Por: William França

Infestação de totens luminosos nas ruas de Brasília agride tombamento

Indicação das posições dos 12 totens luminosos do 'Metrópoles' na avenida principal do lago Norte. | Foto: Reprodução do Processo

DER-DF cobra valor simbólico anual de R$ 1.325,79 por cada totem publicitário. 155 são explorados pelo Metrópoles Digital

EXCLUSIVO – A coluna “Brasilianas”, do Correio da Manhã DF, teve acesso à íntegra de um dos 155 processos no qual o “Metrópoles” obteve autorização para instalar seus totens luminosos no DF. Neste, é possível confirmar que o DER trabalha sem instrumentação, como afirma o Ministério Público.

Na edição do Correio da Manhã no Distrito Federal, o jornalista William França tem publicado na coluna Brasilianas uma série de reportagens sobre o incômodo gerado pela infestação de totens luminosos de publicidade em Brasília, que descaracterizam o projeto original de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer e colocam em risco os motoristas na capital. Em primeira mão, a coluna revela como a empresa Metrópoles Digital conseguiu, no Departamento de Estrada e Rodagens do DF, 155 autorizações para a implantação destas peças em vias públicas. O levantamento foi realizado pelo Ministério Público do DF, que instaurou inquérito que resultará em ação civil pública contra os totens do Metrópoles. Na edição de hoje, William França faz um raio-X da forma que o DER-DF libera, em tempo recorde, estes equipamentos.

Confira a seguir a reprodução de um dos processos em que aparece o “Metrópoles” como beneficiário. Esse modus operandis se repete nas mais de 278 autorizações dadas pela autarquia, conforme levantamento feito pelo Ministério Público do DF. Mas há mais painéis de LED instalados na cidade, além dos informados pelo DER-DF.
Este documento confirma o que esta Coluna vem publicando há alguns dias: de que há o uso de argumentos equivocados ou mesmo ilegais (na visão do MPDFT) para autorizar a instalação de painéis luminosos. E que eles não observam as regras previstas no Plano Diretor de Publicidade do DF (lei 3.035/2002).
O processo demonstra os argumentos, inclusive jurídicos, que poderiam autorizar o uso das áreas públicas para instalar os documentos. O problema é que o parecer usado é de 2015, quando ainda estava sendo elaborado o Plano de Ocupação das Faixas de Domínio. Curiosamente, esse documento, passados quase uma década, segue ainda sem conclusão.
As cópias do processo também indicam que o DER-DF não possui nenhum instrumento para conferir a instalação dos totens (“vistoria” essa que é feita pela própria empresa interessada) e nem para a posterior fiscalização, que é feita “pela percepção visual” dos fiscais. Em tempo: o aparelho necessário para a medição das candeias, chamado luxímetro, custa cerca de R$ 150, na internet.
Uma curiosidade descoberta com a leitura deste processo: o DER cobra R$ 1.325,79 por um ano de exploração do espaço público, por tótem. E esse valor pode ser pago em até 4 vezes, sem correção. O aluguel de apenas 1 dos 278 totens daria para comprar 8 aparelhos para fiscalizar sua correta utilização... e ainda sobra um troco.

 

PASSO-A-PASSO PARA OBTER UMA AUTORIZAÇÃO PARA INSTALAR UM PAINEL DE LED

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Indicação das posições dos 12 totens luminosos do 'Metrópoles' na avenida principal do lago Norte. | Foto: Reprodução do Processo

O processo (0013.00013343/2023-71) trata do pedido para instalar 1 dos 12 painéis luminosos do “Metrópoles” no Lago Norte. No caso, é o de número 5, próximo à QI 12, próximo a um comércio.


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. | Foto: Reprodução do processo

O pedido para instalar “engenho publicitário” é assinado pelos sócios da empresa, Luiz Eduardo Estevão de Oliveira (hoje com 29 anos) e Luiza Meireles Estevão de Oliveira (com 28 anos) – filhos do ex-senador Luiz Estevão. Eles respondem administrativamente pela empresa desde dezembro de 2020, quando substituíram outros dois irmãos (Ilca Maria e Cleuci Meireles). A Metrópoles Mídia Digital Ltda existe desde maio de 2018.
Os sócios da empresa preenchem um longo formulário e anexam seus documentos pessoais e comprovantes de regularidade da empresa interessada.

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. | Foto: Reprodução do processo

A arquiteta Tatiany Gomes de Melo assina o projeto técnico, que indica um será instalado relógio digital (que o DER-DF entende ser um mobiliário urbano), com algumas informações em publicidade. Não aparece um tótem de LED publicitário, com alternância de imagem.

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No processo, a imagem (simulada) indica a localização do tótem publicitário, às margens da rodovia. | Foto: Reprodução do processo

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. | Foto: Reprodução do processo

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. | Foto: Reprodução do processo

Os fiscais atestam que o lugar está adequado para receber um painel luminoso e que ele não traz riscos à segurança viária.

