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O Superclássico do Século

Maracanã recebe o maior clássico do futebol mundial, naquele que pode ser o último jogo de Lionel Messi no Brasil | Foto: Pedro Sobreiro

Por Pedro Sobreiro

O mundo inteiro vai parar às 21h30 desta terça-feira, 21 de novembro de 2023, para conferir o maior clássico do planeta jogado no maior palco da história do futebol. História. É isso que os mais de 70 mil torcedores que esgotaram os ingressos em poucas horas esperam presenciar no lendário Estádio Jornalista Mário Filho, o Maracanã. Não apenas por ser mais um Superclássico, mas porque ele traz um tempero a mais para todos os apaixonados por futebol: pode ser a última partida de Lionel Messi, com a Seleção da Argentina, no Brasil. Isso porque o camisa 10 albiceleste confirmou à imprensa que não pretende disputar a Copa do Mundo FIFA 2026, que será jogada no México, nos EUA e no Canadá. Ou seja, é provável que seja a última oportunidade para os fãs de 'La Pulga' de vê-lo de perto.

É uma situação tão única, daquelas que acontecem uma vez a cada século, que alguns torcedores brasileiros estão torcendo para que Messi marque pelo menos um gol, só para poderem contar aos netos que viram um dos maiores da história deixar sua marca no Maior do Mundo.

É o caso do professor Luciano Vaz, que vai sair do trabalho, em São João de Meriti, para ir correndo ao Maracanã. "Eu aproveitei essa oportunidade do jogo do Brasil para conseguir ver o Messi. Eu queria muito que o Brasil saísse vencedor por 2x1, com direito ao Messi deixando o golzinho dele", disse.

Já a jornalista Marcella Azevedo, que vem de São Paulo só para ver o jogo, é tão fã do Messi que já dá como certo o gol do argentino.

"Eu sou muito fã do Messi e sempre que possível vou aos jogos dele aqui no Brasil. Tenho pra mim que essa é a última vez que isso irá acontecer, até porque acredito que, em breve, ele aposenta da Seleção. Vai ser histórico estar presente no Maracanã para ver 'a despedida' do Messi no Brasil. Estou indo para ver o Messi jogar. Adoro a Seleção Brasileira, mas amo o Messi e ver um gol dele vai ser bem bacana. Eu até prefiro que a Argentina vença com um gol do Messi do que ver um 0x0 sem graça", afirmou.

Pelo lado brasileiro, a situação está longe da ideal. Sob comando do técnico interino Fernando Diniz, a Canarinho vive seu pior momento desde a segunda 'Era Dunga', quando correu sérios riscos de não se classificar para a Copa do Mundo FIFA 2018, na Rússia. Até o momento, foram cinco jogos e apenas duas vitórias. Um atropelo de 5x1 em cima da Bolívia, no Mangueirão, e um sofrido 1x0 ante o Peru, em Lima. Depois disso, em 12/10, um modorrento empate por 1x1 com a Venezuela, na Arena Pantanal, deu os primeiros sinais de crise. Com fraquíssimo desempenho ofensivo, o Brasil empatou pela segunda vez na história com os venezuelanos. Ao fim do jogo, sob vaias da torcida cuiabana, a cena que ficou para a campanha foi a de um torcedor arremessando um saquinho de pipocas em cima de Neymar Jr., camisa 10 da Seleção.

Na partida seguinte, em 17/10, a Seleção Brasileira foi ao Estádio Centenário, no Uruguai, para enfrentar os donos da casa. O jogo foi um desastre e nada funcionou para os brasileiros, que perderam por 2x0 para os uruguaios. O resultado deu fim a um tabu histórico. A Seleção Brasileira não perdia um jogo para o Uruguai há 22 anos. Na Eliminatórias, foi a primeira derrota em 8 anos. Para piorar as coisas, Neymar deixou o campo ainda no primeiro tempo com uma suposta torção no joelho. Com os exames feitos, foi constatada a ruptura do ligamento cruzado anterior e do menisco, fazendo com que o craque precisasse ser submetido a uma cirurgia que o deixará fora dos campos pelo menos até maio de 2024.

