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Congresso Mundial vai debater o futuro do setor hospitalar

Expectativa é que esta edição supere os 1.400 participantes do ano passado, em Lisboa | Foto: Divulgação

De 10 a 12 de setembro, o Rio vai receber o 47º Congresso Mundial de Hospitais (WHC). Promovido pela Federação Internacional de Hospitais (IHF), em parceria com a Federação Brasileira de Hospitais (FBH), o evento reúne executivos do setor de saúde para discussão sobre as melhores práticas em liderança e gestão da prestação de cuidados de saúde. O Congresso atrai mais de 1.400 participantes de mais de 70 países por edição. Esta será a segunda vez que o Rio recebe o WHC, realizado pela última vez em 2009. Em entrevista ao Correio, o CEO da IHF, Ronald Lavater, e o presidente da FBH, Adelvânio Franscisco Morato adiantam o que esperar do congresso e fazem uma análise da transformação do setor de saúde desde a primeira edição do evento no Brasil.

Por que o Rio foi escolhido para sediar o congresso depois de 15 anos?

Lavater - O Congresso Mundial de Hospitais da IHF é realizado em uma cidade diferente a cada ano. Isto dá à nossa comunidade de executivos de saúde a oportunidade de aprender sobre grandes inovações em práticas de liderança em outras regiões e de aumentar a sua rede com pares com os quais, de outra forma, nunca se conectaram. Esta é a segunda vez que o Congresso é realizado no Rio. Foi um enorme sucesso em 2009 e nossos participantes tiveram uma experiência muito positiva da cultura brasileira, bem como do excelente programa de aprendizagem, por isso temos certeza de que será um prazer voltar novamente este ano.

O que representa para o Brasil receber novamente o congresso?

Morato - Acreditamos que o retorno do Congresso ao Rio de Janeiro tem potencial para um impacto de amplo alcance não apenas no Brasil, mas em todo o continente. Em janeiro de 2024, a IHF anunciou que havia assinado um acordo de cooperação técnica com a OPAS/OMS para empreender iniciativas de trabalho conjunto que se concentram em três objetivos principais: apoiar o desenvolvimento de competências de gestão hospitalar nas Américas; moldar o futuro da gestão, sistemas e processos hospitalares; e liderar a transformação para cuidados de saúde líquidos zero, resilientes às alterações climáticas e sustentáveis. Estamos muito otimistas de que o Congresso apresentará muitas oportunidades para levar esta colaboração adiante de forma significativa para hospitais e prestadores de cuidados de saúde em toda a América Latina.

Quais foram as principais transformações no setor hospitalar nesses 15 anos?

Lavater - O setor hospitalar passa por mudanças rápidas e exige continuamente que os líderes de saúde desenvolvam as suas competências e garantam que o serviço que prestam satisfaz melhor as necessidades das comunidades que servem. Tenho mais de 25 anos de experiência liderando hospitais e empresas de saúde nos EUA, no Oriente Médio e na Ásia, por isso tenho visto muitas transformações em contextos muito diversos. Nos últimos 15 anos, o setor hospitalar passou por transformações significativas. Uma das mais importantes foi a integração de tecnologias digitais de saúde, como a telemedicina e a inteligência artificial, que revolucionaram a forma como os cuidados são prestados e geridos. Para acompanhar estas mudanças, a IHF criou grupos de interesses especiais, que se reúnem para trocar ideias sobre questões-chave da atualidade. Neste momento, estão centrados na telessaúde (trabalhando com o Apollo Hospitals Group, India), big data (em parceria com a Vizient) e na necessidade de igualdade de género na liderança (colaborando com Alumni Global).

Morato - Desde a realização do último congresso no Brasil, há 15 anos, o setor de saúde global passou por grandes transformações que também impactaram diretamente o Brasil. Além dos avanços tecnológicos, como a digitalização e a telemedicina, que facilitaram o acesso a cuidados médicos, especialmente em áreas remotas, o foco na saúde preventiva ganhou força, promovendo estilos de vida saudáveis e a importância das campanhas de vacinação. Além disso, o acelerado envelhecimento populacional também tem exigido adaptações nos sistemas de saúde, aumentando a demanda por cuidados geriátricos e gestão de doenças crônicas. Por outro lado, a desigualdade no acesso aos serviços de saúde continua sendo uma questão crítica, especialmente em regiões mais vulneráveis aqui em nosso país. Outra coisa que não podemos esquecer são os aprendizados da pandemia, que destacou a importância da resiliência e da preparação dos sistemas para emergências de saúde pública, levando a uma revisão das estratégias de resposta em muitos países, incluindo o Brasil.

Como você avalia o modelo de saúde no Brasil? Temos um sistema de saúde público universal, mas os seguros de saúde também desempenham um papel importante, pois prestam cuidados a 25% da população.

