Por: Rudolfo Lago

2023: o ano em que os poderes se engalfinharam

Os presidentes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da República continuarão brigando? | Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Morto no dia 20 de novembro na Penitenciária da Papuda, em Brasília, o empresário Clériston da Cunha, conhecido como Clesão, acabou se tornando para a oposição um símbolo de que o poder Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF), vem extrapolando de seus poderes e cometendo abusos. Clériston acabou sendo a justificativa principal para o deputado Marcel Van Hatten (Novo-RS) conseguir, nove dias depois, em 29 de novembro, 171 assinaturas de apoio para que a Câmara dos Deputados instalasse uma CPI para investigar eventuais abusos do Judiciário.

Apesar de ter obtido as assinaturas, a CPI pedida por Van Hatten ficará para o ano que vem. “Como é o segundo ano da mesma legislatura, a CPI pedida em um ano pode acontecer no ano seguinte”, explicou o deputado ao Correio da Manhã. “Muito provavelmente, ela será lida pelo presidente da Câmara [Arthur Lira, do PP de Alagoas] logo depois do recesso em fevereiro e instalada”, confia Van Hatten. “Nós esperamos com as investigações comprovar os abusos de autoridade do STF. Dar voz às pessoas que foram perseguidas, que não tiveram essa oportunidade. E especialmente reequilibrar os poderes da República”.

Mais poderoso

Na avaliação de Van Hatten, tornou-se “bastante objetivo” que o Judiciário, a partir do STF, é hoje o poder mais forte da República. “Quando os poderes deveriam ser equilibrados”, observa o deputado gaúcho. “Autoritário, persegue pessoas, legisla em vários momentos. Tudo isso coloca em risco as instituições e o Estado Democrático de Direito”.

Analista político e advogado com atuação na Corte, Melillo Dinis acaba por concordar que, de alguma forma, o Judiciário, pelo STF, encontra-se hoje numa situação de aparente maior poder que os demais. Mas observa que isso, em muitos casos, acontece pela própria ação ou inação dos demais poderes.

“É preciso sempre lembrar que o Judiciário não age de ofício. Ele só age provocado”, lembra Melillo. “E agora mesmo nós vimos o governo abrir mão, na negociação com o Congresso, dos vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos projetos da desoneração da folha e do Marco Temporal de terras indígenas porque espera que mais tarde o STF resolva que eles são inconstitucionais”. Nos acordos feitos nas últimas semanas, o governo acabou cedendo a derrubada dos vetos nesses temas pelo Congresso em parte porque avalia que irão para análise do Supremo que vai considerá-los inconstitucionais.

Em diversos outros momentos ao longo dos últimos anos, esse tipo de decisão final da mesma forma foi movida por partidos e políticos que compõem o Congresso. “Ou seja, foi a própria demanda do Executivo e do Legislativo ao judicializar questões políticas que aumentou o poder do Supremo. E poder não se recusa”, avalia Melillo.

Reequilíbrio

Para Melillo, o país observa agora, na verdade, um “reequilíbrio” entre os poderes. O pacto entre os poderes que havia desde a redemocratização do país, com a Nova República, teria se rompido durante o governo Jair Bolsonaro.

Por um lado, na avaliação de Melillo, o STF viu-se instado a agir para evitar eventuais arroubos autoritários. Por outro, Bolsonaro também abriu mão de poderes para o Congresso, especialmente com relação às questões orçamentárias. Isso diminuiu o Executivo e aumentou a força dos demais poderes, especialmente do Judiciário.

Autoritarismo

Então, ainda na avaliação de Melillo, há sempre o risco de a autoridade virar autoritarismo. “Por mais carinho que eu tenha pelo Judiciário, onde atuo, é inegável que ele tem o pendor de ser o poder mais autoritário. Porque é o que tem mais autoridade, e a autoridade às vezes se traveste de autoritarismo”.

“Essa, porém, não é uma questão simples, mas muito complexa, porque são os vários os fatores que perpassam”, observa o analista político e advogado. “Por outro lado, é inegável o papel que o STF teve como muro de contenção de arroubos autoritários. Mas transformar um muro de contenção em um alicerce da democracia é também tarefa complexa”.

Extrapolação

“O que extrapolou foi essa loucura de alguns quase nos devolverem para o arbítrio”, considera o advogado e ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Joelson Dias. Nesse sentido, para ele, o STF exerceu papel importante de contenção.

Mas Joelson concorda. Algumas situações merecem reflexão. Ao longo dos últimos tempos, no processo em que o STF buscou coibir atos de corrupção, teria, na sua avaliação, emergido certa ideia de que os fins justificam os meios levando ao cometimento de excessos. “Socialmente falando, a ideia de que os fins justificam os meios parece ter levado a excessos e a essa polarização política. De que até o arbítrio se justificaria nesse combate à corrupção”.

Para Van Hatten, a CPI proposta poderá servir para trazer de volta esse reequilíbrio. “Poderes desequilibrados não auxiliam a democracia”, conclui o deputado.

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