Brito, do marechal ao capitão

Considerado o melhor repórter fotográfico de política de todos os tempos, Orlando Brito deixou dois livros póstumos

Por Rudolfo Lago -BSB

Mestre do fotojornalismo político, Orlando Brito deixou dois livros inéditos

Com imensa simpatia, educação e elegância, que se somavam a uma extrema sensibilidade, Orlando Brito conseguia coisas impossíveis. Ele transportou, por exemplo, um piano de cauda para a pedra do Arpoador para que o maestro Tom Jobim se sentasse em frente a ele para uma linda foto que foi capa da revista Veja. Entrou ele próprio dentro de uma piscina para retratar o então presidente Fernando Collor em uma de suas poses atléticas. Teve o faro de registrar Dilma Rousseff pedalando (!) exatamente em frente a um Lava Jato (!). Ela, Dilma, que sofreu um processo de impeachment por pedaladas (!) fiscais e como consequências das investigações da Operação Lava Jato (!).

Vivo fosse, Orlando Brito teria completado 73 anos no último dia 8 de fevereiro. Dois quais, de maneira impressionante, quase 60 deles se deram atrás das lentes de câmeras fotográficas. Brito iniciou-se no fotojornalismo muito jovem. Aos 14, era já laboratorista no jornal Última Hora. Aos 17, cobrindo a ausência de um colega, tornou-se fotógrafo profissional. Filho de pioneiros que vieram tentar a sorte na construção da capital federal, a história de Brito mistura-se à de Brasília. Boa parte da sua trajetória relaciona-se ao acompanhamento das disputas de poder na Esplanada dos Ministérios. Disputas que ele conseguia reproduzir com rara genialidade em imagens que, usando o lugar comum, não raras vezes foram mais capazes de traduzir o momento que mil palavras. Vítima de um câncer, Brito partiu no dia 11 de março. Deixou um acervo de cerca de um milhão de fotografias. E dois livros inéditos, que sua filha, Carolina Brito, tenta agora publicar.

O primeiro desses livros narra a longa história política brasileira dos últimos 60 anos, que Brito registrou com rara beleza. As fotos que ilustram essa página, cedidas com exclusividade ao Correio da Manhã por Carolina Brito, são algumas das que estarão no livro. "Do Marechal ao Capitão, o Brasil de Castello Branco a Bolsonaro" narra, a partir do registro fotográfico, as histórias dos 13 presidentes (incluindo Tancredo Neves, que foi eleito, mas não tomou posse) que Brito acompanhou ao longo de sua carreira. Além de outros personagens e fatos que cercaram os tempos de tais presidentes.

Assim, os tempos de ditadura militar são resumidos pelo inusitado ângulo de uma foto no meio de uma multidão. Embaixo, pessoas do povo. Em cima de suas cabeças, como se pisassem nelas, as botas pretas de um soldado. Alguém ajusta na calva de Ulysses Guimarães uma viseira escrita "Diretas na Cabeça". Revela-se somente a silhueta de Lula, nítida somente a sua mão com quatro dedos, um deles tragicamente perdido em uma acidente em uma máquina quando era metalúrgico, mas que se torna uma forte marca característica.

Orlando Brito - Resumo da ditadura: as botas militares sobre a cabeça do povo

O país

Não há outro fotógrafo que tenha sua história profissional de tal forma relacionada à história política do país. Mas o trabalho de Brito não se resumiu a isso. "Meu pai foi o retratista do Brasil", diz Carolina. Não raro, as imagens retratadas por Brito não são das engravatadas autoridades em seus gabinetes refrigerados. São imagens do povo, aquele que é impactado e precisa viver a partir das decisões que tomam as autoridades engravatadas em seus gabinetes refrigerados.

Orlando Brito - Lula

O segundo livro inédito deixado por Brito vai nessa linha. O mineiro da cidade de Janaúba viajou pelo Brasil inteiro. E pelo mundo. Tanbém cobriu diversas Olimpíadas e Copas do Mundo. "Futebol do Brasil - Sonho e Realidade" faz uma mescla dessas experiências. Nas fotos, Brito reproduz em campos de várzea lances dos grandes craques que fotografou. Assim, se em uma foto Ronaldo Fenômeno arranca para o gol em velocidade, na foto seguinte um garoto faz o mesmo descalço em um campo de terra.

Orlando Brito - Fernando Collor

Acervo

Neste triste país que custa a reconhecer o valor de suas personalidades, é duro saber que Brito morreu em meio a grandes dificuldades financeiras. Vítima de maus empresários que ainda circulam impunemente pelas ruas do país. "Meu pai trabalhou até quando a saúde lhe permitiu", conta Carolina. Quando se descobriu doente, não tinha plano de saúde que o ajudasse no tratamento. Nos últimos tempos, no entanto, mesmo antes de descobrir a doença, já não exibia a mesma vitalidade. Um episódio ocorrido em um momento do governo Bolsonaro deixou-o muito desgostoso. Ao cobrir uma manifestação em frente ao Palácio do Planalto, ele e o fotógrafo Dida Sampaio foram agredidos por manifestantes. Foram xingados. Apanharam. Brito nunca mais se recuperou de ter sido chamado de "lixo". Ele, um dos maiores jornalistas do país, que cobriu o governo em regimes autoritários, nunca tinha apanhado assim. Mesmo que um dia depois o próprio Jair Bolsonaro o tenha chamado para um pedido pessoal de desculpas, o episódio resumo dos atuais tempos de intolerância o marcou até o fim da vida.

Orlando Brito - Dilma, Lava Jato e pedaladas

Marcou a ele e também a Dida Sampaio, o colega igualmente agredido. Aos 53 anos, Dida faleceu no dia 25 de fevereiro de 2022. Somente alguns dias depois, morria também Orlando Brito.

Única herdeira de Brito, Carolina agora luta para manter viva a memória de seu pai. Busca um destino digno para o milhão de fotos registradas por seu pai. E páginas nobres que registrem os trabalhos que ele deixou inéditos. Orlando Brito é história...

Orlando Brito - Ulysses e as Diiretas