Lavater - A partir do nosso entendimento e discussões com nossos membros brasileiros, o modelo de saúde do Brasil se destaca como uma combinação única e complexa de saúde universal que é complementada por um setor de saúde privado robusto, que presta cuidados a 25% da população. O Brasil obteve progressos significativos na saúde pública, especialmente em áreas como imunização, saúde materna e combate a doenças infecciosas. Os desafios e oportunidades comuns para os sistemas de saúde em todo o mundo também são relevantes para a prestação de serviços no Brasil, como a falta de recursos, a escassez de mão de obra, a digitalização e a inovação tecnológica, e o impacto das mudanças climáticas.

É positivo considerar que embora o modelo de saúde do Brasil tenha seus desafios, ele também possui um potencial significativo de crescimento e inovação. Além disso, o Brasil estará no centro do diálogo internacional com a Cúpula do G20 que será realizada lá em julho de 2024, e a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30) sediada pelo Brasil em 2025. Sem dúvida, muitas discussões importantes relacionadas à saúde ocorrerão. Aí se colocam e destacam a liderança dos países emergentes.

Aliás, ambos os modelos enfrentam sérios problemas no Brasil. Em muitas cidades, a saúde pública não consegue atender à demanda, enquanto os planos de saúde registram prejuízos nos últimos anos. Qual deve ser o futuro da saúde em termos de modelo?

Morato - A FBH tem defendido uma participação mais efetiva da rede privada, com toda a sua expertise e know how, na promoção da assistência à saúde prestada à população brasileira. Sabemos que, além da necessidade de mais aportes financeiros no setor, a qualificação da gestão ainda é um longo desafio. Somos um país de dimensões continentais, que enfrenta graves discrepâncias socioeconômicas, que se refletem também na oferta e qualidade dos serviços disponíveis para a população. Algumas pautas têm conseguido avançar no Congresso Nacional, com a tramitação de importantes projetos voltados a oxigenar o setor e, sobretudo, dar uma sobrevida aos hospitais de pequeno porte, que são os que mais sofrem com dificuldades financeiras. No Brasil, 70% da rede hospitalar privada é composta por esses hospitais, com até 50 leitos, e uma guinada no setor, certamente, passa por um olhar mais atencioso do poder público com esses estabelecimentos.

Qual o impacto que a situação social de um país tem nos resultados de um hospital? No Brasil, por exemplo, os hospitais enfrentam diariamente doenças causadas pelo fato de quase 100 milhões de pessoas não terem acesso à coleta de esgoto e 35 milhões viverem sem água tratada.

Lavater - O nível de resiliência que cada país ou região consegue construir é certamente um elemento do desempenho de um hospital. As questões de saúde pública e os surtos de doenças são, obviamente, um fator significativo no nível de exigência a que um sistema de saúde será submetido. É evidente que as medidas de promoção e prevenção da saúde podem reduzir a carga sobre os hospitais, o que é muito necessário à medida que a população mundial aumenta e a escassez de mão-de-obra persiste. No entanto, o contexto em que o sistema de saúde está situado significa que os países têm prioridades de promoção e prevenção da saúde muito diferentes, e estas têm impacto no desempenho dos sistemas de prestação de cuidados. Este ano, a IHF e o seu Centro de Sustentabilidade de Genebra iniciaram uma iniciativa especificamente para captar as ideias do setor sobre como será o futuro dos hospitais e dos seus sistemas de saúde. Através de uma série de mergulhos técnicos, as discussões abrangem tópicos que incluem o desenvolvimento da força de trabalho, a mobilização de recursos e o acesso ao financiamento, bem como a sustentabilidade ambiental. E no Congresso no Rio, a próxima sessão desta série irá explorar o que uma qualidade sustentável de cuidados irá exigir. Esta iniciativa concentra a ação em locais onde os hospitais e os sistemas de saúde têm poucos recursos - onde os cuidados são prestados em contextos vulneráveis - e uma vez realizados todos os intercâmbios técnicos, a iniciativa e as suas organizações parceiras poderão identificar os próximos passos.

Seja na saúde privada ou pública, os custos são um desafio global. Que soluções foram encontradas para que os hospitais permaneçam sustentáveis, sem comprometer a qualidade dos cuidados?

Morato - Diversas soluções vêm sendo testadas e implementadas nos últimos anos pelo mundo. A gestão eficiente de recursos, por meio de sistemas que otimizam o uso de insumos e pessoal, é essencial para reduzir desperdícios, que é um dos maiores desafios gerenciais do setor. A telemedicina tem se mostrado uma alternativa eficaz, ampliando o acesso a cuidados médicos e diminuindo custos operacionais. Programas de prevenção são fundamentais para reduzir a incidência de doenças, enquanto parcerias público-privadas permitem a troca de recursos e expertise. Além disso, o investimento em educação, capacitação e formação de líderes melhora a qualidade do atendimento e a produtividade no setor. Também não podemos esquecer que a adoção de modelos de pagamento baseados em valor, já bastante utilizada mundo afora, incentiva a qualidade do atendimento, promovendo uma abordagem centrada no paciente.

