Por: Gabriela Gallo

Além do preconceito, tratamento de HIV traz qualidade de vida

Diagnosticado há 14 anos, João Geraldo é um ativista entre portadores de HIV | Foto: Arquivo pessoal

Desde artistas como Cazuza e Freddie Mercury até filósofos como Michel Foucalt, a doença causada pela infecção do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), conhecido como Aids, matou diversas pessoas ao longo dos anos. Mas o pânico que era causado pela doença, em especial nos anos 1980, já não deve ser mais o mesmo, já que, com o avanço da medicina, a mortalidade não é mais tão alta. O boletim do Ministério da Saúde aponta que, de 2012 a 2022, foi registrada uma queda de 25,5% no coeficiente de mortalidade na doença no Brasil. O que não significa que a doença já não mais requeira cuidados. Durante todo o mês de dezembro, acontece o Dezembro Vermelho, uma campanha de conscientização para o tratamento precoce da Aids e de outras doenças sexualmente transmissíveis.

A doença

O HIV é uma doença retroviral que ataca o próprio organismo da pessoa infectada. Segundo o Ministério da Saúde, “o vírus ataca o sistema imunológico, que é o responsável por defender o organismo de doenças”. Dessa forma, “o sistema de defesa vai pouco a pouco perdendo a capacidade de responder adequadamente, tornando o corpo mais vulnerável”. Em outras palavras, quando a Aids não é bem tratada, o portador do vírus falece por outras doenças, vindas com o enfraquecimento do sistema imune da pessoa.

Ao Correio da Manhã, o médico infectologista e professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Rodrigo Molina, explicou que, uma vez infectada, o paciente começa a manifestar os primeiros sintomas em torno de 15 a 30 dias.

“A pessoa pode apresentar aumento dos gânglios, pode ter uma febre, dor no corpo, mal-estar, dor de cabeça, dor de garganta que se manifesta como uma virose geral. Às vezes, a pessoa não dá muita importância e aí os sintomas melhoram espontaneamente, e vai depender se ela vai progredir rápido avançado ou não. Nesse período, ela não vai ter nenhum sintoma, mas depois, quando o sistema imunológico estiver bem deprimido conforme a infecção aumentar, os sintomas irão aparecer”, explicou o infectologista.

A reportagem também conversou com o especialista em sexualidade e ativista pelos direitos das pessoas portadoras de HIV, João Geraldo Netto, que convive com o vírus há 14 anos. Ele contou que foi diagnosticado aos 26 anos de idade, mas se considera uma pessoa privilegiada, por não ter sentido muitos efeitos colaterais. “Eu era casado e a gente renovou o plano de saúde. Então, eu fiz uma bateria de exames para ingressar nesse novo plano. O médico pediu exames para HIV e deu positivo. Eu nunca usei drogas e era casado há cinco anos em um relacionamento fechado, então eu já deveria estar infectado há uns seis anos. Eu tive muita sorte de não morrer nesse período”, afirmou.

Tratamento

João Geraldo relatou que, na época em que foi diagnosticado, o procedimento padrão para o tratamento determinava que ele só poderia começar a tomar os medicamentos para o tratamento quando ele começasse a sentir os sintomas de outras doenças oriundas do HIV.

“Não adiantava você se descobrir com HIV e querer tomar o remédio. Não, você tinha que esperar adoecer. Era uma situação muito assustadora, angustiante. Eu me descobri com o HIV, a minha imunidade estava boa, a quantidade de vírus no meu sangue estava baixa. Então, eu tive que esperar. Imagina que você tem que esperar um câncer evoluir para você poder fazer um tratamento? Era assim”, ele contou à reportagem.

Quatro anos depois, o Ministério da Saúde mudou o protocolo de tratamento, levando em consideração que pessoas infectadas em tratamento tinham menos chances de propagar o vírus para eventuais companheiros. Ao longo do tratamento, João começou ingerindo uma ampla quantidade de medicamentos. “Eu já cheguei a tomar nove comprimidos do medicamento antiretroviral, porque havia uma série de efeitos colaterais”, relatou.

Mas, com os avanços da medicina, por volta de 2017 e 2018, chegaram novos medicamentos no Brasil com menos efeitos colaterais que os anteriores. “Uma das melhores coisas que a gente tem no tratamento do HIV hoje é o tratamento ser uma terapia dupla, sendo que antes era no mínimo tripla”, comemorou João. O que ele chama de “terapia dupla” é que agora ele só tem que tomar dois remédios.

Rodrigo Molina explica que “hoje a gente pode fazer tratamento com um único comprimido ou dois comprimidos por dia. Hoje, a gente já não usa o termo coquetel [quando são diversos remédios], a gente fala somente dos antirretrovirais”.

De acordo com o Boletim Epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, do Ministério da Saúde, “o acesso ao tratamento com antirretrovirais tem contribuído para a redução da mortalidade”.

Prevenção

A principal forma de prevenção para a Aids conhecida é o uso de preservativos, como a camisinha. Mas o infectologista e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, Rodrigo Molina, menciona outras formas.

“Nós dispomos também da PREP, que é a Profilaxia Pré-Exposição. A pessoa vai tomar uma medicação que é extremamente efetiva e caso ela tenha uma relação sexual com alguém que tenha HIV, ela estará protegida. Mas o ideal é que sempre haja profilaxia combinada? Que a pessoa use mais de um método pra se prevenir”, contou à reportagem.

Ele também enfatizou que as pessoas infectadas que realizam o tratamento normalmente e estão indetectáveis quebram a cadeia de transmissão do vírus. “Dá para a pessoa que está tomando [os medicamentos] ter uma qualidade de vida muito boa igual à de quem não tem HIV. Inclusive a expectativa de vida equivale à das pessoas que não tem HIV”, completou o profissional de saúde.

Preconceito

Na década de 1980, o surto do vírus HIV criou um estigma de que Aids era uma “doença de homossexuais”, o que sabemos que não é verdade. Mas apesar de vários anos terem se passado, o preconceito segue até na comunidade cientifica. Em 2022, ano do surto da doença Monkeypox (uma doença sexualmente transmissível conhecida como “varíola dos macacos”), o diretor da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom, orientou que homens que se relacionavam com outros homens reduzissem o número de parceiros sexuais.

A fala não foi bem interpretada, visto que a Monkeypox, apesar de na época apresentar uma concentração na população masculina, também pode ser transmitida para mulheres. A crítica era a possibilidade de criar uma nova narrativa, semelhante à que houve no caso da Aids.

Questionado pela reportagem, João Geraldo contou que já foi verbalmente atacado na internet. Na época, ele denunciou uma igreja que cobrava votos a um determinado candidato durante o culto, o que é proibido. Após a denúncia, ele foi insultado de diversas formas.

“Eles disseram que eu era ‘aquela bichinha que tinha o bicho da goiaba’. Falaram que eu era um menino podre, em sequência o comentário do bicho da goiaba”, ele relatou.

“De início, a Aids ocorreu mesmo numa parcela da população de homens que faziam sexo com homens, mas ao longo dos anos ela foi modificando. No início, a gente tinha quatorze homens para uma mulher infectado, mas depois atingimos dois homens para uma mulher. Hoje, não falamos mais em grupo de risco, falamos que algumas situações aumentam o risco para ter Aids”, informa o infectologista Rodrigo Molina.

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