Por: Marcelo Perillier

De camelô a empresário:a trajetória de Silvio Santos

Silvio Santos durante gravação de seu programa de TV | Foto: Folhapress

O Brasil teve um sábado (17) de sol em algumas capitais, nublado em outros, mas cinzento em todas. A morte de Senor Abravanel, mais conhecido como Silvio Santos, fez o país perder um dos maiores comunicadores da TV brasileira e um grande empresário. De camelô, na Lapa, no Rio de Janeiro, para criar um império de bilhões em São Paulo. Assim é um resumo simples deste, que encantou gerações de diversas famílias e fez a da sua um mar de alegrias para os lares, com a esposa sendo escritora de novelas e as filhas apresentadores de programas de TV. Silvio, pois ninguém o reconhece com o nome de batismo, morreu aos 93 anos, de broncopneumonia, depois de uma luta contra a H1N1, no hospital Albert Einstein, em São Paulo. Deixou a mulher, seis filhas, netos e bisnetos. O enterro, no domingo (18), foi reservado para a família, em uma cerimônia judaica, pois Senor não gostava de festa nos momentos mais íntimos. Queria ficar sossegado e tranquilo com os entes queridos.

Parafraseando o samba da Tradição, que fez um desfile em homenagem ao "Homem do Baú" em 2001, ele morreu de prazer pela vida e pelo que construiu para a família. Não por menos, nos deixou às vésperas dos 43 anos do SBT. Agora, cabe a sua filha número 3, Daniela, fazer o sonho e desejo do pai: internacionalizar a marca, através do mundo digital, com o lançamento do streaming SBT .

"Do mundo não se leva nada, vamos sorrir e cantar". A frase, marcante na vida do apresentador, era seu símbolo — e de todos os brasileiros — aos domingos. Se pela manhã tínhamos Ayrton Senna, depois do almoço era Programa Sílvio Santos na veia. Jogos, brincadeiras e muita diversão nas tardes de domingo, até o noticiário da noite. Quem assistiu o SBT neste 18 de agosto, relembrou e riu com o maior comunicador da TV brasileira, em momento de nostalgia para os nossos corações.

Vida de camelô

"Nasceu na Lapa, no Rio de Janeiro, este artista do mundo inteiro (...)". Nada melhor do que resgatar trechos do samba-enredo da escola de samba Tradição, que fez, em 2001, no Rio de Janeiro, um desfile em homenagem ao empresário. Filho de um casal judeu, Senor era o primogênito de Alberto Abravanel e Rebeca Caro. Depois, tiveram Beatriz, Perla, Sara, Henrique e Leo. Alberto era de uma nobre família judaica cujo parente distante, Issac Abravanel, ajudou Portugal e Espanha a se reequilibrarem financeiramente nos séculos XVI e XVII. Senor, em vídeos, já contou essa história, inclusive a origem de seu nome, que era para ser "Dom", o título que Fernando de Aragão e Isabel de Castela deram para Isaac. Porém, o cartório não autorizou e, no dia 12 de dezembro de 1930, nascia Senor, homenagem ao pai de Alberto, Señor. O nome, porém, não foi do agrado de Rebeca, que o chamava de Silvio.

Desde a época do colégio, Silvio, agora vamos chamá-lo assim, tinha o dom da comunicação, pois conseguia convencer professores. Aos 14 anos, no período da primeira redemocratização no país, depois do período fascista de Vargas, o Estado Novo (1939-1945), Silvio começou a vender porta-títulos nas ruas do Rio de Janeiro, no horário do almoço dos guardas. Com o tempo, o negócio foi crescendo e passou a vender também canetas-tinteiro, relógios, espelhos e pentes. Ele se formou em Contabilidade na Escola Técnica de Comércio Alberto Cavalcanti e o negócio de camelô virou a principal fonte de renda da família, pois seu pai perdeu a loja de roupas em razão de jogos e sua mãe virou costureira, para sustentar a casa.

Em um dos "rapas", o diretor de fiscalização da prefeitura identificou potencial no jovem e sugeriu que fosse na Rádio Guanabara, participar de um concurso para locutor. Apesar de ter ganho, pediu demissão um mês depois, pois nas ruas conseguia mais dinheiro. Silvio foi paraquedista do Exército e quando deixou o serviço militar fora convidado a fazer parte da equipe da Rádio Continental, em Niterói. A veia de empresário voltou a aparecer quando, percebendo o marasmo do trajeto das barcas na Baía de Guanabara, sugeriu a inclusão de som ambiente nas embarcações e passou a transformar a viagem numa grande festa, com música, dança, bebidas e brindes. Nascia aí a fama do grande comunicador e empresário.

Baú da Felicidade

Com a barca indo para o estaleiro para reparos, Silvio procurou ajuda com o diretor da Antarctica. Neste instante, surgiu o convite para ir a São Paulo. Na capital paulista, acabou parando na Rádio Nacional, onde conheceu Manoel de Nóbrega. Aí, inicia-se uma parceira que levaria ao sucesso do Baú da Felicidade. O projeto, no começo, não rendia muito, pois era um baú de brinquedos. Quando Silvio virou sócio do negócio, outros objetos, principalmente utensílios domésticos, passaram a fazer parte do baú e, consequentemente, atrair clientes.

