Por: Rudolfo Lago

Dos paletós e gravatas às bolas e chuteiras

Nos estádios ou nas várzeas, o futebol faz parte dos sonhos e da realidade do brasileiro | Foto: Orlando Brito

Ao longo dos 50 anos em que exerceu o fotojornalismo, ganhando o reconhecimento de muitos como o melhor repórter fotográfico de política de todos os tempos, houve uma ferramenta que Orlando Brito jamais abandonava. Sua câmera fotográfica. De preferência, da marca alemã Leica, a mesma que foi a preferida de grandes mestres da fotografia, como o francês Cartier-Bresson.

Ao Correio da Manhã, a filha de Orlando Brito, Carolina, conta que a Leica não se separava do fotógrafo nem nos seus momentos de lazer mais prosaicos, como levar um dos seus netos para chupar um picolé. E, assim, com a câmera ao lado, Brito ia observando tudo ao seu redor. Registrando e tornando imortais cada cena que a grande maioria dos olhos comuns nem perceberia.

Uma vez, por exemplo, em uma viagem ao Maranhão, Brito viu uma dessas cenas que ninguém mais percebeu. Era um campo literalmente de várzea. Na maré baixa, servia para a pelada dos meninos. Quando a maré subia, era o espaço da pesca e da sobrevivência das famílias. Assim, ao longo da sua carreira, Brito foi fazendo registros que mostram como o futebol, esporte preferido não apenas do brasileiro mas da maior parte do mundo, tinha imensa importância sócio-cultural. Para além dos ambientes engravatados do poder em Brasília, espaço principal da atividade jornalística de Orlando Brito, nos campos de futebol, fossem os de grama, fossem os de lama, fosse com elegantes bolas sofisticadas, fosse com bolas de mais, com chuteiras feitas sob medidas ou com pés descalços, ali também se fazia política.

“Em meio a tantas coberturas de acontecimentos políticos, tema ao qual se dedicou por toda sua carreira, notou que futebol era muito mais que apenas uma brincadeira ou um esporte”, diz Carolina. “Sua percepção possibilitou um aprofundado olhar do esporte que está entranhado na alma brasileira. Da sofisticação dos maracanãs à singeleza dos cafundós, do encontro de ídolos e atletas famosos com brasileirinhos simples e desconhecidos do interior”.

Brito deixou a Esplanada dos Ministérios e os outros espaços terrenos em que fotograva no dia 11 de março de 2022. Foi fotografar em outro plano. No próximo dia 8 de fevereiro, quando ele completaria 74 anos, a Editora Almedina Brasil lança, na Livraria da Travessa, em Brasília, o livro “Futebol do Brasil: Sonho e Realidade”. O livro tem o apoio da Reag Investimentos.

Macaque in the trees
Nos estádios ou nas várzeas, a mesma paixão | Foto: Orlando Brito

O livro

“Futebol do Brasil: Sonho e Realidade” é o resultado da reunião de fotos de Brito sobre futebol. Para além dos ambientes da Esplanada dos Ministérios, Brito fez também diversas coberturas esportivas. Cobriu Copas do Mundo e Olimpíadas. Retratou diversos mitos e ídolos do futebol, como Pelé, Ronaldo Fenômeno, Romário, Rivellino. Conquistas e derrotas. Mas também diversos desses momentos do povo e da sua paixão, na terra, na areia, no asfalto, em qualquer lugar onde duas latinhas ou dois chinelos podem demarcar o espaço de um gol e substituir as traves.

O livro, então, contrapõe esses momentos. De um lado, os grandes craques profissionais. De outro, suas facetas do povo. Misturando, então, os sonhos e realidades que ficam entranhados por essa paixão esportiva brasileira.

Vascaíno roxo, bom de bola, segundo a memória de Carolina, Brito era craque mesmo atrás das objetivas. No livro, 155 páginas de rara sensibilidade, segundo Carolina, “editadas com muito esmero”. O preço sugerido é R$ 399.

Brito

Orlando Péricles Brito de Oliveira nasceu em 8 de fevereiro de 1950, na cidade de Janaúba, em Minas Gerais. Ao longo de sua carreira, reuniu trabalhos que abrangem os temas da política e da economia, questões sociais, da vida urbana e do interior, terras, povos indígenas, esportes, e diversos outros temas. Fez inúmeras viagens por mais de 60 países, em coberturas presidenciais, papais e esportivas. Acompanhou e fotografou de perto a ditadura militar, presenciou o fechamento do Congresso, registrou torturas, treinamentos militares e, até a sua morte, o dia-a-dia da política em Brasília, sede do Governo Federal. Fotografou todos os presidentes brasileiros, de Castello Branco e Jair Bolsonaro.

Foi o primeiro brasileiro a ganhar o prêmio World Press Photo do Museu Van Gogh, de Amsterdã e é considerado “hors concours” por ter ganho onze vezes o Prêmio Abril de Fotografia. Mereceu a distinta Bolsa de Fotografia da Fundação Vitae, de São Paulo e prêmios de Aquisição da I Bienal de Fotografia do Museu de Arte de São Paulo-MASP e da Bienal Internacional de Fotografia de Curitiba. Ao morrer, deixou projetos e fotos ainda inéditas, que ficaram sob os cuidados de sua filha Carolina.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.