Sem Neymar Jr., o principal nome da Seleção Brasileira passou a ser Vinícius Jr., que caminha para adentrar na longa lista de ídolos do Real Madrid. Porém, na última quinta-feira (16), o calvário verde e amarelo ganhou mais um capítulo trágico. Em Barranquilla, a Colômbia conseguiu sua primeira vitória sobre o Brasil na história das Eliminatórias para a Copa do Mundo. E isso aconteceu da forma mais poética possível para os colombianos. Em noite endiabrada, o atacante Luis Diáz, do Liverpool, marcou os dois gols na reta final. Foi um dia dos sonhos para ele, que vivia um drama pessoal fortíssimo. O pai havia sido sequestrado pelo Exército de Libertação Nacional, em 28 de outubro. Após chamar atenção do mundo para o caso, em uma partida da Premier League, negociações foram abertas e o pai foi libertado em 9 de novembro. Assim, o dia do 2x1 contra o Brasil, em 16/11, foi a primeira vez que Diáz pôde rever seu pai.

Enquanto a Colômbia sonhou acordada, o pesadelo brasileiro só aumentou. Além da derrota, que empurrou a Canarinho para a quinta colocação das Eliminatórias, Vini Jr. deixou o campo ainda no primeiro tempo. Ele sofreu uma lesão muscular no bíceps femoral da perna esquerda, afetando também o tendão distal. Com o diagnóstico, a previsão de retorno do camisa 7 aos gramados é para fevereiro de 2024.

Agora, com esse histórico negativo recente e sem seus dois principais jogadores, a Seleção Brasileira se prepara para o jogo do século contra a Argentina, precisando vencer para evitar um novo vexame. O Brasil nunca perdeu três partidas seguidas pelas Eliminatórias, e só aumentaria ainda mais a crise se esse tabu caísse justamente diante da maior rival, em pleno Maracanã.

Como vem a Argentina?

Do outro lado, a Argentina vem sem pressão. É verdade que perdeu para o Uruguai na última quinta (16), mas foi apenas a primeira derrota da atual campeã mundial nestas Eliminatórias. São 12 pontos em cinco jogos, com a Albiceleste embalada por um Lionel Messi realizado. Campeão de tudo e mais um pouco, o Camisa 10, aos 36 anos, parece seguir em campo apenas para quebrar os recordes que restaram e conquistar os poucos títulos que ainda não ostenta em sua galeria.

Por isso, o jogo contra o Brasil no Maracanã carrega um aspecto pessoal que deve incomodar o argentino até os dias de hoje. Ao longo de sua carreira, Messi enfrentou o Brasil em 13 oportunidades. Em partidas oficiais, Messi perdeu para o Brasil quatro vezes, empatou duas e venceu apenas uma vez, mas essa vitória foi justamente no jogo mais importante: a final da Copa América 2021. Porém, 'La Pulga' nunca marcou um gol ou deu assistência nos jogos oficiais contra o Brasil. Em amistosos, a situação muda bastante. Nos jogos 'sem valor oficial', a Argentina de Messi venceu quatro vezes e perdeu duas, com o craque tendo marcado quatro gol, sendo três deles em uma única partida, em 2012.

Ou seja, com a marca negativa de nunca ter marcado um gol oficial contra o Brasil, Lionel Messi chega sedento ao Rio de Janeiro para tentar quebrar mais um tabu.

Messi e Maracanã, uma história de amor e ódio

Lar de craques históricos, o Maracanã já foi o maior estádio do mundo. Na época de sua inauguração, o 'Maraca' registrou públicos que nunca mais se repetirão. O jogo decisivo contra o Uruguai na Copa do Mundo de 1950 teve mais de 200 mil pessoas no estádio, o maior público da história do esporte. Nos anos seguintes, clássicos do Rio de Janeiro tiveram mais de 170 mil torcedores e jogadores como Pelé, Garrincha, Zico, Roberto Dinamite e Romário se consagraram diante de públicos lendários.

Títulos de Campeonato Estadual, Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil, Libertadores, Mundial, Copa América, Copa das Confederações, Olimpíadas, Jogos Pan-Americanos, e outra Copa do Mundo foram decididos em seu gramado, levando a imagem do estádio para o planeta e consolidando a imagem do Maracanã como o palco definitivo do futebol.

