Por: Rudolfo Lago -BSB

Esquerda e direita em disputa na Argentina

Pimenta comemorou a vitória de Sergio Massa | Foto: Redes sociais

Na década de 1980, uma propaganda de vodca mostrava no espelho um homem sem ressaca refletindo outro que tinha acabado de beber. O reflexo no espelho dizia ao outro: “Eu sou você amanhã”. Desde então, a propaganda tem sido usada por alguns analistas políticos para refletir as coincidências entre Brasil e Argentina. O que acontece em um país parece acontecer no outro depois. É o que foi batizado de “efeito Smirnoff”. Há alguns anos, o Brasil experimenta uma polarização entre esquerda e direita personificada nas figuras do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ex-presidente Jair Bolsonaro. Nestas eleições, a mesma polarização chegou à Argentina.

Com 91,34% das urnas apuradas por volta das 22h de domingo, o resultado das eleições argentinas indicava um segundo turno entre o candidato peronista de esquerda Sergio Massa, ministro da Fazenda do atual governo Alberto Fernández, do Union por La Patria, e o candidato de extrema-direita Javier Milei, do La Libertad Avanza. De acordo com as urnas apuradas, Massa tinha 36,33% dos votos, e Milei, 30,18%. Esse resultado indica um segundo turno entre os dois. A terceira colocada, Patricia Bullrich, candidata de centro-direita ligada ao ex-presidente Mauricio Macri, vinha em terceiro, com 23,82%.

O resultado do segundo turno é uma incógnita. Mas os analistas argentinos consideram que, dado o extremismo de Milei, a maior parte dos eleitores de Patricia Bulrich acabe migrando para Sergio Massa. Nas últimas semanas, as análises na Argentina eram de que as chances de Milei eram maiores caso ele vencesse no primeiro turno. Ele mesmo procurava reverberar isso mais cedo, quando votou na Universidade Tecnologica Nacional, no bairro de Almegro, em Buenos Aires. “Vamos resolver no primeiro turno, porra!”, disse o candidato.

Por volta das 22h, Patricia fez um pronunciamento no qual reconheceu sua derrota. “Não vivemos em um país normal. Vivemos nesta Argentina”, afirmou. E completou: “Não vamos ceder ao populismo”.

Confusão

A alta polarização acabou por gerar confusão em Buenos Aires. Milei votou cercado de militantes, em meio a bate-boca, palavras de ordem e até um coro de “Parabéns para Você” {Milei completou no dia da eleição 53 anos].

As emoções com relação a Javier Milei não são neutras. Entre outras promessas de campanha, Milei promete dolarizar a economia argentina, tirar seu país do Mercosul e romper relações comerciais com a China, hoje principal parceiro, e com o Brasil, o maior parceiro do continente. De extrema-direita, Milei não admite relações com países de esquerda, como Brasil e China. Promessas que geram preocupação no Brasil. Entre empresários da indústria, do agronegócio e dentro do governo. Mas também geram esperança para a direita brasileira.

Redenção

Para a direita brasileira, depois da derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro nas eleições do ano passado, seria a possibilidade de redenção dos grupos mais conservadores. Há quatro anos, quando Bolsonaro tornou-se presidente, a direita governava dez países no continente. Hoje, governo somente três: Paraguai, Uruguai e Equador. A direita brasileira avalia a chance de uma recuperação a partir da Argentina, especialmente se, no Estados Unidos, Donald Trump conseguir retornar nas eleições no ano que vem.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-RJ) viajou para a Argentina para acompanhar o pleito de perto. Ele foi acompanhar de perto a eleição de um candidato a deputado do mesmo partido de Milei, Nahuel Sotelo. “Acho que Milei ganha no primeiro turno”, previa Eduardo Bolsonaro mais cedo.

Preocupação

Da mesma forma, a esquerda brasileira acompanhou de perto as eleições. O PT e o Psol mandaram representantes à Argentina. Na quinta-feira (19), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já reconhecia a preocupação.

“É natural que eu esteja [preocupado]. Uma pessoa que tem como uma bandeira romper com o Brasil, uma relação construída ao longo de séculos, preocupa. Em geral, nas relações internacionais, você não ideologiza a relação”, disse Haddad.

Divulgado o resultado, logo políticos de esquerda começaram a repercutir o resultado. “Uma forte resposta do povo argentino nas urnas hoje”, comemorou o ministro da Secretaria de Comunicação, Paulo Pimenta. “Parabenizo o primeiro colocado na eleição desse domingo”. Em seu X (antigo Twitter, Pimenta publicou uma foto sua com Sergio Massa).

Rompimento

Independentemente das posições ideológicas, a possibilidade de rompimento da relação com a Argentina com uma vitória de Milei é a grande preocupação brasileira. A Argentina é o terceiro principal destino das exportações brasileiras. Em contrapartida, o Brasil é o maior importador de produtos argentinos. Em 2022, foram US$ 15,3 bilhões em exportações do Brasil para a Argentina, e US$ 13,1 bilhões de importações pelo Brasil de produtos argentinos.

A crise argentina, com uma inflação anual de 140%, já vinha afetando os resultados desse comércio entre os dois países, independentemente da escolha que foi feita nas eleições. Em dez anos, esse fluxo comercial experimentou uma queda de 15%. Uma eventual vitória de Milei, porém, transformaria a tendência de piora nessas relações em um fato consumado.

Um rompimento total impactaria principalmente alguns setores da economia tanto brasileira quanto argentina, como o agronegócio, a indústria têxtil e a indústria automotiva.

(Com Agência Folha)

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