Por: Pedro Sobreiro

Uma viagem ao passado no estádio mais bucólico do país

No último dia 15, a Rua Javari recebeu o 'Clássico dos Imigrantes' pela primeira rodada da Copa Paulista | Foto: Fotos Pedro Sobreiro

Faz algum tempo que o estado de São Paulo começou a investir forte em atividades culturais para fomentar o lazer e o turismo. Porém, nessa era das grandes arenas de futebol pós-Copa do Mundo, um estádio que se manteve fiel a suas origens acabou se tornando um grande atrativo para os turistas e um compromisso praticamente religioso para os moradores do bairro da Mooca, na Zona Leste da capital paulista.

Inaugurado em 1929, o Estádio Conde Rodolfo Crespi, mais conhecido como 'Rua Javari', é lar do Clube Atlético Juventus, o tradicional Juventus da Mooca. Fundado por imigrantes italianos em 1924, o 'Moleque Travesso' se consolidou como um dos mais tradicionais clubes paulistas e viu o bairro crescer e se desenvolver ao seu redor.

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Nas grades do estádio, torcedores elogiam e criticam os jogadores bem de pertinho | Foto: Pedro Sobreiro

 

No momento em que se põe o primeiro pé na Mooca, é impossível não ver as palavras "Juventus" ou "Juve" estampando lojas, bares e padarias, assim como as cores grená e branca, que pintam as mais diversas paredes da região, replicando o uniforme do clube.

No último dia 15, na rodada de abertura da Copa Paulista, os Juventinos receberam em seu estádio o maior confronto dos clubes tradicionais da cidade. Conhecido como 'Clássico dos Imigrantes', Juventus x Portuguesa acirrou a rivalidade entre os descendentes de italianos e os da colônia portuguesa. A expectativa era grande, o que refletiu no público de 3.710 torcedores presentes. A capacidade do estádio é de quatro mil.

Com casa cheia, a fila para entrar na Rua Javari dava a volta no estádio. Só não era maior do que a fila do lado de dentro, formada pelos torcedores para comprar os famosos Cannolis de uma família italiana que trabalha ali há quase meio século.

Enquanto a fila andava, os torcedores escutavam nosso sotaque diferente e logo puxavam assunto. As histórias eram as mais diversas. Desde comentários sobre terem encontrado um ex-jogador do clube na loja oficial até as expectativas para o duelo contra a Lusa. Mas dentre todas as conversas, um assunto era unanimidade: "Você precisa experimentar o Cannoli".

ACOLHEDOR

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Com charme próprio, tudo no estádio do Juventus parece ter vindo direto do túnel do tempo | Foto: Pedro Sobreiro

Passada a revista, entrar na casa do Juventus é quase como receber um abraço. Com jeitão de fachada de escola, tudo na Rua Javari é acolhedor. É pisar lá para se sentir parte do coletivo e já esquentar a cabeça com o futebol que será apresentado dali a alguns minutos. A vista é simples, com um bebedouro - salvador de vidas no calorão da cidade - e uma pia para se refrescar do calor, além das filas para a cantina e para a tenda dos Cannolis.

E quando se atravessa o corredor que dá acesso às arquibancadas, a sensação é de atravessar um túnel diretamente para a década de 1930. O setor social, com as tribunas de honra e cadeiras, é o mais disputado. Sob o sol das 15h, ter uma cobertura sobre a cabeça e uma cadeira para sentar é um grande diferencial.

Mas o que chama atenção mesmo é a variedade de produtos à venda na arquibancada. As garrafinhas d'água fazem sucesso, assim como os amendoins. No entanto, não pense que são os tradicionais saquinhos industrializados. O vendedor carrega uma saca enorme repleta dos amendoins ainda na vagem. O torcedor quebra a casquinha e vai colhendo seus petiscos enquanto assiste o jogo.

Nas pontas do estádio, as torcidas organizadas se acomodam para apoiar até o fim. Com músicas derivadas das mais populares das arquibancadas do Rio, eles cantam, cobram, tocam seus instrumentos e agitam suas bandeiras.

GERAÇÕES

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Nas arquibancadas da Rua Javari, o concreto forja uma nova geração de torcedores | Foto: Pedro Sobreiro

É muito legal reparar na presença das diferentes gerações dividindo o concreto das arquibancadas. A quantidade de idosos, que viram os melhores dias do clube, é proporcional à de crianças. Muitas que estão vivendo ali, na Rua Javari, suas primeiras experiências com o mundo do futebol. A molecada canta, dança, xinga e até mesmo bate uma bolinha, enquanto os pais tentam ver o jogo.

O JOGO

Dentro de campo, o resultado foi um empate insosso por 1x1. A Portuguesa abriu o placar com Guilherme Portuga, aos 24 do primeiro tempo. O Juventus igualou, aos 7 do segundo tempo, com Marlon.

Em tarde de pouquíssima inspiração futebolística, o calor intenso também não permitiu grandes jogadas físicas. Então, foi um jogo abaixo do esperado. Mas isso foi o de menos.

Poder experimentar um clássico desses em um estádio histórico do futebol brasileiro valeu mais do que qualquer possível goleada. Só de estar naquele espaço em que o Rei do Futebol marcou seu mais belo gol já é uma oportunidade incrível para qualquer apaixonado pelo esporte.

GOL DE PLACA

Sim, como todo estádio que se preze, a Rua Javari já foi palco de alguns gols de placa. Porém, a casa do Juventus pode se orgulhar de ter visto um golaço marcado por ninguém menos que o Rei Pelé. Para aumentar a mística do gol, a partida entre Santos x Juventus, em 2 de agosto de 1959, não teve transmissão de TV, só da imprensa escrita e da rádio. Ou seja, pouquíssimas pessoas viram Pelé receber o passe de Durval, 'chapelar' quatro jogadores em sequência, incluindo o goleiro Mão de Onça, e concluir para dentro do gol Juventino de cabeça.

O jogo terminou 4x0 para o Alvinegro Praiano, sendo três deles marcados por Pelé, que elegeu o quarto gol da partida como o mais bonito de sua carreira. Infelizmente, apenas os cerca de 10 mil torcedores que compareceram àquela partida puderam ver o lance histórico.

TRANQUILIDADE

Conforme o 'Clássico dos Imigrantes' foi se desenhando para um empate sem grandes emoções, foi possível perceber a tranquilidade que rondava o local. Em meio ao caos das torcidas organizadas, a criançada sentia a liberdade para brincar. Um casal de idosos colocava as mãos sobre os rostos para tentar se proteger do sol e ria ao perceber que não estava adiantando muito.

Naquele cenário que poderia ser o mais propício a confusões, uma repentina brisa fresca unia a torcida enquanto sol começava a se pôr, dando ao estádio um tom sépia que exalava tradição.

Nesses momentos de tranquilidade, o futebol respira e resiste na Mooca, mostrando que nem só de grandes arenas e ingressos que custam até meio salário mínimo vive o esporte no Brasil.

Ao fim da partida, os jogadores do Juventus se dirigiam até a torcida e distribuíram autógrafos para a molecadinha, que talvez ainda não entenda muito bem o que é o esporte, mas certamente tiveram uma grande tarde na infância.

Mais do que isso, os portões do campo foram abertos e os pequenos foram para o palco onde acabara de acontecer uma partida oficial e se divertiram correndo e brincando.

E sim, o Cannoli estava uma delícia! Ir a São Paulo proporciona aos turistas uma série de experiências culturais diversas, mas talvez nenhuma delas seja tão interessante e intensa do que experimentar um jogo no Estádio Conde Rodolfo Crespi. Viva o Juventus e a Rua Javari!