Por: Gabriela Gallo

Sequelas de atos antidemocráticos de 8 de janeiro seguem até hoje

Para STF, Polícia Militar foi omissa no 8 de janeiro | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O dia 8 de janeiro de 2023 ficará marcado na memória da política brasileira. Era um domingo de céu limpo na capital federal, ótimo para passeios ao ar livre. Por volta das 14h30, a Esplanada dos Ministérios foi invadida por uma multidão de pessoas vestidas de verde e amarelo. Essas pessoas manifestavam-se contra a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e eram defensores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Infelizmente, boa parte deles foi com um objetivo em mente, que foi concluído: quebrar tudo o que visse pela frente que simbolizasse os Três Poderes da República e a política.

Além dos inúmeros danos materiais pelos vidros quebrados, obras de artes destroçadas, áreas depredadas e toda a bagunça que ficou, a democracia ficou ferida. O presidente Lula decretou uma intervenção federal na mesma noite, que durou até o dia 31 de dezembro. Apesar de notória a polarização do país, não era esperado que os insatisfeitos com o resultado eleitoral iriam, de fato, atacar as sedes dos Três Poderes da República.

Ao Correio da Manhã, o historiador e docente no departamento de História da Universidade de Brasília (UnB) Daniel Faria explicou que “há uma tese, ou mesmo uma teoria conspiratória, de que toda a máquina do Estado foi colonizada pela esquerda desde os anos 1980”.

“A ideia de que a educação, a cultura e todo o sistema jurídico com a redemocratização foi alvo de ‘infiltrações’. O ataque às sedes dos Poderes revela isso. Pelo menos nos próximos anos, parte importante da política brasileira vai girar em torno da manutenção ou não das instituições do Estado e de alguns princípios que se tornaram basilares dos anos 1980 para cá”, afirmou.

CPIs

Os ataques trouxeram repercussões que duraram o ano inteiro. Em fevereiro a Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar todo os atos antidemocráticos cometidos no DF antes do 8 de janeiro. Em abril, o Congresso instaurou a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), que envolvia senadores e deputados, para investigar os ataques aos três poderes.

Após seis meses de sessões marcadas por bate-boca entre parlamentares da oposição e da base governista, a Comissão aprovou o relatório final da senadora Eliziane Gama (PSD-MA). O relatório solicitou o indiciamento de 61 pessoas por crimes como associação criminosa, violência política, abolição do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

Dentre os pedidos de indiciamento estão o ex-presidente Jair Bolsonaro, o ex-ministro da Defesa Walter Braga Neto, o ex-secretário de Segurança Pública do DF Anderson Torres, além de integrantes do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e membros da Polícia Militar do DF e empresários acusados de financiar manifestantes contrários ao resultado das eleições de 2022.

Na mesma linha, a CPI da CLDF aprovou o relatório do deputado distrital Hermeto (MDB) que indiciou 136 pessoas pelos atos de 8 de janeiro e ataques à sede da Polícia Federal em Brasília no dia da diplomação de Lula como presidente eleito, ainda no dia 12 de dezembro do ano passado. Os indiciados eram agentes da alta cúpula da PMDF e o ex-secretário-executivo da Secretaria de Segurança Pública Fernando de Souza Oliveira, que estava no dia dos ataques. Porém, a vomissão acatou, de última hora, o protocolo que solicitava a retirada do nome do ex-ministro Chefe do GSI general Gonçalves Dias.

STF

Em 14 de setembro, outro marco para a repercussão dos casos. Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) julgaram os três primeiros réus dos atos antidemocráticos, indiciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Em uma sessão presencial, tendo como relator o ministro Alexandre de Moraes, a Corte condenou os réus Aécio Lúcio Costa Pereira e Matheus Lima de Carvalho Lázaro a 17 anos de prisão e Thiago de Assis Mathar a 14 anos.

O julgamento foi polêmico já que, no campo jurídico, a atuação do Supremo foi criticada por advogados juristas que afirmaram que condutas e regras para a determinação da prisão dos réus estavam sendo desrespeitadas. A reportagem conversou com o advogado criminalista Luiz Antônio Calháo, que explicou que, em um processo criminal, “qualquer denúncia só pode ser feita se houver detalhamento e individualização da conduta”.

“Em outras palavras, uma pessoa só pode ser processada criminalmente se a conduta que ele possivelmente cometeu estiver detalhada e individualizada. O processo precisa explicar, detalhadamente, quais os crimes que cada cidadão cometeu. Nos casos do dia 8 de janeiro, as acusações são genéricas e coletivas, ou seja, em total afronta à Lei processual penal”, declarou.

Segundo o advogado criminalista, “o Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui uma norma interna que diz que os crimes cometidos dentro serão julgados pelo STF”. Com isso, as pessoas que foram flagradas por câmeras de segurança e vídeos em redes sociais depredando o Supremo devem ser julgadas pelos ministros.

“No entanto, muitos presos sequer entraram no Supremo. Eles foram presos no dia seguinte, em frente ao quartel-general. Por isso, em tese, não caberia ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar esses casos, mas sim ao TRF [Tribunal Regional Federal], quanto aos crimes federais e ao Tribunal de Justiça quanto aos demais crimes. O andamento desses processos, da forma como tem ocorrido, pode gerar discussões futuras sobre a validade jurídica deles, buscando até mesmo a nulidade de algumas condenações”, alertou o advogado.

Clesão

No dia 20 de novembro Cleriston Pereira da Cunha, conhecido como Clesão, que estava preso preventivamente por atuação no dia 8 de janeiro, morreu no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, devido a um “mal súbito”. O advogado dele havia solicitado que a prisão preventiva fosse convertida em prisão domiciliar, já que Cunha tinha a saúde debilitada por sequelas da covid-19.

O pedido chegou a ser aceito pela PGR em setembro, mas Moraes não analisou o pedido de soltura a tempo. Dois dias depois da morte de Cunha, o ministro relator liberou sete réus que tinham pedidos de soltura aprovados pela PGR. Em 18 de dezembro, ele concedeu liberdade para outros 46 réus.

O caso gerou diversas críticas contra a atuação do STF na condução dos réus. Pouco após o caso, o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) conseguiu juntar 171 assinaturas de deputados federais, o suficiente para abrir uma CPI para investigar supostos abusos de autoridade dos ministros do STF. A previsão é que a Comissão seja instalada na Câmara no início de 2024.

Ciclo

Uma pesquisa Datafolha revelou que 75% dos brasileiros são contrários aos atos antidemocráticos realizados no país e 56% consideram que devem ser implementadas punições para aqueles que pedem intervenção militar nos protestos. Metade dos eleitores de Bolsonaro se dizem contrários aos atos, 96% dos eleitores de Lula também e 90% dos eleitores que votaram branco ou nulo são contra os ataques.
Porém, mesmo com a pesquisa, o historiador Daniel Faria não descarta que o episódio de 8 de janeiro possam se repetir. “Nos próximos anos, teremos que lidar ainda com essa presença de uma política que pode ser chamada, com todo o cuidado conceitual, de fascista”, disse.

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