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Em seu voto, Benedito Gonçalves pede inelegibilidade de Bolsonaro

Por Rudolfo Lago

"Um episódio aberrante". Assim o ministro Benedito Gonçalves, relator da ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pede a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro classificou a reunião com embaixadores ocorrida no dia 18 de julho do ano passado no Palácio da Alvorada, ponto central da ação movida pelo PDT. Benedito, então, votou pela condenação de Bolsonaro à inelegibilidade. Se a posição de Benedito prevalecer, Bolsonaro estará por oito anos impedido de disputar cargos eletivos.

"Voto por condenar o primeiro investigado pela prática de abuso de poder político, conduta ilícita, declaro sua inelegibilidade por oito anos", proferiu Benedito Gonçalves. O ministro absolveu da mesma condenação o candidato a vice-presidente, general Walter Braga Netto, por considerar não ter ficado demonstrada qualquer responsabilidade dele no episódio. Braga Netto não participou da reunião com os embaixadores. Naquela ocasião, ele não era mais ministro e ainda não tinha sido indicado o candidato a vice-presidente.

Benedito Gonçalves apresentou um voto de 380 páginas. Mas não o leu integralmente. Na sua explanação, pulou trechos, fixando-se nos pontos mais importantes. Para o ministro, o encontro de Bolsonaro com os embaixadores no Palácio da Alvorada não foi um episódio isolado. Mas algo que estava inserido em um contexto, pelo qual Bolsonaro, na sua concepção, pretendia colocar sob dúvida o sistema eleitoral brasileiro com o propósito de provocar uma ruptura institucional.

"A reunião do dia 18 de julho não é uma fotografia na parede, mas algo inserido em um contexto", disse o ministro. "É um caso paradigmático. Não há como dissociar os fatos do contexto em que aconteceram".

Francischini

Benedito Gonçalves lembrou que o próprio TSE já cassara antes o mandato do deputado Fernando Francischinni por ter disseminado informações falsas sobre o sistema eleitoral brasileiro. Haveria, assim, já um posicionamento anterior do tribunal na mesma linha.

Na mesma linha de argumentação de que a reunião com os embaixadores fazia parte de um contexto, ele adicionou a importância da chamada "minuta do golpe" encontrada na casa do ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal Anderson Torres. A minuta propunha a decretação de Estado de Defesa para promover uma intervenção no próprio TSE para rever o resultado eleitoral, caso ele viesse a ser desfavorável a Bolsonaro. "A minuta indica que estava sendo gestado um golpe do Estado", declarou o ministro.

Para Benedito Gonçalves, todo o processo, no qual ele também incluiu lives anteriores do ex-presidente, "tinha como estratégia induzir descrédito ao processo eleitoral".

Estrutura

Na avaliação do ministro, o episódio configura abuso de poder político. Houve o uso da estrutura governamental: o próprio Palácio da Alvorada e seus equipamentos. Bolsonaro também teria se valido da sua autoridade de chefe de Estado para a convocação dos embaixadores. E usou a TV Brasil, emissora pública da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), para transmitir ao vivo o evento. Na avaliação de Benedito, conseguiu, assim, adicionando-se aí o uso das suas redes sociais, ampliar o alcance do evento.

A reunião com os embaixadores, avaliou Benedito, seria uma reação a uma reunião informativa anterior que o TSE fizera com autoridades internacionais para explicar detalhes do pleito. Segundo Benedito, o ex-presidente, assim, teria tentado incutir, com sua autoridade, uma visão diversa, levantando dúvidas sobre o processo eleitoral. Inoculando, repetindo ele as palavras do ex-presidente do TSE Edson Fachin, "o vírus da desinformação".

"O primeiro investigado insistia em convencer que suas declarações deveriam ter mais crédito que as informações oficiais", disse Benedito. O ministro afirmou que, logo após a reunião com os embaixadores, o TSE desmentiu 20 das declarações feitas pelo ex-presidente aos embaixadores.

Forças Armadas

Segundo o ministro relator, as Forças Armadas "passaram a ocupar um papel central na estratégia". Segundo ele, Bolsonaro mencionou as Forças Armadas por 18 vezes na sua fala aos embaixadores. Para efeito de comparação, a palavra "democracia", segundo ele, teria sido usada somente quatro vezes. O ex-presidente reforçava seu papel de chefe supremo das Forças Armadas.

"Enquanto isso, um documento com o ministro da Justiça buscava argumentos jurídicos" para uma suposta intervenção no TSE. Um documento, na acepção de Benedito Gonçalves, "golpista em sua essência".

"Não restou dúvidas de que o primeiro investigado difundiu informações falsas sobre o sistema eleitoral. Transmitido ao vivo pela TV Brasil e pelas redes sociais, alcançando ampla repercussão", afirmou. Benedito chegou a mencionar que mais tarde o YouTube determinou a retirada do conteúdo da sua plataforma.

"Produziu-se uma severa desordem informacional sobre o sistema eletrônico de votação", asseverou. "O comportamento do primeiro investigado colide frontalmente com a adesão incondicional aos valores democráticos. Violou compromisso de zelar pela harmonia entre os poderes", considerou.

"[Teve o propósito de] Incutar um estado de paranoia coletiva diante do amontoado de informações distorcidas. wnista. Usar um evento oficial para fazer diversas manifestações inverídicas", enumerou.

Vista

Após o voto de Benedito Gonçalves, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, consultou o ministro Raul Araújo se ele gostaria de proferir seu voto ou se, diante da hora adiantada, preferia deixar para votar na próxima sessão, que está marcada para a quinta-feira (29), às 10h. Raul preferiu, então, votar na quinta.

Havia da parte de alguns aliados de Bolsonaro a expectativa de que Araújo pudesse já nesse momento pedir vista (mais tempo para analisar) adiando o final do julgamento. O ministro não agiu assim. Sua manifestação ao final deu a entender que ele deverá proferir seu voto na quinta-feira.

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