Mesmo se Milei vencer, relações com o Brasil não devem ser cortadas
Para analistas políticos, caso o candidato da extrema direita ganhe as eleições, ele terá de fazer concessões para conseguir governar
Na noite deste domingo (19), as eleições presidenciais da Argentina chegam ao fim. Em uma eleição polarizada, os argentinos irão escolher entre o candidato oposicionista de extrema direita Javier Milei, da coalização La Libertad Avanza, e o candidato de centro-esquerda Sergio Massa, ministro da Economia, da coligação peronista União pela Pátria. As campanhas eleitorais terminaram na última quinta-feira (16). O resultado eleitoral segue incerto, especialmente porque as pesquisas eleitorais não permitem uma previsão segura, já que variam com o passar dos dias.
Na avaliação do pesquisador da Universidade de Helsinque, na Finlândia, Kleber Carrilho, “a tendência é que Massa tenha muitos votos em Buenos Aires, e que Milei continue sendo líder no interior do país”.
“Se não houver uma presença muito forte das pessoas que votaram na Patrícia [Bullrich, a terceira colocada das eleições], por insatisfação com qualquer um dos candidatos, a tendência é que o Sergio Massa ganhe. O que não deixa de ser estranho porque um ministro da Economia ganhar a eleição para presidente no desastre econômico que está a Argentina é, no mínimo, curioso. Com o Milei ou com o Massa, essa eleição vai entrar para a história”, ele disse ao Correio da Manhã.
Já a advogada especialista em Direito Internacional Público, Hanna Gomes, considera que Milei pode ter uma vantagem por representar uma novidade no mundo político argentino. “O candidato da extrema direita pode ter vantagem por não ser de carreira política e defender o nacionalismo e o patriotismo e, consequentemente, prometer o fortalecimento econômico interno. São elementos muito caraterísticos da cultura argentina, além de representar uma mudança de governo, considerando que o rival é atualmente um governista”, ela enfatizou.
Após ficar em terceiro lugar no primeiro turno com 23,83% dos votos, Patricia Bullrich declarou apoio ao candidato de extrema direita.
Concessões
Para a reportagem, Kleber Carrilho analisou que Javier Milei, aparenta se limitar somente a um “voto de protesto”.
“Se ele for eleito, a possibilidade de se estabilizar é muito pequena. O Congresso argentino é muito forte, e o Congresso argentino não tem o que a gente chama de ‘Centrão’, como há no Brasil. Então, a eleição do Milei pode ser uma eleição com um mandato razoavelmente curto, a não ser que ele faça concessões das suas posições mais radicais”, ponderou Carrilho.
Milei se declara como um anarcocapitalista, que é uma corrente do liberalismo que prega a eliminação total do Estado e a privatização total das relações econômicas no país. Dentre suas propostas econômicas, está a dolarização da moeda argentina. No último dia de campanha eleitoral, o ultraliberal divulgou em suas redes sociais uma campanha em que afirma que alguns setores do país não serão privatizados, como chegara a prometer.
“Durante todos esses meses, a classe política difundiu uma enorme quantidade de mentiras sobre nós. Não vamos privatizar a saúde, não vamos privatizar a educação, não vamos reformar o Incucai [Instituto Nacional Central Único Coordinador de Ablación e Implante, o sistema argentino de transplante de órgãos], não vamos privatizar o futebol, não vamos permitir o porte irrestrito de armas”, declarou Milei em sua campanha eleitoral.
Além disso, apesar de Milei defender a saída da Argentina do Mercosul por contrariedades com o presidente Lula (PT), nos bastidores a situação é outra. De acordo com o jornal O Globo, a equipe do economista entrou em contato com diplomatas brasileiros afirmando que a Argentina não deve deixar o Mercosul e o discurso se trata somente de uma estratégia de campanha.
Relação com Brasil?
Nas vésperas de segundo turno eleitoral, Milei e apoiadores vêm questionando a confiabilidade das urnas, apesar de não apresentarem provas até o momento. Na Argentina, as cédulas são de papel. Uma cartela com os nomes dos candidatos. Apesar das diferenças no sistema, a estratégia é semelhante à usada aqui por Jair Bolsonaro e nos Estados Unidos por Donald Trump.
“Ambos os candidatos apelam para a história e para os erros econômicos de governos passados para sustentarem seus argumentos e apontam promessas de difícil cumprimento para suas gestões”, pontuou a advogada Hanna Gomes.
No entanto, para Carrilho, “o contexto de formação do Bolsonaro é diferente do contexto de formação do Milei”.
“O Bolsonaro tem uma aproximação inicial de um grupo ligado ao pensamento econômico, especialmente para empresas e o agronegócio. O Milei é um ‘outsider [ou seja, um indivíduo que não pertence a um grupo determinado]”, afirma.
Além disso, ele destacou que não considera justa uma eventual comparação entre o atual cenário polarizado da Argentina com as eleições presidenciais de 2018 e 2022 no Brasil. “Os cenários são muito diferentes, as características dos candidatos e o cenário político argentino é muito diferente do Brasil. A Argentina não tende ao centro, o Brasil tende muito mais ao centro historicamente do que a Argentina. A polarização do Brasil é muito nova, enquanto na Argentina eles estão mais acostumados com isso”, enfatizou o cientista político.