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Sem fiscalização da ANTT, Serra das Araras vira ameaça

Pelas novas previsões da CCR RioSP, obras da Serra das Araras podem terminar só em 2029 | Foto: Divulgação

Por Sônia Paes

A interdição de quase 12 horas ocorrida neste domingo, dia 21, na pista de subida da Serra das Araras, sentido São Paulo, no Km 228, mostrou a necessidade urgente de tirar do papel o projeto do novo traçado da BR-116 (Rodovia Presidente Dutra). O problema na rodovia, que é a principal ligação entre Rio de Janeiro e São Paulo, ocorreu por causa de uma forte ondulação no asfalto.

Devido ao problema, equipes da CCR RioSP, que administra a rodovia, tiveram que se deslocar até o trecho para verificar a situação e discutir uma saída. A PRF (Polícia Rodoviária Federal) auxiliou, orientando os motoristas e coordenando o sistema 'Siga e Pare'. A interdição provocou 14 quilômetros de congestionamento no sentido Rio e 8 quilômetros no sentido São Paulo. O tráfego só foi liberado no final da noite, após a recuperação do trecho danificado, mesmo assim com aviso de alerta: se voltasse a chover seria fechado novamente.

Novela sem fim

A concessionária que administra a rodovia e o governo federal são protagonistas de uma novela que dura décadas. O enredo é bastante atraente e para quem deseja assitir o último capítulo então é fundamental. Trata-se do projeto para implantação da nova pista de subida na Serra das Araras e a reestruturação de toda a Via Dutra.

Pelo projeto apresentado pela CCR RioSP em uma audiência no Sest Senat de Barra Mansa, interior do Estado do Rio, em novembro do ano passado, a nova pista terá quatro faixas em cada sentido, permitindo velocidade máxima de 80 km/h no trecho. Previu-se que a pista de subida fosse concluída em 2028 e a de descida em 2029.

Ainda conforme o projeto, serão construídos viadutos, passarelas e novas faixas na região. A CCR disse, na época, que os serviços começariam em Itatiaia e Resende, outros dois municípios do Estado do Rio, em 2025.

A previsão de investimentos por parte da concessionária, que em 2021 ganhou a concessão por mais 30 anos, é da ordem de R$ 1,2 bilhão. As obras, que sequer foram iniciadas, iriam gerar dois 2 mil empregos diretos e indiretos no trecho.

Em 2022, quando a concessionária renovou o contrato com o governo federal, foi agregada também a Rodovia Rio-Santos (BR-101/RJ/SP). A promessa foi de investimentos de R$ 14,8 bilhões nas duas rodovias durante os 30 anos de concessão. Nesse período, de acordo com a CCR RioSP, será alocado também cerca de R$ 10,8 bilhões em serviços operacionais ao longo das próximas três décadas.

A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e o Ministério da Infraestrutura, que têm a obrigação de fiscalizar os contratos, são extremamente maleáveis com a concessionária, que promete a obra desde que assumiu a rodovia pela primeira vez, em 1996.

A antiga Rio-São Paulo

O traçado da Rodovia Presidente Dutra ainda é o original, de 1928, e nos dias de hoje, claro, não comporta o alto volume de carros e de caminhões. Para se ter uma ideia da longevidade da Dutra, a primeira ligação rodoviária asfaltada entre as cidades de Rio de Janeiro e São Paulo foi aberta pelo governo do então presidente Washington Luís e inaugurada a 5 de maio de 1928, com o nome de "Rio-São Paulo".

Já em 1938, foi inaugurado, na rodovia, o monumento rodoviário atualmente conhecido como Monumento Rodoviário da Rodovia Presidente Dutra, situado justamente na descida da Serra das Araras. Ele foi fechado em 1978.

Deslizamento com 1,7 mil vítimas

Quem observa as lindas paisagens da Serra das Araras, não imagina que o local é marcado por uma tragédia, considerada praticamente a pior enfrentada pelo país. Em 1967, um deslizamento de terra atingiu o local e fez ao menos 1.700 vítimas fatais. As encostas praticamente se dissolveram. Rios de lama desceram a serra levando ônibus, caminhões e carros. A maioria dos veículos jamais foi encontrada. Na época, a Dutra ficou interditada por mais de três meses nos dois sentidos.

O advogado Affonso José Soares é um dos que se lembra até os dias de hoje da fatalidade, com riqueza de detalhes. Ele morava em Piraí e ouviu um estrondo.

"Foi uma ocorrência de acidente muito grave. Os ônibus de São Paulo e carros do Rio entravam em Piraí e não tinham como seguir viagem. O comércio foi praticamente invadido por passageiros. A tromba d'água tinha destruído praticamente todo o acesso. Na Serra das Araras, havia crateras enormes. Demoraram quatro ou cinco meses para restabelecer a situação", lembra o advogado, citando ainda que o trabalho de socorro às vítimas teve ajuda de presidiários de Piraí.

O delegado pediu ajuda do advogado para convencer os presos no auxílio. "Falei que eles estavam tendo uma oportunidade de prestar um serviço público e demonstrar espírito solidário", disse o advogado.

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