Recall de veículos gera debate sobre direitos

Acidente fatal destaca responsabilidades da montadora e do proprietário

Por Mateus Lincoln

Casos de recall no airbag podem gerar ressarcimento às vítimas

Na semana passada, um acidente trágico na Avenida das Jaqueiras, em Brasília, resultou na morte da assistente social Marcela Gonçalves Feitosa de Melo, de 37 anos. O carro que ela dirigia, um modelo Toyota/Etios, colidiu com a traseira de um HB20 que parou na faixa para a travessia de um pedestre. Segundo o delegado-chefe da 3ª Delegacia de Polícia do Cruzeiro, Victor Dan, as investigações preliminares indicam que a vítima sofreu uma lesão fatal, com a cervical perfurada por um projétil supostamente expelido durante o acionamento do airbag.

Esse caso levanta questões importantes sobre a segurança dos sistemas de airbag em veículos e a responsabilidade das montadoras em comunicar recalls. O ocorrido fez surgir uma preocupação crescente em relação aos veículos que ainda não passaram por recalls e os direitos das famílias afetadas por falhas de segurança.

Responsabilidade

A situação envolvendo o acidente de Marcela destaca a importância da comunicação de recall por parte das montadoras e os direitos das vítimas em casos de acidentes relacionados a problemas nos veículos. A jurista e mestre em Direito Juliana Tesolin, professora da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB), esclarece que, mesmo quando há comunicação de recall, a montadora pode ser responsabilizada por danos ou mortes, dependendo de alguns fatores.

“A empresa pode ser imputada se a comunicação do recall não for suficientemente ampla ou clara para atingir todos os consumidores afetados. Se o recall não for realizado de forma tempestiva, colocando em risco os consumidores, ou se o defeito for de natureza grave e o recall não for suficiente para evitar danos”, afirmou.

Risco

Por outro lado, se a comunicação foi clara e houve tempo hábil para o proprietário atender ao chamado, mas ele não fez o reparo, a situação se complica. Nesse caso, segundo Tesolin, a empresa pode argumentar que o proprietário assumiu o risco de continuar utilizando o veículo defeituoso, dificultando a concessão de indenização.

“A indenização pode ser buscada com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC), que garante proteção contra defeitos de produtos, independentemente da culpa da empresa, nos casos de acidentes de consumo. Se ficar provado que houve falha no recall ou na comunicação, isso pode fortalecer o direito da família à indenização por danos materiais e morais”, destacou a jurista.

Se a análise indicar que a comunicação do recall foi adequada e que houve negligência do proprietário em atender ao chamado, a montadora pode não ser responsabilizada. Neste cenário, ainda de acordo com a professora, algumas opções são:

Verificar se houve falha por parte do fabricante na comunicação do recall, como problemas no envio de correspondências ou mensagens; consultar um advogado especializado para avaliar a possibilidade de ingressar com uma ação judicial baseada em outros elementos, como falhas no próprio processo de recall.

“Caso a indenização seja negada judicialmente, a família pode tentar uma negociação com a montadora, expondo o impacto emocional e financeiro da perda, buscando um acordo extrajudicial. Em todos os casos, é importante reunir documentos relevantes, como a comunicação do recall, registros de manutenção do veículo e, se possível, laudos técnicos sobre o defeito e o acidente”, orientou Tesolin.

Repercussão

O deputado distrital Max Maciel (PSol) também se manifestou sobre a questão na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) em sessão realizada quinta-feira (3). Ele alertou que existem mais de 2,5 milhões de veículos no Brasil que ainda têm recalls pendentes, especialmente com problemas nos airbags, um fato alarmante após o acidente com Marcela.

O deputado enfatizou a necessidade de conscientização da população sobre a importância de verificar se os veículos estão sujeitos a recalls e as implicações de não atender a esses chamados. "Estamos chamando a atenção de toda a população do DF para essa realidade. Precisamos pedir ao Detran para fazer um levantamento dos veículos que não realizaram os recalls, que tiveram chamadas desde 2010”, disse.

Max Maciel também destacou que, muitas vezes, a venda de veículos pode resultar em falhas na atualização dos dados de contato dos proprietários, dificultando o recebimento de comunicações sobre recalls. "Se você possui um veículo do ano de 2006 até 2017, que possa estar envolvido com a marca Takata, vá ao site do Sinatran e verifique se o seu carro precisa de reparos. A troca é gratuita e deve ser realizada em uma concessionária autorizada", completou.

A montadora

A Toyota se manifestou oficialmente sobre o acidente, expressando solidariedade à família de Marcela e lamentando a ocorrência. Em nota divulgada à imprensa, foi informado que o veículo da assistente social estava com uma campanha de recall pendente desde 2019 e que, para fornecer mais informações, seria necessária uma perícia técnica.

A Toyota recomendou que os proprietários de veículos verifiquem se seus carros estão envolvidos na campanha de recall através do site da empresa ou pelo Toyota Assistência 24 horas, disponível pelo telefone 0800 703 0206. Caso o veículo esteja listado, a empresa orientou que o proprietário entre em contato com a Rede de Concessionárias Toyota para agendar o serviço, que consiste na substituição do deflagrador do airbag e é realizado gratuitamente, com duração estimada de até uma hora.