Imposto chinês pode tornar medicamentos mais caros

'Taxa das blusinhas' foi mantida no Senado Federal por votação simbólica. Com texto aprovado, remédios importados para pacientes passarão a ser taxados com 60% de imposto de importação, mais o ICMS do estado.

Por Rudolfo Lago

Com texto aprovado, remédios importados para pacientes passarão a ser taxados com 60% de imposto de importação.

Lula Marques/ Agência Brasil - "Taxa das blusinhas" foi mantida no Senado Federal por votação simbólica

A história do “jabuti” inserido no projeto que institui o Programa Mover para taxar compras de produtos importados em plataformas como Shein e Shopee mostra como tudo que é feito de afogadilho, com pressa, corre grande risco de dar problema. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), articulou o contrabando no projeto como forma de taxar tais compras e tornar menos desigual a concorrência com os produtos nacionais, atendendo a uma demanda do setor varejista. Mas acabou produzindo vítimas mais graves do que as pessoas que compram blusinhas importadas. As principais e mais trágicas vítimas serão os pacientes que precisam importar caríssimos medicamentos para tratar de suas doenças.

Se o “imposto chinês” ou “taxação das blusinhas”, como ficou conhecido, tivesse sido proposto como projeto de lei, tendo uma tramitação normal, passando por uma comissão, muito provavelmente algum tributarista alertaria para a omissão que agora poderá prejudicar os pacientes que importam medicamentos. Tal omissão já foi, inclusive, admitida ao Correio da Manhã pelo relator do projeto na Câmara, deputado Átila Lira (PP-PI), que declarou que agora já estuda uma forma de reparar o erro.

O Correio apurou ainda que a questão já está sendo estudada também pelo secretário da Receita, Robinson Barreirinhas. Se não houver um reparo no texto do projeto e ele for sancionado como foi aprovado na semana passada pelo Senado, pacientes que importam medicamentos terão que pagar 60% de impostos, fora o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Hoje, tais medicamentos são isentos de qualquer tributação. Assim, um medicamento que custa US$ 1 mil, no momento seguinte já passará a custar US$ 1,6 mil, sem o ICMS.

Tabela

A pressa em resolver a tributação dos importadores fez com que o texto esquecesse as normas do Regime Simplificado de Tributação, que, entre outros temas, rege hoje a importação desses medicamentos por pessoas físicas. Trata, portanto, das normas de importação direta pelo paciente que faz o tratamento, e não da importação por laboratórios ou empresas.

A Portaria 156, de 1999, estabelece alíquota zero para a importação de medicamentos até o valor de US$ 10 mil. Por um acordo feito com os estados, que cobram o ICMS, também são isentos da cobrança desse tributo. Assim, hoje não há qualquer tributação sobre esses remédios até esse valor.

O texto do projeto do Programa Mover, com o “jabuti” do “imposto chinês”, institui uma tabela para a cobrança de impostos sobre produtos importados, sem fazer qualquer distinção. Essa tabela determina que será cobrada uma alíquota de 20% na importação por pessoa física de produtos até US$ 50. A partir desse valor, a alíquota será de 60%.

Como nada menciona a respeito da isenção do ICMS pelos estados, eles passariam também a ser cobrados. No caso das “blusinhas”, esse ICMS é de 17%.

Lei

Se o texto vier a ser sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva da forma como foi aprovado no Senado, ele vira lei. Como lei, sobrepõe-se a qualquer portaria anterior. Sem nenhuma alteração, portanto, a lei estabelecerá essa tributação sobre os medicamentos importados de alto custo.

Na semana passada, no Senado, a intenção inicial do relator, Rodrigo Cunha (Podemos-AL), era retirar do texto o “jabuti” do “imposto chinês”. Diante da reação, houve um acordo para manter o texto da Câmara, a partir de um destaque que foi aprovado em votação simbólica.

Assim, em tese, a parte do projeto que trata da tributação, como não foi modificada, já nem voltaria à Câmara dos Deputados. Iria diretamente à sanção. Com o alerta feito na terça-feira pelo Correio da Manhã, Átila Lira já imaginava ter que fazer outra solução.

“Preservar”

Divulgação/Câmara dos Deputados - O relator, deputado Átila Lira, só soube que a importação seria atingida ao ser questionado pela reportagem do Correio da Manhã

“Não tive nenuma informação em relação a isso”, foi a primeira reação de Átila Lira quando questionado pela reportagem. “Mas vou avaliar isso com a parte técnica tributária”, continuou. Mais tarde, o deputado confirmou que a omissão colocava em risco a isenção tributária aos medicamentos de alto custo.

“Estamos trabalhando para preservar”, informou, então, ao Correio da Manhã. Questionado como, então, isso seria feito, Átila Lira respondeu: “Assim que estudar a legislação, aviso”.

O Correio da Manhã entrou, ainda, em contato com o presidente da Câmara, mentor da tributação, e com a Secretaria da Receita. Mas até o fechamento desta edição, não houve resposta.