"Ser mãe vai além dos papéis de gênero tradicionais"
STF reconhece licença maternidade para não gestantes em famílias homoafetivas
Contra visões tidas como conservadoras, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) ampliou o conceito de “família”. Na quarta-feira (13), a Suprema Corte reconheceu a licença-maternidade para mães não gestantes em relações homoafetivas em união estável. Caso uma das mulheres já tenha direito a licença-maternidade, para evitar que as duas mulheres tenham os 120 dias de licença para cuidar da criança, o período da mãe não gestante foi equiparado ao da licença-paternidade.
O caso se refere à ação de uma servidora municipal de São Bernardo do Campo (SP). Ela pediu direito à licença-maternidade após a companheira dela, uma profissional autônoma, engravidar através de um processo de inseminação artificial heteróloga – ou seja, quando a gestante engravida com o óvulo da mãe não gestante. Apesar de ter confirmado a gravidez da companheira, a servidora teve seu direito à licença-maternidade negado pela administração pública, que alegou falta de previsão legal. Ela acionou a Suprema Corte após o caso, que julgou o processo em âmbito nacional.
O relator do processo, ministro Luiz Fux, destacou que embora as mães não gestantes não tenham as alterações físicas geradas pela gravidez, elas precisam arcar com as responsabilidades e atribuições de um núcleo familiar.
“Revela-se um dever do Estado assegurar especial proteção ao vínculo maternal, independentemente da origem da filiação ou da configuração familiar", afirmou o ministro.
Para Fux, o reconhecimento do direito tem efeito na proteção da criança, que não escolhe a família onde irá nascer, e também na proteção à mãe não gestante em união homoafetiva, que estava "escanteada por uma legislação omissa e preconceituosa".
A decisão do STF será válida para casos de servidoras públicas e trabalhadoras da iniciativa privada que estiverem na mesma situação do caso analisado. Para os ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Dias Toffoli, a licença-maternidade completa deveria ser concedida para ambas as mães, independentemente se ambas terão o direito. Porém, eles perderam nos votos dos demais magistrados.
Maternidade
A reportagem conversou com a fotojornalista Naiara Demarco, casada com a antropóloga Janaína Fernandes e mãe dos adolescentes Gabriel e Guilherme. As duas se conheceram quando Janaína estava no processo de adoção dos irmãos quando eles eram crianças. Naiara e as crianças entraram ao mesmo tempo na vida de Janaína e os quatro se tornaram uma família inseparável. Neste ano, eles completam 14 e 13 anos de idade.
Apesar de não terem realizado métodos de fertilização in vitro ou inseminação artificial, Naiara destaca a importância do poder Judiciário reconhecer os direitos de famílias que fogem ao conceito tradicional.
“Famílias como a minha existem e devem ter seus direitos assegurados pelo Estado, assim como qualquer outro tipo de construção familiar”, reforçou Naiara à reportagem.
Ao Correio da Manhã, a advogada trabalhista da Ferraz dos Passos Advocacia Nadine Tuane Henn, destacou que “a posição do STF reconhece a importância da maternidade para a sociedade como um todo”.
“Além disso, ela rompe a lógica de que, mesmo em relacionamentos homoafetivos, apenas uma das mães será responsável pela maternidade”, destacou a advogada.
“No julgamento, o ministro relator também ressaltou a importância de garantir à criança a fruição completa da companhia e dos cuidados maternos, os quais são fundamentais para o desenvolvimento do ser humano”, reforçou.
A fotojornalista Naiara ainda destacou que o conceito de “ser mãe” vai muito além do que ditam papéis de gênero tradicionais. “Ser mãe é construir um indivíduo para a sociedade. Ser mãe envolve um grande compromisso emocional que muitas vezes tomamos sozinhas”, disse.
“É sobre criar um ambiente amoroso e seguro, dar apoio emocional e ensinar valores, e o ‘Ser mãe’ pode ser realizado por pessoas de diferentes identidades de gênero e orientações sexuais. Porque ser mãe é sobre amar, apoiar o potencial daquela criança, independentemente da estrutura familiar em que ela nasce”, completou.