uma série de fatores. Provavelmente um dos conclaves mais aguardados — e destemidos — do século XX fora o de 2 de março 1939. Com a morte de Achille Ratti, o papa Pio XI, cardeais do mundo todo se reuniram em Roma, para eleger o novo líder da Igreja Católica, em meio e um turbilhão político. De um lado, a ameaça soviética. Do outro, os regimes totalitários (nazifascistas). E no centro, a Cúria, para buscar a paz. Quando o antigo Núncio Apostólico de Munique e Berlim e secretário de Estado do Vaticano na época, Eugênio Pacelli, fora eleito, logo no terceiro escrutínio, a resposta da Igreja para a conjuntura planetária era clara: diálogo.

Diante de todos os atributos políticos adquiridos, Pacelli era o único nome possível capaz de lidar com todo o furacão que estava acontecendo na Europa — em especial. Meses depois de sua eleição — tratada como preocupante tanto por Mussolini quanto por Hitler — estoura a Segunda Guerra Mundial.

E o diálogo democrático de Pio XII fora fundamental para manter as estruturas da Basílica de São Pedro intactas às vistas humanas, mas bem agitadas para quem vivia dentro dela.

O livro do pesquisador Mark Riebling deixa explícito como Pacelli tratou a questão do nazismo na Cúria Romana — ele mesmo, como Núncio Apostólico na Alemanha sabia dos estilos políticos de Hitler —, assim como queria alertar a todos os males do chanceler alemão, para salvar o mundo de uma catástrofe maior.

Seu esquema de cartas e correspondências com bispos na Alemanha para saber os passos do Furher, assim como as conversas de seus oficiais mais próximos com espiões do próprio Ministério da Defesa alemão, chefiado por Wilhelm Canaris, que estavam articulando um plano para matar Hitler, provam que Pacelli não foi um papa omisso na Segunda Guerra. Pelo contrário. Ele foi cirurgicamente cauteloso e discreto, para não ferir os ideais católicos, nem mesmo provocar uma matança de fiéis.

O livro mostra como esse esquema de espionagem de Pio XII foi importante para deixar a Cúria Romana a par de tudo que estava acontecendo no mundo — em especial na Alemanha — e para alertar as outras nações dos planos de resistência de líderes próximos a Hitler, contra o Fuhrer. Em alguns casos, relatados nas mais de 200 páginas, o papa alertou os líderes dos Estados Unidos e da Inglaterra as manobras de Hitler na Europa, mas nenhum deles veio a acreditar que o líder da Igreja Católica estava à serviço de um esquema de espionagem contra o principal inimigo do mundo. Talvez, se eles tivessem um pingo a mais de confiança, a história do conflito poderia ter sido outra.

Em todas as tentativas de atentados contra o líder supremo da Alemanha, o espião da Canaris, Joseph Miller, informava os detalhes a Pacelli, por meio de seus empregados de confiança em Roma. No único que realmente teve algum efeito, o de julho de 1944, quando a Alemanha estava sendo encurralada pelas tropas soviéticas pelo leste e as tropas anglo-franco-americanas a oeste, foi quando todo o esquema fora descoberto e Pio XII quase desmascarado como um ouvinte de toda a trama.

Pacelli foi extremamente inteligente no período da guerra. Nas suas falas e encíclicas, procurava dizer o sentimento da Cúria Romana diante dos acontecimentos, sem expor completamente sua opinião pessoal. Talvez por isso muitos o intitularam de "Papa de Hitler", pois ele não condenou abertamente o Holocausto, já que na primeira — e única — que mencionou a palavra "judeu", mesmo que de forma implícita, quase provocou uma invasão alemã em Roma. E quando, ela aconteceu, para impedir o avanço dos Aliados na capital italiana, Hitler quis sequestrar Pio XII. Contudo, os poderes divinos foram mais poderosos e as tropas norte-americanas chegaram a tempo de expulsar os nazistas do território.

Recentemente, o site "Vatican News" publicou uma matéria dizendo que Pio XII salvou cerca de 15 mil judeus da morte, colocando todos sob a guarda da Igreja Católica. Além disso, após o papa Francisco, em 2020, liberar para o público todos os documentos da Cúria na época da Segunda Guerra, muitos historiadores e pesquisadores estão vendo exatamente a questão exposta do Riebling em seu livro: de que Pacelli foi eleito para proteger o catolicismo, ajudar a blindar Roma das ameaças de Hitler e estabelecer um diálogo, em busca da paz mundial.