Veto parcial do Marco Temporal desagrada ruralistas e ambientalistas

Ao Correio, especialista alerta para trecho que permite exploração de terceiros em terras indígenas

Por Gabriela Gallo

Lula com ministros após o veto parcial do Marco Temporal

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou parcialmente o Projeto de Lei nº 2903/2023 que implementava o Marco Temporal das terras indígenas, nesta sexta-feira (20). Ele vetou a base do projeto, que determinava que os povos indígenas teriam direito de ocupar apenas as terras em que já estavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Porém, o presidente sancionou alguns trechos que definem regras para as demarcações.

“Sobram alguns artigos que tem coerência com a tradição da política indigenista, desde a Constituição de 1988 e têm a constitucionalidade confirmada”, disse o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha.
Lula seguiu seu voto baseado na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que julgou o texto base como inconstitucional. Após divergências internas entre a ala ambiental e a ala política do governo, o presidente optou pelo veto parcial da medida após uma reunião com a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, Alexandre Padilha e o advogado Geral da União, Jorge Messias.

“Vamos dialogar e seguir trabalhando para que tenhamos, como temos hoje, segurança jurídica e também para termos respeito aos direitos dos povos originários”, escreveu o presidente em uma rede social.

Artigo “grave”

Ao Correio da Manhã, o advogado de causas indígenas e analista político Melillo Dinis chama a atenção para o artigo 26 do texto sancionado, que julgou como “grave”. O artigo determina que “é facultado o exercício de atividades econômicas em terras indígenas, desde que pela própria comunidade indígena, admitidas a cooperação e a contratação de terceiros não indígenas”.

Para Melillo, o “grave” é a admissão da possibilidade da entrada de terceiros nas áreas indígenas. “Rompe-se com o usufruto exclusivo dos povos indígenas (matéria constitucional), atende interesses de terceiros e promove a partir de agora o aumento da pressão e do assédio sobre as comunidades e lideranças indígenas por parte de terceiros interessados em "cooperação": extração de madeira, uso de áreas de pesca e caça, garimpo, plantio de commodities em terras indígenas, tudo sob o controle de terceiros”, destacou o analista político.

Ruralistas

Se ambientalistas como o advogado temem trechos mantidos, os ruralistas, que defendem a instalação do Marco Temporal, demonstram toda a sua insatisfação.

Como Lula vetou o texto base do projeto de lei, ele retorna agora para análise do Congresso Nacional nesta terça-feira (24). O Congresso pode manter ou derrubar os vetos feitos pelo presidente. Caso os congressistas optem por derrubar o veto, o trecho barrado pelo presidente passa a valer e se torna lei. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) adiantou que irá votar para derrubar o veto presidencial. Estão inscritos na Frente Parlamentar de Agricultura 374 parlamentares, sendo 324 deputados.

“Diante das decisões recentes responsáveis por estimular conflitos entre a população rural brasileira – indígenas ou não, em desrespeito à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal, a FPA não assistirá de braços cruzados a ineficiência do Estado Brasileiro em políticas públicas e normas que garantam a segurança jurídica e a paz no campo. Buscaremos a regulamentação de todas as questões que afetam esse direito no local adequado, no Congresso Nacional”, declarou a Frente da Agropecuária, por meio de nota.

Se o veto for derrubado e o texto mantido na lei, o destino do Marco Temporal será novamente o Supremo Tribunal Federal. Como o STF já julgou o texto inconstitucional uma vez, provavelmente, em caso de novo questionamento, tomará a mesma posição.

“A Lei entra em vigor. E, como já articulado pelos movimentos sociais e indígenas, haverá novos processos no STF”, adiantou Melillo Dinis.