Por: Rudolfo Lago

A briga entre direita e esquerda é o novo normal do mundo?

Separação da esquerda e direita no impeachment de Dilma | Foto: Juca Varella/Agência Brasil

Se Donald Trump vencer as eleições nos Estados Unidos em novembro de 2024, uma regra não escrita da política norte-americana estará sendo quebrada. Desde que a 22ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos foi aprovada em 1951, reduzindo a possibilidade de reeleição de um presidente a dois mandatos sucessivos, nenhum outro presidente tinha concorrido a um novo mandato depois de derrotado. Reelegendo-se ou não, todos deixaram a disputa presidencial depois de seus mandatos.

Obter legitimação popular para quebrar regras é uma das características de movimentos extremos, à esquerda ou à direita, como explicam Steven Levitsky e Daniel Ziblatt no seu livro “Como as Democracias Morrem”. Para minar a democracia por dentro e estabelecer governos mais autoritários, políticos com essas características buscam o apoio popular para mudar leis e regras e impor seu poder. Foi assim que, à esquerda, Hugo Chávez e Nicolás Maduro se perpetuaram na Venezuela. No caso de Trump, quebrar uma regra que é somente fruto de certo acordo político, que não está explícita nem claramente proibida, fica mais fácil.

Pesquisa realizada em novembro de 2023, a um ano das eleições, pelo jornal New York Times e pela Universidade Siena mostrava Donald Trump à frente do atual presidente democrata Joe Biden, que tentará a reeleição, em cinco dos seis estados considerados mais decisivos. Nos Estados Unidos, a eleição não é direta como no Brasil. Os presidentes são escolhidos por um colégio eleitoral com seus integrantes selecionados pelos eleitores de cada estado. As regras da eleição são diferentes estado a estado.

A pesquisa mostrava Trump à frente de Biden em Nevada, Arizona, Michigan e Pensilvânia. Desses estados considerados decisivos, Biden aparece na frente somente em Wisconsin. Na média, Trump bate Biden por 48% a 44%.

Olhos do mundo

A eleição nos Estados Unidos é observada pelo mundo. Um possível retorno de Trump reacende as chances da direita em outros países. Seria o ápice de uma nova onda que vinha se verificando com as vitórias de Javier Milei na Argentina em novembro de 2023 ou da primeira-ministra Georgia Meloni na Itália em outubro de 2022.

No Brasil, esses planos são capitaneados especialmente pelo PL. O partido presidido por Valdemar Costa Neto e filiação do ex-presidente Jair Bolsonaro desde o final de 2021 puxa os projetos da direita brasileira. O PL planeja eleger mil prefeitos nas eleições de 2024. Se conseguir, será um saldo dos mais significativos. O partido mais que dobrará seu número de prefeitos. O PL elegeu em 2020 348 prefeitos. Com mudanças de partidos, ampliou-se em 2023 para 371 prefeitos. Nenhum partido hoje no Brasil tem mil prefeitos. A legenda que tem mais é o PSD, com 968.

Esquerda

É a tentativa de uma nova onda como a verificada quando Bolsonaro foi eleito presidente em 2018, que foi contida com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil em 2022 e também de outros governantes de esquerda pelo mundo.

Na América Latina, por exemplo, além de Milei na Argentina, a direita governa apenas o Uruguai (com Luis Alberto Lacalle Pou), o Paraguai (com Santiago Peña), o Equador (com Daniel Noboa) e a Guatemala (com Alejandro Giammatei). Ao lado de Lula, governantes de esquerda assumiram, por exemplo, países como o Chile (Gabriel Boric), o Peru (Pedro Castillo) e a Colômbia (Gustavo Petro).

Embate

Há, assim, uma expectativa de que esse embate se torne mais agudo em 2024. Algo que vai completamente na contramão da teoria lançada em 1989 pelo cientista político e economista norte-americano Francis Fukuyama. Na ocasião, analisando fatos como o fim da União Soviética e a queda do Muro de Berlim, Fukuyama propôs o que batizou de “O fim da história”, que seria também o fim das ideologias. Uma nova era mais dominada pelo centro.

Nada menos preciso para identificar a segunda década do século 21 até agora. Se a história for, como pensava Fukuyama, o embate ideológico, ele está presente como nunca na política do mundo. O cientista político André Cesar, da Hold Assessoria, observa que a preferência por posições mais extremadas vem se verificando em vários países.

A polarização que se verifica no Brasil pelo menos desde as eleições de 2018 permanece e não tende a arrefecer. É um fenômeno que alguns cientistas políticas já batizam de “calcificação” política. O termo foi cunhado nos Estados Unidos para explicar Donald Trump e é agora usado no Brasil pelo cientista político Felipe Nunes, que preside o Instituto Quaest, e o jornalista Thomas Traumann no livro “Biografia do Abismo”, que trata da polarização política brasileira.

No livro, os dois autores mostram como a divergência política dividiu famílias e transformou antigos amigos em inimigos. Um fenômeno que tende a permanecer pela disposição dos eleitores brasileiros. Pesquisa recente da Quaest mostra, por exemplo, que 75% dos brasileiros não se arrependem de ter brigado com amigos ou familiares por questões políticas. Mais ainda: 88% dizem não se arrepender do voto que deram nas eleições de 2022, quando Lula venceu Bolsonaro por uma diferença de pouco mais de 1%.

Se o centro significa maior equilíbrio e convergência, não deverá ser isso o que se verificará no mundo, pelo menos mais proximamente. Os extremos continuarão brigando. Esse parece ser o novo normal.

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