O negócio cresceu e Baú da Felicidade ficou lucrativo, mas ao mesmo tempo muito perigoso financeiramente, o que desagradou um pouco Manoel de Nóbrega, pois ele ainda tinha uma dívida de 5 mil cruzeiros a pagar com o alemão, a quem comprou os primeiros 1 mil baús de brinquedos, além de manter a fama de um deputado respeitado. Silvio, então, tocou a empresa sozinho e pouco tempo depois não só comprou a sociedade de Manoel de Nóbrega, como também pagou a dívida dele com o alemão.

Início na TV

Consagrado na Rádio Nacional, Silvio foi convidado pela TV Paulista para ter um programa noturno: "Vamos brincar de forca". Aproveitando a atração para divulgar o Baú da Felicidade, os dois foram crescendo e os bons índices de audiência chamaram atenção dos diretores da TV Paulista, que o levaram para as tardes de domingo. Nascia, assim, o lendário "Programa Silvio Santos". O sobrenome "Santos" foi escolhido porque "os santos ajudam".

Com o tempo, Silvio passou a ter o seu programa na TV Paulista e outro na TV Tupi. Mesmo com a compra da primeira emissora para a Globo, Silvio continuou com os dois. Na década de 1970, já com o desejo de ter um canal de televisão próprio, mudou sua empresa, a Publicidade Silvio Santos LTDA, que controlava o Baú da Felicidade, para Studios Silvio Santos Cinema e Televisão LDTA, afim de controlar as coberturas jornalísticas, comerciais, programas de TV e até shows em seu nome ou com a sua chancela.

Em 1975, Silvio teve duas grandes vitórias: a compra de 50% das ações da TV Record e o direito de ser o proprietário da TVS, antiga TV Tupi.

O Grupo Silvio Santos

Desde a criação da própria empresa até o império atual, com mais de 30 marcas distribuídas nos ramos de comunicação, capitalização, serviços, mercado financeiro, veículos e seguros, o Grupo Silvio Santos viveu bons e maus momentos.

A grande estrela é, sem dúvida, o SBT, que nasceu em 1981, quando Silvio adquiriu quatro emissoras de TV em Rio de Janeiro, São Paulo, Belém e Porto Alegre. O primeiro grande desafio foi montar uma grade de programação, com 12 horas no ar, exigência do Ministério das Comunicações na época. Numa mistura de notícias, entretenimento e atrações infantis, o Sistema Brasileiro de Televisão foi crescendo, até hoje virar uma das forças da TV aberta.

A principal atração, claro, continua sendo o Programa Silvio Santos, mas outros apresentadores também ganharam espaço, como o próprio Manuel da Nóbrega com o "A praça da alegria", que hoje é "A praça é nossa", do filho Carlos Alberto de Nóbrega; Domingo Legal, com Gugu Liberato; Passa ou Repassa, com Celso Portiolli; Fantasia, com Jaqueline Petkovic; Casos de Família, com Cristina Rocha; entre outros. Muitos desses programas não existem mais ou foram trocados de apresentadores, mas marcaram a grade do SBT.

Além deles, as atrações infantis, com Chaves e Chiquititas, principalmente, fazem a festa de gerações de crianças nas manhãs e tardes da semana. Eu, por exemplo, adorava a TV Cruj, que ficou nos anos 2000.

O Grupo Silvio Santos também tem como marcas a Jequiti, de cosméticos; o hotel Jequitimar, no Guarujá; e a Tele Sena. As lojas do Baú da Felicidade foram vendidas em 2011 para a Magazine Luiza e o Banco Panamericano para o BTG Pactual, também no mesmo ano.

Vida familiar

Silvio Santos casou duas vezes. A primeira esposa foi Maria Aparecida, a Cidinha, que morreu de câncer em 1977, aos 38. Com ela, teve Cíntia e Silvia (adotada). Com Iris, teve Daniela, Receba, Patrícia e Renata.

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Silvio Santos com sua segunda mulher, Iris Abravanel | Foto: Foto: Juan Esteves/Folhapress

Ele ganhou o título de "Cidadão Honorário" do Rio de Janeiro pela Assembleia Legislativa em 1976.

Silvio também gravou marchinhas de carnaval: "A pipa do vovô" e "Coração corintiano", que declara seu amor ao Corinthians, time de coração em São Paulo. No Rio, ele é Fluminense.

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Silvio Santos, na sacada de sua casa no Morumbi, durante coletiva após a libertação de Patrícia | Foto: Caio Guatelli/Folhapress

Em 2001, a filha Patrícia fora sequestrada e, depois de um pagamento de resgate, libertada. Porém, o sequestrador, semanas depois, invadiu a casa do comunicador, o fazendo de refém por horas. O caso ganhou repercussão nacional e o então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, foi a casa de Silvio, no Morumbi, participar das negociações com o criminoso.

Tiago Abravanel, filho de Cíntia, ficou famoso por aparecer no programa Big Brother Brasil, da TV Globo.

Antes de morrer, Silvio dividiu a herança com as filhas, para não dar margem de briga entre elas.