*Por Fabio Pupo e Nicola Pamplona
A Eletrobras negocia com o governo a venda de sua participação na Eletronuclear, responsável pelos investimentos da usina de Angra 3, em meio às tratativas para ceder vagas em seus conselhos de administração e fiscal.
A participação na instância decisória da Eletrobras vem sendo buscada desde o ano passado pela gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que chegou a acionar o STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o assunto. O movimento iniciou uma negociação entre governo e companhia.
De acordo com fontes a par das negociações, o acordo tem caminhado e prevê pelo menos três cadeiras no conselho de administração. O governo gostaria de obter pelo menos quatro posições, mas uma delas deve ficar no conselho fiscal.
Em troca, a Eletrobras planeja se desfazer da participação na Eletronuclear -já que os investimentos previstos não são atraentes para a empresa. A perspectiva de aportes em Angra 3 tem, inclusive, afetado o preço da empresa na Bolsa. O governo tem negociado o valor da participação nuclear e quer desconto.
Os investimentos em Angra 3 foram uma espécie de herança não desejada pela Eletrobras após a privatização da empresa, feita em 2022. Naquele ano, para viabilizar a venda da companhia, o controle da Eletronuclear foi transferido para a estatal ENBPar (Empresa Nacional de Participações em Energia Nuclear e Binacional) para manter os ativos de energia nuclear sob a União, conforme determina a Constituição.
Mas a Eletrobras permaneceu com 35,9% das ações ordinárias e 99,99% das preferenciais da Eletronuclear, que passou a ser uma coligada do grupo de energia antigamente estatal.
A construção da usina, em Angra dos Reis, sul do interior do Estado do Rio, foi interrompida duas vezes. A paralisação mais recente ocorreu em 2015, devido aos esquemas de corrupção investigados pela operação Lava Jato. Naquele momento, cerca de 60% da obra estava pronta.
Segundo estimativas mais recentes, o projeto ainda demandaria outros R$ 20 bilhões em investimentos, mas ainda há dúvidas sobre sua viabilidade. No fim de 2023, consultoria do BNDES concluiu que a usina poderia gerar menos de R$ 500 por MWh (megawatt-hora).
Diante das incertezas, o governo decidiu não incluir Angra 3 no lançamento do Novo PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), há um ano -mesmo que tenha apontado o projeto como uma de suas prioridades no setor de energia no início do terceiro mandato de Lula.
Para investidores, a transação seria benéfica à companhia. "A cessão de Angra ao governo terminaria com os provisionamentos feitos constantemente por Eletrobras", escreveu a Ativa Research, calculando que a empresa economizaria R$ 20 bilhões em investimentos ou R$ 12 bilhões para abandonar a usina.
As negociações por poder do governo na Eletrobras foram iniciadas em dezembro, depois de uma série de ameaças e declarações de integrantes da gestão petista contra a empresa, sob o argumento de que o modelo de privatização prejudicou a União.
Aumentar participação no conselho
A União continua acionista majoritária, com 43% das ações, mas o estatuto da empresa impede o exercício de voto com fatias maiores do que 10% do capital social. O governo Lula quer, portanto, um número maior de assentos no conselho para exercer mais controle sobre a empresa.
O processo vem sendo conduzido sob coordenação do ministro do STF Kassio Nunes Marques. Nesta quarta (31), a Eletrobras anunciou que serão solicitados mais 45 dias de prazo para uma solução amigável.
As tratativas envolvem também a antecipação de recursos a serem pagos pela Eletrobras à CDE (Conta de Desenvolvimento Energético, abastecido pelos consumidores e que paga uma série de subsídios). O ponto entrou na negociação mesmo após uma MP (medida provisória) publicada neste ano já ter autorizado o movimento.
O governo quer usar os recursos antecipados no abatimento da conta de luz no curto prazo, embora possa haver um efeito rebote nos anos seguintes. Esse ponto também deve se mostrar vantajoso para a companhia, já que o montante não pago sofre uma correção anual.
O uso da antecipação, calculada em R$ 26 bilhões, proporciona um alívio na tarifa no curto prazo, mas reduz o ingresso de recursos na conta no futuro -o que, sem revisão no tamanho desses subsídios, gera pressão por reajustes mais salgados para bancar a fatura dos próximos anos.
Nesta quarta-feira (31), o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) afirmou que está otimista com o acordo e que não o governo não pode ficar sem cadeira nos conselhos.
"Está avançando muito, estou muito otimista", afirmou. "Não é crível que nós tenhamos 43% das ações da Eletrobras, nós que eu digo o povo brasileiro, e não tem um conselheiro dos nove. Não é crível que a gente não tenha um conselheiro fiscal. Não é crível que os brasileiros não se sintam confortáveis de serem representados pela União no conselho da corporation", disse.
Continuidade de obra continua indefinida
De acordo com Silveira, a decisão sobre a continuidade de Angra 3 ainda não está tomada e depende de estudos. "Teremos um grande desafio, mas não nos faltará coragem de tomar decisão sobre a continuidade ou não de Angra 3. Será tomado, é evidente, dentro de critérios técnicos", afirmou.
"Dependemos desses estudos para saber quanto custa, quanto vai custar a energia final. Naturalmente, pelos custos que já foram empregados, somado aos custos que serão, não será uma energia mais viável do que as outras energias, em especial as energias mais competitivas no país", disse.
"Mas nós vamos ter que avaliar com muito critério, com muita parcimônia, com muito diálogo e vamos ter que apresentar no CNPE [Conselho Nacional de Política Energética, órgão do governo] um relatório e os ministros vão ter que debater com muito vigor, cada um dando sua posição democrática, e tomar uma decisão final sobre a continuidade ou não", afirmou.