'A última ABAV Expo em Brasília ocorreu exatamente no atentado do 11 de setembro de 2001'
O jornalista Cláudio Magnavita resgata como foi a realização da feira em pleno atentado às torres gêmeas e fala sobre a importância histórica da ABAV
O jornalista Cláudio Magnavita resgata como foi a realização da feira em pleno atentado às torres gêmeas e fala sobre a importância histórica da ABAV
Sérgio Nery - O dia 27 de setembro é Dia Mundial do Turismo, agora em 2024 nós temos o que comemorar?
Claudio Magnavita - Essa é uma data que merece sempre uma reflexão. Em todo o dia 27 de setembro, o Papa João Paulo II publicava, através da pastoral do turismo do Vaticano, um texto denso sobre o setor, a sua importância para a paz mundial e o entendimento dos povos. Estes textos estão disponíveis, inclusive em português, no site do Vaticano e estão muito atuais. Fico pensando... o que escreveria João Paulo II com o cenário internacional que vivemos hoje? A guerra entre Ucrânia e Rússia atinge um patamar extremamente perigoso e imprevisível. De um lado a OTAN, cada vez mais envolvida no conflito, e no outro, uma potência nuclear que está sendo atacada na capital.
No Oriente Médio existe também um cenário imprevisível com os rumos da guerra que colocaram Israel como centro de um conflito com vários países islâmicos. Este cenário pode trazer consequências ainda mais graves e impactar no turismo. Por exemplo, o turismo religioso com destino à Terra Santa está vivendo os níveis mais baixos. Um acirramento do conflito pode impactar no preço do petróleo. É um cenário preocupante, mas que pode significar também uma oportunidade para o turismo doméstico no Brasil, para um país de dimensões continentais como o nosso.
Sérgio Nery - Você não está sendo pessimista? As previsões da Organização Mundial do Turismo apontam um crescimento da atividade no mundo.
Claudio Magnavita - É só analisar os números que a OMT aponta como favoráveis: o turismo de curta distância e entre eixos não específicos. Portugal é um exemplo. Na última Feira da ABAV realizada em Brasília vivemos o primeiro grande momento de crise planetária que antecedeu a pandemia.
Sérgio Nery - Você está se referindo ao atentado de 11 de setembro de 2001?
Claudio Magnavita - Exatamente. A mente humana tende apagar da memória fatos que demonstram a nossa fragilidade. Há 22 anos, a abertura da Feira ocorreu exatamente um dia depois do atentado. Lembro que naquele 11 de setembro eu estava vindo para Brasília em um voo da RioSul, que saía do Santos Dumont ao meio dia, horas depois do atentado. Imagina assistir aquilo tudo pela TV e se dirigir para o aeroporto para embarcar. Naquele voo, tive a companhia de Caio Luís de Carvalho, que era presidente da Embratur do Governo Fernando Henrique. Quase ninguém falava. Emoção pura e ligávamos para as pessoas para saber o que estava ocorrendo.
A tecnologia disponível não permitia vídeo e tv ao vivo no celular. Eu passei o voo inteiro olhando para as nuvens através da janela da Embraer e questionando que mundo estava nascendo naquele dia.
Sérgio Nery - Nesta ABAV, quase ninguém lembrou disso da feira de 2001…
Claudio Magnavita - Imagina todo o setor do turismo reunido como agora e em uma semana de festa o clima era de incerteza. Lembro que a delegação norte-americana era enorme, coordenada por Antônio Carlos Carbone, da ACC Tours de Miami. As notícias que chegavam eram avassaladoras. Toda a aviação americana no chão. Atenções de segurança relacionadas ao setor aéreo em todo o mundo. Voos internacionais cancelados e o mundo em choque. Recordo que o então presidente nacional da ABAV, Goiaci Alves Guimarães, conduziu de forma brilhante estes dias. Junto com Leonel Rossi, que cuidava da área internacional da Associação, houve um cuidado especial para acalentar a delegação norte-americana, que ganhou um discreto esquema de proteção. Os presidentes das empresas aéreas fizeram reuniões para discutir o novo cenário. O mundo colapsava em plena feira da ABAV em Brasília. A vantagem é que estávamos todos juntos do poder central e as informações fluíam mais rápido.
