Após o desabafo do casal Henrique Nascimento, de 29 anos, e Wagner Soares, de 38 anos, viralizar nas redes sociais, a internet se voltou para um questionamento: empresas podem negar serviços a clientes só por conta da sua orientação sexual?. Na última semana, o casal entrou em contato com a empresa Jurgenfeld Ateliê para imprimir os convites do casamento deles. Porém, a prestação de serviços foi negada pela empresa, sob a justificativa de que a loja não faz “convites homossexuais”.
A Polícia Civil de Pederneiras (SP),investiga se os responsáveis pela Jurgenfeld Ateliê praticaram crime de homofobia contra o casal, que já estão juntos há oito anos, e até mesmo já são casados. Eles planejam somente fazer uma festa de casamento em setembro de 2025 para celebrar a união do casal.
Após a repercussão, a Jurgenfeld Ateliê se pronunciou nas redes sociais alegando que se
trata de “princípios e valores”. O casal também mostrou as conversas que teve com a empresa. A justificativa do Jurgenfeld Ateliê, localizado no interior de São Paulo, para negar o pedido foi a de que eles não fazem produções "homossexuais".
As autoridades devem agora ouvir as vítimas e os comerciantes a fim de coletar provas. Após finalizar o inquérito, o caso será encaminhado ao Ministério Público, que pode arquivar ou oferecer denúncia do caso. Se for oferecida denúncia, cabe ao Tribunal de Justiça dar a sentença.
De acordo com o Instituto de Defesa do Consumidor (Procon), o estabelecimento até pode segmentar a área de atuação dele, desde que isso não ocorra de maneira discriminatória e mesmo nos casos de segmentação, o comércio deve informar de maneira clara e precisa qual serviço ele presta.
Lei do Consumidor
Entretanto, o Artigo 39, inciso II do Código de Defesa do Consumidor prevê que o comerciante não pode escolher para quem vende seus produtos. O órgão considera essa distinção como “prática abusiva recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes”.
O Procon indica ainda que as pessoas que sofrerem discriminação como o casal Wagner e Henrique devem registrar um boletim de ocorrência. Ainda é possível entrar com uma ação para ressarcimento dos danos morais causados pela situação.
Ainda segundo o órgão, os comerciantes podem negar atender a um pedido que seja um crime. Por exemplo, uma loja de bolos pode se recusar a personalizar um de seus produtos com o símbolo de uma facção criminosa.
Lei do Racismo
O advogado especialista em direito penal Oberdan Costa, reforça que na Lei do Racismo
existe um crime específico consistente na conduta. “A lei proíbe recusar ou impedir acesso
a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente, ou comprador
por razões de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional ou, após o julgamento da ADO
26 em 2019, orientação sexual”, explica.
O criminalista ainda enfatiza haver outro crime que é o de “impedir ou obstar, por qualquer
meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e social”. “Nesses casos, quem é
responsabilizado é o responsável pela empresa que negou o atendimento, e não a pessoa
jurídica em si”, informa Oberdan.
Desde 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) enquadra a homofobia e a transfobia no
crime de racismo. A pena é de um a três anos, além de multa. “Dessa forma, os donos da
empresa podem, sim, responder pelo crime de homofobia. Ainda mais porque deixaram farta prova de quais foram suas motivações para negar o atendimento, por meio de vídeos e
textos nas redes sociais”, destaca o advogado.
Oberdan Costa finaliza salientando que não é possível pagar fiança como forma de evitar a
pena privativa de liberdade e que o crime nunca prescreve. “Ou seja, se o casal resolver
tomar alguma providência daqui a 10 anos, ainda assim será possível condenar os donos
da empresa por força de disposição da própria Constituição sobre o racismo — gênero do
qual a homofobia, na visão do STF na ADO 26, é uma espécie”, conclui.