Inovação é um tema que pretende ser debatido no Congresso. E um ponto importante é a incorporação de novas tecnologias, Contudo, o custo é elevado, especialmente para países fora da Europa-Estados Unidos, uma vez que grande parte dos insumos e tecnologias são normalmente produzidos nestes países. Há necessidade de tornar mais países produtores de equipamentos médicos e hospitalares?

Lavater - A inovação será um tema central durante todo o Congresso. E não apenas durante o Congresso. Em 2023 lançamos o i-to-i Innovation Hub no 46º Congresso Mundial de Hospitais em Lisboa, Portugal. Este Hub destaca produtos, processos ou serviços exclusivos que abordam desafios específicos em ambientes de saúde. No nosso Congresso, os participantes podem visitar o Hub para explorar as inovações e conhecer os inovadores. A oportunidade de networking facilita a aprendizagem partilhada para além da própria tecnologia, como a gestão da mudança, a medição do impacto e a superação de obstáculos.

Embora seja difícil dizer com certeza se mais países precisam de se tornar produtores de equipamento médico e hospitalar, é claro que, quando se trata de excelência, as experiências de ambientes com menos recursos são tão valiosas como as de ambientes com mais recursos. No Congresso de Lisboa, fomos testemunhas da liderança transformadora e práticas de sustentabilidade partilhadas por oradores das Américas e de países africanos que deixaram uma impressão duradoura. E, como também aprendemos no Hub de Inovação do ano passado, por vezes as soluções com poucos recursos e baixas emissões de carbono são as mais adequadas para implementação em todo o mundo.

Explorar o potencial de mais países se tornarem produtores de equipamentos médicos e hospitalares poderia ser um caminho a percorrer. De qualquer forma, é uma área que vale a pena investigar mais a fundo para compreender as oportunidades e os desafios envolvidos.

A transformação digital no mundo é uma realidade, mas existem desafios no setor hospitalar, principalmente pela questão da cibersegurança. Existem histórias de ataques cibernéticos a hospitais. Como podemos avançar neste processo com segurança?

Morato - Esse é um tema que a FBH vem tratando com atenção há pelo menos cinco anos, quando lançamos, de forma pioneira no setor, o 'Guia LGPD para gestores hospitalares'. A publicação explica o funcionamento da nova legislação, alertando e ensinando gestores como proceder para garantir um ambiente virtual seguro, assegurar a privacidade de pacientes e colaboradores, além de prevenir possíveis falhas. Desde então, este também vem sendo um tema muito explorado em capacitações, palestras e encontros promovidos pela FBH.

Como já mencionado, a incorporação da IA na saúde é um tema que estará presente no Congresso. Já existem exemplos de como ele tem sido utilizado para auxiliar no diagnóstico. Contudo existe o receio de que isso possa levar a uma perda de humanização na relação com o paciente. Como equilibrar esse processo?

Morato - É fundamental que a abordagem seja centrada no paciente, de modo que a tecnologia seja um complemento, e não uma substituição. A IA pode otimizar processos, como a análise de dados e diagnósticos, permitindo que os profissionais de saúde tenham mais tempo para se dedicar ao atendimento e à comunicação com os pacientes. Além disso, como toda tecnologia disruptiva, ela também exige uma preparação de quem a utiliza. É crucial que os profissionais sejam treinados para integrar a IA de forma que enriqueça a experiência do paciente, criando um ambiente de transparência e confiança.

O Congresso procura debater a realidade atual do setor hospitalar, bem como as suas perspectivas. E o que podemos esperar do setor daqui a 15 anos?

Lavater - Como o setor hospitalar está em constante evolução, não há dúvida de que nos próximos 15 anos também sofrerá mudanças significativas. Na IHF, acreditamos firmemente que os esforços de sustentabilidade se tornarão um foco central no sector da saúde. Podemos esperar uma adoção generalizada de iniciativas como tecnologias de eficiência energética e sistemas sustentáveis de gestão de resíduos. Esperemos que o foco passe da redução da pegada de carbono para a criação de sistemas de saúde que sejam resilientes e sustentáveis a longo prazo. A ascensão da inteligência artificial (IA) permitirá diagnósticos mais precisos, análises preditivas e planos de tratamento personalizados. Os hospitais integrarão cada vez mais insights de big data para melhorar a tomada de decisões e agilizar as operações. Também podemos esperar que a telemedicina continue a crescer e a transformar o setor, permitindo que os pacientes recebam cuidados sem necessidade de irem a um hospital. As discussões e intercâmbios no Congresso serão cruciais para moldar este futuro, à medida que os líderes da saúde se reúnem para explorar estas tendências, partilhar melhores práticas e desenvolver estratégias que guiarão o sector nos próximos anos.