Primeiras respostas para acidente aéreo somente em um mês

Caixas-pretas da aeronave que caiu na sexta-feira estão em Brasília desde sábado

Por Rudolfo Lago

O trágico desenho do avião carbonizado ficou marcado no quintal da casa em Vinhedo

Somente em um mês serão conhecidas as primeiras respostas para o acidente aéreo que, na tarde de sexta-feira (9) vitimou 62 pessoas na cidade de Vinhedo, distante cerca de 70 quilômetros do centro de São Paulo e a cerca de 90 quilômetros do Aeroporto Internacional de Guarulhos, que era seu destino final.

A informação quanto à estimativa para os primeiros resultados foi dada pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) na manhã de domingo (11). Desde sábado (10), as caixas-pretas do ATR-72-500 da companhia Voepass estão no Laboratório de Leitura e Análise de Dados de Gravadores de Voo, em Brasília. São duas as ferramentas que permitem extrair informações sobre o que acontecia no interior da aeronave quando ela perdeu a altitude e começou a estolar (como é chamada a situação em que o avião perde sustentação) até cair no quintal de uma casa em Vinhedo: o gravador de voz da cabine (Cockpit Voice Recorder) e o gravador de dados (Flight Data Recorder). O primeiro registra os diálogos entre a tripulação e com as torres de controle. O segundo, os dados de comportamento da própria aeronave. Os dados prometidos para daqui a um mês, porém, ainda serão preliminares. Em média, essas investigações levam pelo menos dois anos.

Gelo

Embora os dados oficiais não sejam conhecidos, especialistas em aeronáutico indicam que a provável causa do maior acidente da história da aviação brasileira em 17 anos tenha acontecido por acúmulo de gelo nas asas da aeronave.

Nos últimos dias, o país foi atingido por uma frente fria e houve uma queda súbita de temperatura, especialmente no Sul do país. A Rede de Meteorologia do Comando da Aeronáutica tinha emitido um alerta com previsão de formação de gelo severo na região por onde voou o ATR-72-500. O Correio teve acesso a um áudio, compartilhado em um grupo de pilotos no WhatsApp no qual um piloto informava ter pegado muito gelo pouco antes na mesma região. “Até o barulho do avião ficou diferente”, dizia o piloto no áudio.


Aeronaves do porte do bimotor voam em altitudes mais baixas, que ficam mais sujeitas a essa alteração de temperatura e formação de gelo. Têm, porém, um sistema pneumático que aciona uma espécie de borracha que remove o gelo acumulado. Em tese, tal dispositivo deveria ter sido acionado. Além disso, os pilotos podem reportar situações muito adversas, requerer algum desvio ou, pelo comunicar às torres de comando alguma situação de emergência. No caso, nada disso aconteceu. As razões só serão conhecidas ao final da investigação.

O voo

O ATR-72-500 é um avião bimotor turboélice de porte médio, fabricado pela empresa franco-italiana Avións de Transport Régional (ATR). É um avião projetado para voos de Aviação Regional, ligando cidades menores aos grandes aeroportos, como são os voos da Voepass. Pode transportar até 80 passageiros.

Na sexta-feira (9), ele saiu da cidade de Cascavel, no Paraná, levando 62 pessoas, sendo quatro tripulantes e os demais passageiros. Inicialmente, a lista divulgada tinha 61 nomes. Não contava com o nome do representante comercial Constantino Tié Maia, do Rio Grande do Norte, cujo nome só foi divulgado no sábado (10). Segundo a Voepass, ele não estava na lista de passageiros por uma “questão técnica (...) referente às validações de check-in”.

Se Constantino foi a triste inclusão posterior na lista do voo 2283 da Voepass, há também aqueles que escaparam da tragédia. Um empresário, cujo nome não foi identificado, faria conexão em Guarulhos para passar o Dia dos Pais com sua filha em Vitória, capital do Espírito Santo. Chegou no aeroporto dois minutos atrasado. Outro passageiro confundiu-se de companhia, e acabou perdendo o voo. As famílias das vítimas aguardam agora respostas para o que houve.

O avião decolou às 11h56 em Cascavel (PR), com destino ao Aeroporto de Guarulhos (SP). Às 12h23, a aeronave atingiu uma altura de 5 mil metros, e seguiu nessa altitude até as 13h21, quando começou a cair. Um minuto depois, após fazer uma curva brusca, o avião já estava a somente 1.250 metros. Caiu quatro mil metros, a uma velocidade de 440 km/h.

Imagens feitas por moradores mostram o avião sem sustentação, descendo em parafuso, até se estatelar no quintal de uma casa no Condomínio Recanto Florido, na Rua Cristâ de Galo.

Imagens aéreas feitas com drone pela equipe do Corpo de Bombeiros mostram no chão do quintal um triste desenho. A fuselagem e as asas viraram uma marca carbonizada no chão, com a área da cabine um pouco mais preservada.

Em Vinhedo, a tenente do Corpo de Bombeiros Laís Marcatti informou que partes do avião, como os motores e a cauda foram retiradas para uma área mais acessível para que depois os técnicos da Voepass pudessem recolhê-las para perícia.

O que houve?

Embora a tese do acúmulo de gelo seja a causa mais provável, o avião, em tese tinha elementos para se proteger ou desviar da situação. E pilotos experimentados também sabem como se proteger de situações em que o avião entra em processo de stol. Então, o que houve? Terá havido algum problema de manutenção da aeronave? Só as investigações dirão.

Nas suas redes sociais, a jornalista e escritora Daniela Arbex contou que voara no mesmo avião antes, de Ribeirão Preto (SP) até Guarulhos. E, segundo ela, teria havido um problema com o ar-condicionado. “Foi terrível. Um passageiro chegou a tirar a camisa. Outro, que estava uma poltrona a minha frente, sentia muita dor de cabeça. As pessoas se abanavam procurando ar”, iniciou. “Fiquei muito indignada, porque pela terceira vez a aeronave da companhia apresentava problemas tanto no trecho de SP quanto no da conexão pra Minas. Eu e outros passageiros questionamos a aeromoça. A resposta foi de que o ‘ar não funcionava em solo, só no ar’, o que não aconteceu. Da vez anterior, a desculpa é que o ar precisava de manutenção”, relatou ela.

A Voepass passa por problemas financeiros. Chegou a ser cogitada a sua venda para a Latam. Também teve negociações com a Itapemerim, que teve sua falência decretada em 2022. A empresa passou por um processo de reestruturação em 2012, quando tinha uma dívida de R$ 100 milhões. Segundo informações da CNN, chegou a cogitar uma segunda recuperação judicial.

Grandes acidentes aéreos não costumam ter somente uma causa. São consequência de uma série de fatores. Que ainda serão conhecidos