Jogadores de renome internacional, como Eusébio, Cruyff, Beckenbauer, Yashin, Puskás, Di Stéfano, Maradona, Platini, Bobby Charlton, Pirlo, Buffon, Iniesta, Suárez, Pogba, Schweinsteiger e muitos outros craques históricos desfilaram seu futebol desfilaram seu futebol pelo gramado do Maracanã. Mas talvez nenhum deles tenha uma história de tantos altos e baixos no estádio quanto o próprio Lionel Messi. Levado para Barcelona ainda criança, Messi passou boa parte da carreira sendo questionado pelo povo argentino por uma suposta falta de identificação do craque com seu povo. Para muitos torcedores, 'La Pulga' era muito mais espanhol que argentino. E ao chegar a sua primeira final de Copa do Mundo, em pleno Maracanã, na Copa de 2014, o garoto de Rosário viu naquele título a chance de se provar digno de seu próprio povo. Para sua infelicidade, o título não veio, deixando uma cicatriz no atleta e uma mágoa na torcida que quase o renegou.

Em 2017, durante entrevista para a FIFA, Messi definiu o torneio como um misto de emoções. "Não sei se as feridas da derrota na final vão curar um dia. Vamos ter que conviver com isso, [a dor] sempre estará ali. A Copa do Mundo é uma lembrança muito feliz, mas também amarga pelo jeito que terminou", disse.

Depois do vice no Mundial, a relação entre Messi e Argentina esfriou. Com mais duas derrotas nas finais das Copas América de 2015 e 2016, Lionel chegou ao quarto vice consecutivo com a Argentina e anunciou sua aposentadoria da Seleção. "A seleção acabou para mim. Não é para mim. Eu tentei, era o que eu mais desejava, e não deu", afirmou o craque após a derrota para o Chile na Copa América Centenário. A cena das lágrimas de Messi comoveram o povo argentino, que clamou por sua volta. E tal qual o salvador que tanto esperavam, Lionel Messi desistiu da aposentadoria um mês e meio depois. Dessa vez, nos braços do povo.

Apoiado pelos argentinos, Messi retornaria ao Maracanã cinco anos depois da Copa do Mundo, na Copa América 2019. O jogo foi tenebroso. Em plena tarde de sexta-feira (28/06), a Argentina venceu a Venezuela por 2x0 com péssima atuação de Messi. No entanto, essa partida foi uma virada de chave na imagem de Lionel Messi. Ainda questionado por alguns por ser 'mais espanhol que argentino', o camisa 10 começou a trabalhar sua "argentinidade" e pela primeira vez na carreira cantou o hino nacional da Argentina.

O jogador dizia que não cantava o hino propositalmente, porque não sentia o mesmo que seus companheiros. Porém, tudo mudou naquela sexta. A imagem de Messi enfim "se sentindo argentino" rodou o mundo e fez os torcedores albicelestes sonharem com o craque repetindo pela seleção o nível de suas atuações pelo Barcelona.

E depois de tantas decepções pela Argentina e um histórico complicado no Maracanã, o ano de 2021 reservou a Messi sua redenção no palco do maior trauma de sua carreira até então. Programada para acontecer na Argentina e na Colômbia, a Copa América 2021 precisou mudar de palco por conta do surto de Covid que tomou os países. Assim, o Brasil se ofereceu para sediar o torneio, que não teve público, com exceção da final, que contou com alguns poucos convidados das entidades e patrocinadoras oficiais.

Quis o destino que o palco da 'Tragédia de Messi' fosse também o primeiro passo rumo a sua maior glória. Na noite daquele sábado, 10/07, Neymar teve uma atuação de gala, mas não foi o bastante para impedir a vitória argentina. Com gol de Ángel Di María, a Argentina saiu de uma fila de 28 anos sem títulos, dando a Lionel Messiseu primeiro título oficial com sua Seleção. Mais do que isso, em meio a momentos conturbados, foi nesta Copa América que a Argentina se encaixou e passou a jogar por Messi. Adotando esse estilo de jogo que priorizava as características de jogo do craque, eles conquistaram também a Copa dos Campeões 2022, contra a Itália, e rumaram para a conquista do tricampeonato Mundial na Copa do Mundo FIFA 2022, no Qatar.

Agora, diferentemente das outras vezes, Messi retorna ao Maracanã mais argentino do que nunca. Ele deixou de lado aquele jeito caladão e está impetuoso. O camisa 10 agora briga, provoca e debocha, enquanto inferniza as zagas adversárias com seus dribles, lançamentos e arrancadas. Campeão de tudo e querendo derrubar esse tabu de nunca ter marcado um gol oficial contra a Seleção Brasileira, Messi vem ao Maior do Mundo como o maior Bicho-Papão do século XXI. Se esse jogo será ou não sua 'Last Dance' no Brasil, só o tempo dirá. Fato é que um estádio com tamanha vocação à grandeza se prepara para escrever mais um capítulo belíssimo da maior rivalidade do planeta.

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