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Teste com um 'luxímetro' | Foto: Reprodução do processo

Ao processo, junta-se o laudo de brilho do equipamento, medido por um luxímetro. Mas, neste caso - e, segundo o MPDFT, em quase todos os outros - o que foi medido não é o painel que será instalado. Nem similar. Neste processo, foi anexado laudo técnico, assinado pelo engenheiro eletricista Deivid da Silva Lima, demonstrando o painel na Rodovia JK (acesso ao Lago Sul), de um painel completamente diferente do que será instalado no Lago Norte.

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. | Foto: Reprodução do processo

O próprio engenheiro informa, no processo, que se valeu de um outro tótem. E erra ao informar que será o mesmo utilizado no Lago Norte. As imagens dos dois totens (completamente diferentes entre si) são provas disso.

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. | Foto: Reprodução do processo

Passada a parte técnica, o processo começa a ganhar forma administrativa. Primeiro, junta-se um parecer da Procuradoria-Jurídica do próprio DER-DF que autoriza novas permissões de meios de propaganda nas faixas de domínio das rodovias uma vez que não existe, ainda, um Plano de Ocupação para elas. “E ele segue sem previsão para conclusão”.

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. | Foto: Reprodução do processo

O detalhe: o parecer jurídico é de novembro de 2015. Ou seja: faz quase 9 anos que o DER-DF usa o mesmo argumento – de que não conseguiu concluir o Plano de Ocupação das Rodovias. E, sem esse documento, não há como informar onde pode ser instalado (ou não) os mobiliários urbanos e os engenhos publicitários. Por isso, faz autorizações de caráter provisório. Mas faz.

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. | Foto: Reprodução do processo

No dia 13 de setembro, 5 dias após as vistorias, e com base nas orientações jurídicas e com as vistorias técnicas realizadas, o processo é encaminhado para a instalação do tótem - que ora é chamado de engenho publicitário, ora de mobiliário urbano, embora sejam objetos completamente diferentes.
No dia seguinte, o superintendente de Operações, Murilo de Melo Santos, emite autorização provisória (pelo prazo de 30 dias) para a conclusão dos processos e pagamento das taxas, para que então seja assinado um Termo de Permissão de Uso.

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. | Foto: Reprodução do processo

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. | Foto: Reprodução do processo

No dia 25 de setembro, são emitidos boletos para o pagamento da licença, por um ano, do espaço público, ao custo de R$ 1.325,79 – divido em 4 parcelas. Na mesma data, é emitida (por e-mail) a autorização provisória para que a empresa de engenharia contratada pelo Metrópoles faça a instalação do tótem. Assim, no final de setembro começaram as instalações - que duram cerca de 15 dias.

 

TUDO IA BEM, ATÉ QUE AS RECLAMAÇÕES DOS MORADORES CHEGARAM AO GOVERNO

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. | Foto: Reprodução do processo

Tudo ia bem, até que os moradores do Lago Norte fizeram inúmeras queixas quanto ao brilho excessivo do tal artefato. Passados pouco mais de 4 meses desde a autorização de instalação do tótem. A fiscalização do DER-DF foi acionada, no dia 25 de janeiro, para verificar que “a claridade do mobiliário urbano tem ofuscado pedestres e motoristas”. Os fiscais ainda encontram irregularidades administrativas, como a falta de placa indicando quem é o proprietário do engenho e dados sobre sua autorização.

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. | Foto: Reprodução do processo

O relatório inclui uma foto, feita pelos fiscais, no qual eles indicam que há “excesso de luminosidade em duas propagandas, causando ofuscamento nos motoristas”.

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. | Foto: Reprodução do processo

Foi feito um auto de infração, que depois se tornou um relatório de fiscalização. Nele, os fiscais informam que a equipe “não possui equipamentos nem infraestrutura, bem como carece de treinamento para realizar tal aferição”. Eles solicitam, ainda, que “a gerência providencie a capacitação das equi-pes envolvidas”, a fim de que possam atestar a medição das candelas estabelecidas em lei. Os fiscais dão um prazo de 5 dias para a regularização das irregularidades encontradas.
No dia 31 de janeiro, a fiscalização volta ao local e constata que o excesso de brilho ainda persiste. Novas notificações são encaminhadas para que o “Metrópoles” faça as correções.
No dia 21 de fevereiro, passado quase um mês da primeira verificação, é emitida uma Ordem de Missão para averiguar se foi, enfim, corrigido o problema do tótem - sob ameaça de emitir um auto de infração, caso as irregularidades persistam.
“Todas as exigências foram integralmente atendidas”, afirmou a fiscalização. “A luminosidade foi reduzida de forma notável”, completou.

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. | Foto: Reproduçao do processo

Por fim, no dia 22 de fevereiro de 2024, o processo constata que “na percepção dos fiscais, o painel está em níveis aceitáveis de luminosidade”.
Encerra-se a fiscalização. Nada de multas. Nada de nada. Vida que segue...