Em sessão marcada por confronto entre manifestantes e a Polícia Militar, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou na noite desta quarta-feira (6) o texto-base da privatização da Sabesp (Companhia de Saneamento do Estado de São Paulo).
Foi uma vitória esmagadora do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Ao todo, mais de 62 de um total de 94 deputados votaram a favor do projeto do governo, mais do que a expectativa nos últimos dias do próprio Palácio dos Bandeirantes, que já falava em cerca de 50 nomes. Houve 1 voto não.
A oposição não participou da votação e deixou o plenário em protesto após a confusão com a PM e argumentou questões de saúde, uma vez que o plenário estava repleto de gases de efeito moral.
O texto aprovado autoriza o governo a diminuir sua participação na companhia, hoje em 50,3%, mas não define qual será a parcela estatal na companhia.
A gestão Tarcísio afirma que ficará com "algo entre 15% e 30%", mas a definição deve vir apenas na próxima fase de estudos, em janeiro portanto ainda é impossível estimar quanto o governo arrecadará com a venda.
Apesar da redução, o texto prevê que o governo manterá uma ação preferencial de natureza especial com poder de veto em algumas decisões do conselho da companhia. Trata-se da chamada "golden share".
Esses vetos poderão ser aplicados em deliberações relacionadas ao nome e à sede da empresa; a mudanças no objeto social da companhia que alterem a função de prestação de serviços de saneamento; e a limites ao direito ao voto de acionistas.
A lei aprovada estabelece ainda que 30% do dinheiro arrecadado com a venda das ações (que ainda não se sabe o valor) será usado para criar um novo fundo, o Fausp, de apoio à universalização do saneamento no estado, que será destinado a "proporcionar modicidade tarifária", ou seja, baixar o preço pago pela população pelos serviços de água e esgoto.
Essa redução da tarifa é a principal propaganda do governo para convencer a população da privatização. No entanto, a gestão Tarcísio não divulgou uma estimativa de quanto a tarifa poderá baixar se a empresa for desestatizada, ou subir caso permaneça estatal.
O governo paulista diz que a desestatização da Sabesp permite aumentar os investimentos da companhia em modernização, antecipar a universalização do acesso a água e esgoto de 2033 para 2029 e baratear a tarifa para o consumidor.
A gestão Tarcísio afirma que a privatização aumentará em R$ 10 bilhões o investimento disponível para a universalização, hoje previsto em R$ 56 bilhões até 2029.
Afetar serviços
A oposição diz que a privatização vai afetar os serviços de regiões que hoje não dão lucro, que o barateamento da tarifa dependerá de subsídio do governo e que a empresa pública também tem condições de antecipar a universalização do tratamento.
Outro argumento repetido pela oposição é que a Sabesp é hoje uma empresa superavitária, com gestão considerada eficiente. Só em 2022, a companhia registrou lucro líquido de R$ 3,12 bilhões.
Além disso, a maior parte da população seria contrária à venda. Pesquisa Datafolha de abril apontou que 53% dos moradores do estado de São Paulo são contrários à venda da empresa, enquanto 40% são favoráveis.
Aprovado o projeto, os deputados opositores devem continuar acionando a Justiça, tentativas que até agora não deram resultado.
Eles argumentam que a privatização não deveria ter ocorrido por projeto de lei ordinária, mas por proposta de emenda à Constituição do estado, que prevê, na interpretação deles, que a operação do saneamento seja estatal.
A Constituição diz, em seu artigo 216, que o estado "assegurará condições para a correta operação, necessária ampliação e eficiente administração dos serviços de saneamento básico prestados por concessionária sob seu controle acionário".
Para a base, isso não significa que a operação tem que ser estatal, apenas que as condições precisam ser garantidas. A Justiça até agora não acatou nenhuma das liminares apresentadas pela oposição.
A oposição critica também a tramitação, considerada acelerada, já que o governo apresentou o projeto de lei com urgência, o que permitia apenas 45 dias de discussão antes da chegada ao plenário.
Assim, comissões que deveriam debater a proposta individualmente foram unidas em um grande "congresso de comissões" e houve apenas uma audiência pública.
Deputados contrários chegaram a usar estratégias para atrasar a tramitação, como a leitura de um relatório de mais de mil páginas em uma dessas comissões, mas o projeto precisou avançar por ter sido enviado em caráter de urgência.
Agora, a discussão deve chegar aos legislativos municipais, onde encontrará mais resistência.
Na cidade de São Paulo, por exemplo, de onde vem cerca de metade do faturamento da Sabesp, os vereadores mesmo de partidos ligados à base de Tarcísio são mais resistentes à privatização.
Na capital, o atual convênio com a Sabesp foi celebrado em 2010 e prevê a exploração do serviço por 30 anos, prorrogáveis. O texto afirma, no entanto, que caso a companhia seja privatizada o acordo está rompido e deve ser renegociado.
Em agosto, porém, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) incluiu a cidade em uma das chamadas Unidades Regionais de Abastecimento de Água e Esgotamento (Uraes).
O governo pretende usar as Uraes para negociar contratos da Sabesp privatizada em bloco, não cidade a cidade, enfraquecendo o poder de barganha de cada município.
Os vereadores, no entanto, afirmam que, mesmo com a inclusão na Urae, o contrato precisará ser renegociado com a capital.
Outras cidades do interior também mostraram resistência à privatização. O prefeito de Botucatu, Mário Pardini (PSD), de partido da base do governador, chegou a participar da audiência pública na Alesp e discursar contra a privatização.
Por Thiago Amâncio e Thiago Bethônico (Folhapress)