Por: Ana Paula Marques

Com voto de Weber, STF irá julgar a descriminalização do aborto

Antes de se aposentar, Rosa Weber impõe uma pauta progressista ao STF | Foto: José Cruz /Agência Brasil

Rosa Weber decidiu fazer de suas últimas semanas na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) um marco por posicionamentos mais progressistas na Corte. Na última sexta-feira (22), ela deixou seu voto a favor da ação que descriminaliza o aborto feito até a 12ª semana de gestação, voto chamado “histórico” pelo ministro Edson Fachin. Além dessa pauta, a ministra levou ao Supremo julgamentos significativos como o do Marco temporal das terras indígenas e dos réus acusados de participar dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro.

A ministra, que irá se aposentar nesta quinta-feira (28), votou ainda de madrugada na ação do Psol que tramita no Supremo desde 2017. O julgamento pelo plenário virtual foi a forma encontrada por Rosa Weber para se posicionar sobre o tema. Como tramita no plenário normal ainda o julgamento do Marco Temporal, que terá agora sessão para modular a decisão, a presidente do STF pautou a ação sobre o aborto para o virtual como forma de obter uma tramitação paralela. Pelas regras do plenário virtual, o primeiro voto, apresentado logo à meia-noite, é o do relator. Foi um jogo combinado com seu sucessor, que será Luís Roberto Barroso. Dessa forma, Rosa Weber garantiu que seu voto permaneça mesmo após a sua aposentadoria. Em 2021, uma alteração no regimento interno da Corte passou a permitir que votos proferidos em plenário virtual fiquem registrados mesmo se depois disso o julgamento seja reiniciado no plenário físico.

Logo após o voto de Weber, o próximo ministro a ser presidente da corte, Luís Roberto Barroso, pediu destaque, o que levou o caso para o plenário físico do Supremo.

No Brasil de hoje, o aborto é proibido de um modo geral. Mas pode ser realizado somente em três casos: quando não há outra forma de salvar a vida da gestante; se a gravidez é resultando de estupro ou se ficar constatado que o feto é anencéfalo.

“Voto Histórico”

Em seu voto, Rosa Weber destaca que a lei – o Código Penal de 1940 –, que trata o aborto como crime, foi feita na época em que as mulheres eram silenciadas.

“A questão da criminalização da decisão, portanto, da liberdade e da autonomia da mulher, em sua mais ampla expressão, pela interrupção da gravidez, perdura por mais de setenta anos em nosso país. À época, enquanto titular da sujeição da incidência da tutela penal, a face coercitiva e interventiva mais extrema do Estado, nós mulheres não tivemos como expressar nossa voz na arena democrática. Fomos silenciadas!”.

Além disso, a ministra esclarece que a pretensão com seu voto "é resolver a difícil questão de quando a vida começa”. Algo que, ela reconhece, “não pertence ao campo jurídico, tampouco a essa arena jurisdicional”.

A ministra também refuta a tese de que existe o direito absoluto à vida desde a concepção e deixa claro que “a esfera da moral privada não pode ser confundida com a esfera da moral pública, e principalmente com o espaço de atuação do Estado de Direito, na restrição dos direitos fundamentais".

A advogada e doutora em política pela Universidade de Brasília (UnB), Carolina Moraes, esclarece que é competência do Supremo julgar essa matéria, exatamente para abrir o debate público: “Essa ação faz parte do debate democrático e existem três poderes por essa razão”, disse.

Carolina Moraes também explica que a decisão da ministra também traz para o debate a questão da saúde pública. “ Ali, no voto, a ministra destaca a importância da educação sexual e o direito feminino pela autodeterminação como elemento estruturante da dignidade da mulher. Ou seja, é uma questão de garantir o direito à condição de cidadania plena, com igualdade de condições e respeito ", disse.

Judiciário x Legislativo

O empenho de Rosa Weber em trazer a julgamento pautas mais progressistas em questões de comportamento vem gerando um conflito entre o Supremo e o Congresso Nacional, de perfil mais conservador. Como uma espécie de reações, pautas conservadoras parecem surgir no Congresso, como a tentativa de voltar a proibir o casamento homoafetivo, reconhecido há 12 anos como união estável pelo STF. Na semana passada, o tema voltou à lista de projetos em análise na Câmara dos Deputados quando na Comissão de Previdência e Família da Câmara estava em votação o parecer do deputado Pastor Eurico (PL-PE) que proíbe o reconhecimento do casamento civil homoafetivo.

A votação foi adiada, após tumulto, e só será pautada depois da realização de uma audiência pública sobre o tema. Outro assunto que tem tomado protagonismo é a votação da descriminalização do porte da maconha para consumo próprio, que está sendo votada na Suprema Corte.

Carolina Moraes explica que, muitas vezes, interesses políticos são colocados em cima de questões que interferem diretamente na vida da população brasileira.

“É natural que exista um embate, porque, os dois poderes votam com sua convicção, o que é um processo natural democrático. O problema é não levar a questão para o debate público e levar em consideração somente as convicções morais, como os fundamentalistas que não são honestos sobre o nível de consequências fatais que pautas como a do aborto acarreta”, explica.

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