Por: Ana Paula Marques

Repasse de R$ 55 milhões para Cabo Frio ficou sem respostas

Ministra Nisia Trindade com a prefeita de Cabo Frio, Magdala Furtado | Foto: Reprodução/Instagram

O que Cabo Frio tem de especial para receber quase a metade dos recursos da portaria GM/MS nº 2.169 do Ministério da Saúde, destinada a repasses para as áreas de média e alta complexidade de 14 municípios, além de ser a cidade na qual Márcio Lima Sampaio, filho da ministra da Saúde, Nísia Trindade, é secretário de Cultura? Após a publicação dessa informação pelo Correio da Manhã na coluna Claudio Magnavita na edição de quarta-feira (9), essa pergunta permanece sem resposta. A pasta, respondeu ao Correio com o envio de duas notas separadas por 26 minutos uma da outra, sem, porém, justificativas técnicas sobre a destinação dos recursos.

No dia 5 de dezembro de 2013, a portaria destinou R$ 103 milhões de recursos para 14 municípios. Desse total, R$ 55 milhões foram repassados somente para a prefeitura de Cabo Frio. Um mês antes de Márcio Lima Sampaio, filho de Nísia, assumiu a Secretaria de Cultura do município no dia 5 de janeiro.

Às 12h13, uma primeira nota foi enviada pelo ministério sem sequer mencionar ou dar qualquer justificativa sobre os repasses. A nota falava apenas da nomeação de Márcio para a secretaria. Dizia que a ministra não tinha relação com a nomeação de seu filho para o cargo. Porém, como destaque, expressava seu orgulho de mãe com a nomeação.

“Não tive nenhuma relação com o convite feito pela prefeita Magdala Furtado, de Cabo Frio, ao meu filho Márcio Sampaio. Nesta oportunidade aproveito para, na condição de mãe, falar da minha satisfação ao ser comunicada pelo meu filho desse convite e de sua aceitação”, continuou “tenho dois filhos, André e Márcio, que abraçaram o campo das artes e das políticas culturais. Márcio, além de músico reconhecido, é graduado em ciências sociais e políticas culturais. Estou certa de que será uma excelente experiência para ele e também para a gestão cultural da cidade”, dizia a primeira nota.

Nova nota

Após 26 minutos, outra declaração foi enviada, afirmando que essa seria a “nota oficial”. chegou a reportagem. Nessa, o Ministério afirma que as demandas atendidas, têm origem em solicitações da gestão anterior do município e se enquadram nos critérios estabelecidos “para a recuperação de ações e serviço de saúde no território”.

De acordo com a pasta, esse tipo de repasse ocorreu em todo o país sem distinção e que em 2023 foi a Lei complementar nº 201, que acresceu ao orçamento da Saúde R$ 4,3 bilhões para serem repassados a estados e municípios. “Ao longo de 2023, já foram incorporados quase R$ 8 bilhões aos repasses regulares do Ministério a estados e municípios para a média e alta complexidade na saúde, chegando a R$ 61 bilhões no total”, declarou.

O Ministério rebateu as informações: “Reiteramos que a afirmação falaciosa, que buscou vincular a nomeação do atual Secretário de Cultura do município com o repasse de recursos para assistência à saúde, não tem qualquer fundamento, e não encontra paralelo com a condução ética e transparente da atual gestão deste Ministério”, disse em nota.

O Correio, então, enviou novos questionamentos ao ministério. Quais as justificativas técnicas, então, para o repasse. Algum outro município brasileiro teria recebido montante semelhante a Cabo Frio? Por que outros municípios com situação de saúde mais precária, como São Gonçalo, por exemplo, não receberam repasses semelhantes? Se os pleitos foram de gestões anteriores, quem os pediu? Há protocolos sobre isso? A resposta a essas e outras perguntas feitas foi somente o reenvio da mesma nota.

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Na portaria GM/MS nº 2.169 do Ministério da Saúde é possível ver os repasses por município | Foto: Diário Oficial da União

O secretário

Márcio Lima Sampaio é guitarrista em uma banda de reggae chamada Ponto de Equilíbrio. Ele foi escolhido como secretário pela prefeita Magdala Furtado, que é filiada ao PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro. Uma das canções da banda critica duramente Bolsonaro, classificando a sua gestão de “Governo Fascista”, o título da canção.

As críticas devem ter ficado para trás, já que, em nota, a Prefeitura de Cabo Frio informou que Márcio Sampaio foi escolhido para o cargo de secretário municipal de Cultura por ser “uma pessoa qualificada, jovem e envolvida com a classe cultural. A escolha para o cargo não teve influência nem indicação da ministra da Saúde”.

A prefeitura de Cabo Frio também foi questionada pelo Correio da Manhã. Que perguntou qual era o envolvimento anterior de Márcio Sampaio com a cidade. Se ele residia em Cabo Frio e outras perguntas. Nada foi respondido além do envio da nota.

O repasse para Cabo Frio foi feito no ano passado depois que uma comitiva do município, incluindo a prefeita, esteve no gabinete de Nísia Trindade no início de dezembro em 2023. Na ocasião, a prefeitura divulgou em seu site oficial uma notícia que comemorava a visita e a publicação da portaria. “A portaria foi disponibilizada graças à soma das forças municipais com a ministra da Saúde, Nísia Trindade Lima, que recebeu a prefeita Magdala Furtado e os cabo-frienses de braços abertos, disposta a ajudar a gestão municipal”.

Repercussão

A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) publicou no “X” antigo twitter, que irá preparar um requerimento de informações ao Ministério da Saúde pedindo explicações. “A chefe da Pasta tem muito o que explicar. Lembrando que já pedimos a convocação da ministra para falar sobre a situação dos Yanomami. Meus colegas parlamentares precisam aprovar com urgência essa proposição”, descreveu.

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Damares Alves, ao repostar a manchete, afirmou que preparava requerimento ao Ministério | Foto: Reprodução/X

O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), também usou suas redes sociais para se manifestar sobe caso. “Esse valor equivale a um ano de repasses, pago de uma só vez e sem emenda parlamentar, por decisão exclusiva do Ministério da Saúde. O que falta pra essa incompetente e sem caráter cair?”, questionou o deputado. O ex-presidente Jair Bolsonaro também compartilhou a reportagem.

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Matéria também foi compartilhada pelo deputado federal Nikolas Ferreira | Foto: Reprodução/X

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Ex-presidente Jair Bolsonaro repostou a reportagem em seu perfil no Instagram | Foto: Reprodução/Instagram

Queiroga

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Denúncia feita pela coluna Magnavita, sobre o caso envolvendo o ex-ministro, publicada na edição do jornal Correio da Manhã do dia 17 de agosto de 2022 | Foto: Reprodução/CM
 

O caso tem semelhança com outro denunciado pelo Correio da Manhã no governo anterior. Conforme também noticiou a coluna Magnavita, na ocasião o então ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, triplicou repasses para a região do Cariri, na Paraíba no mesmo momento em que seu filho, Antônio Cristovão Neto, era lançado candidato a deputado federal.

Após a divulgação, a candidatura de Antônio Cristovão, conhecido como “Queiroguinha”, foi abortada.

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