Sérgio Nery - Mas o turismo superou aquele 11 de setembro…
Claudio Magnavita - Superou, mas demorou. Foram meses de incertezas. Viagens canceladas, esquema de segurança sendo implantado de forma emergencial, que incluía seguranças armados a bordo de voo e portas blindadas nas cabines de comando. Surgiu um novo normal com inspeções rigorosas nos aeroportos e análises dos históricos dos passageiros, além de um novo sistema de triagem e emissões de vistos para os Estados Unidos. Lembro que foi um ano em que todas as empresas brasileiras possuíam voos para os Estados Unidos: Varig, Vasp, Transbrasil e TAM. Foi um impacto na saúde das áreas brasileiras. Nas Américas tiveram ajuda pública e aqui eles foram abandonadas à própria sorte. Foi um golpe mortal para elas.
Sérgio Nery- Não foram só as aéreas que sofreram. O impacto foi em toda a indústria…
Claudio Magnavita - Na ABAV de Brasília de 2001, os líderes da feira souberam se preparar. Sob o comando de Goiaci, foi traçado uma situação de emergência que envolveu o repatriamento dos passageiros que ficaram retidos nos Estados Unidos, sem voo para regressar. Lembro que Valter Patriani e Guilherme Paulus, da CVC, montaram um plano de contingência com as áreas que previam prorrogação de estadia em hotéis, repatriamento via México ou Canadá. Eram milhares de brasileiros nos Estados Unidos querendo retornar. Todas as companhias brasileiras voavam para diferentes destinos norte-americanos. O que seria uma feira para vendas virou uma mobilização de contingência de todo o setor. Nos meses seguintes, esta mobilização continuou e houve uma reprogramação de viagens canceladas. Foi um efeito dominó que afetou todo o setor.
Sérgio Nery- A ABAV teve um papel importante no 11 de setembro e para reacomodar o mercado?
Claudio Magnavita - A Associação Brasileira de Agentes de Viagens, a nossa ABAV, sempre foi a entidade que centralizava os grandes pleitos do turismo. Não existia a representação das entidades no Conselho Nacional. Era na ABAV que todos se encontravam e os setores criavam uma agenda comum. O discurso do presidente da associação na solenidade de abertura era temido pelas autoridades. Modesto Mastrorosa, Goiaci Alves Guimarães e Tasso Gadzanis eram os porta-vozes de todo o setor. Na feira, Isa Garbin, diretora executiva da ABAV, entendia este papel e todas as entidades recebiam gratuitamente espaço para seu estande. Foi o embrião do Conselho Nacional de Turismo, de certa forma. Ao fixar as suas edições no Rio, foi construída uma grande mesa para a solenidade de abertura com 32 lugares. Todas as entidades significativas do turismo, inclusive a Abrajet quando eu a presidi nacionalmente, era chamada para ter o seu assento nesta mesa, que por várias vezes teve a presença de presidentes da República.
Sérgio Nery- A Feira perdeu este papel institucional?
Claudio Magnavita - Considero que ele está retornando. A pandemia afetou muito a concepção da Feira e do Congresso. Havia uma curadoria para grandes palestras e capacitação que iam além do agente de viagem, mas para todos os setores do turismo. O papel político também foi sendo reduzido pelo aumento da dependência financeira da feira, dos patrocinadores oficiais e do próprio Ministério do Turismo. O caráter comercial passou a ser absoluto. A feira era uma fonte de recurso que fortalecia a entidade. A grande ruptura foi quando a GL assumiu a organização da ABAV e na sequência lançou a WTM Latin American, com tudo que aprendeu.
Acompanho a Feira/Congresso desde a edição de Blumenau. Acompanhei a sua interinidade. Ela mobilizava toda a cidade que a sediava. Não era visto com evento fim, mas evento meio. Na edição de 2001, Brasília parou para receber a ABAV. Foi assim em Porto Alegre, nas edições da Bahia, Fortaleza e na fixação do Rio.
Sérgio Nery - Qual a sua visão do futuro da ABAV?
Claudio Magnavita - A ABAV Expo em Brasília ganhou um fôlego maior. O papel da ex-presidente Magda Nassar foi fundamental. Ela montou a base e a nova presidente Ana Carolina Medeiros está criando uma nova etapa. Considero importante trazer para a ABAV Expo um grande congresso do turismo brasileiro. Precisamos valorizar uma feira que é de todos nós. O papel relevante que a edição de 2001 teve em pleno 11 de setembro pode ser um referencial de quanto o turismo brasileiro deve a este evento anual do nosso setor. É só resgatar o DNA original da ABAV que está bem vivo. Neste 27 de setembro, Dia Mundial do Turismo, uma feliz coincidência da ABAV em Brasília, pode ser a base da retomada.