O som que sai de um incêndio

Paulinho Moska se apresenta com instrumentos feitos com restos da madeira queimada do Museu Nacional

Por Thamiris Azevedo

Moska se apresentou com o violão feito com a madeira do incêndio

Eles já foram a porta do palácio que serviu de residência para a família real brasileira na Quinta da Boa Vista no Rio de Janeiro. Depois, viram por ali passar milhares de visitantes que iam conhecer o belíssimo acervo do que se tornou o Museu Nacional, no Rio de Janeiro.

No domingo (27), os violões, um bandolim e um cavaquinho que acompanhavam o show do artista carioca Paulinho Moska contavam essa história centenária a cada nota que emitiam. Os instrumentos utilizados por Moska na sua apresentação no Festival Clube do Choro, no tradicional palco brasiliense, foram feitos com restos da madeira queimada no incêndio que destruiu o Museu Nacional, no dia 2 de setembro de 2018.

No festival, Paulinho Moska cantou sucessos como A Seta e o Alvo, Idade do Céu e Pensando em você. Acompanhado de seus dois violões, lotou a casa de show que é patrimônio e monumento de Brasília, e que já recebeu para um show intimista o beatle Paul McCartney.

Em entrevista exclusiva ao Correio da Manhã, Moska conta que, desde a primeira vez em que se apresentou em Brasília, seus shows sempre tiveram a venda esgotada.

“Eu estava no segundo disco da minha carreira solo, em 1995, e me surpreendi com a notícia. Fui descobrindo que o público brasiliense é o mais brasileiro de todos, porque tem gente de toda parte do país vivendo na cidade. Brasília é o sonho de um centro de equilíbrio ainda em construção”.

O som da madeira queimada

Logo no início do show, foi exibido um documentário sobre o incêndio que consumiu o maior acervo histórico do Brasil, que continha 20 milhões de itens, no Museu Nacional que fica no Paço de São Cristóvão do Rio de Janeiro. O curta mostra o estrago e os esforços dos bombeiros na coleta do que foi destruído em 2 de setembro de 2018.

Um personagem se destaca no filme, Trata-se do bombeiro Davi Lopes que, naquele dia, combateu o fogo no palácio histórico. Mas Davi Lopes é também luthier, ou seja, ele fabrica instrumentos. Davi Lopes colheu, então, as madeiras queimadas que não teriam mais utilidade para a restauração do museu e, desse material, o luthier construiu diversos instrumentos musicais.

Segundo informações do Corpo de Bombeiros Militar do Rio de Janeiro, o bombeiro músico transformou restos da porta da bilheteria, de jacarandá, em violões, um bandolim e um cavaquinho. Partes de uma viga que originalmente ficava no quarto que foi o aposento de D. Pedro II, também virou instrumentos.

Paulinho Moska apresentou com orgulho, assim que entrou no show, os instrumentos feitos das cinzas da História. Ressaltou a importância da renovação em seus dois violões extraídos do incêndio como símbolo dessa reconstrução constante.

Quem é Paulinho

Paulo Corrêa de Araujo, nasceu no Rio de Janeiro e tem 57 anos. É cantor, ator, compositor, produtor e poeta. Caçula de quatro irmãos, formou-se na Casa das Artes de Laranjeiras, em 1984, e começou sua carreira no teatro e no cinema.

Participou dos filmes “A Cor do seu Destino” (1986), “Um Trem para as Estrelas” (1988), “O Mistério no Colégio Brasil” (1988), “Kuarup” (1989) e “O Homem do Ano” (2003). Após pausa na atuação, em 2013 voltou às telas em “Minutos Atrás”.

Mas seu ofício é a música. Questionado se deixou de ser ator, Paulinho disse ao Correio que nunca se deixa de ser ator.

“Me formar em Artes Cênicas foi fundamental para entender como me comportar em um palco, seja atuando em um espetáculo teatral ou em um show musical. Ninguém deixa de ser ator porque não está trabalhando com atuação. O que aprendi na escola de teatro me fundamentou como ser humano e artista”.

“A música sempre me acompanhou, desde a minha adolescência comecei a tocar violão e compor minhas próprias canções. Eu sou como a cobra Ouroboros, me alimento da minha curiosidade e todas as minhas práticas artísticas se comunicam e se potencializam”, diz ele, comparando-se a esse símbolo da mitologia grega: a cobra Ouroboros aparece simbolizada sempre em um círculo, mordendo seu próprio rabo, como um animal que se alimenta de si mesmo. Esse processo, diz Moska ao Correio, é que ajudam seu aperfeiçoamento. “Melhoram minha vontade de melhorar em tudo. Longe de querer ser melhor que os outros, só desejo ser melhor que eu mesmo”, completa.

Zoombido

O cantor protagonizou, durante nove anos, o programa Zoombido no Canal Brasil. Recebeu mais de 240 artistas. Em um cenário que se compunha em uma sala de espelhos, Moska entrevistava e cantava versões exclusivas, cada um com seu próprio instrumento, com os artistas convidados.

O compositor se destaca na cena da Música Popular Brasileira com suas canções existencialistas e românticas. Esteve em trilhas sonoras de novelas como “Da Cor do Pecado”, “Fim do Mundo”, “Malhação” e outras.

“Fui uma criança colecionadora de tudo, selos, moedas, figurinhas, maços de cigarros, caixas de fósforos, chaveiros, pedras, placas, revistas, foto… Apesar desse excesso de objetos, sempre fui muito organizado e catalogava tudo, observando os detalhes de cada item e me deixando levar para onde eles me indicassem. Na adolescência, comecei a escutar todo tipo de música, porque eu tenho irmãos mais velhos que tinham gostos musicais bem distintos e fui crescendo nessa diversidade. Na vida adulta me deparei com a Filosofia, História da Arte e com os quadrinhos. Acho que sempre tive um olhar poético em construção e privilegiei mais o afeto que o intelecto, valorizando mais o sentido ao invés do significado. Não aceitei o mundo do jeito que me foi apresentado, tive que inventar o meu”.

“Moska”
Paulinho responde que seu nome artístico veio de um apelido de escola. 

“O meu apelido vem da escola, quando eu tinha 15 anos e comecei a fazer teatro. Um dia, num exercício de improviso no palco, eu imitei uma mosca que os amigos adoraram e tive de repetir a "careta" por muitos dias. O Paulinho que fazia a mosca virou Moska. “Nos primeiros festivais de música intercolegiais, meus amigos levaram cartazes para torcer por mim e neles estava escrito meu apelido. Acabou ficando assim”.

“É tudo Novo de Novo”?

Questionado, em referência a sua música de sucesso, ele afirma que é tudo novo de novo. “Sempre. A vida é feita de ineditismo, os dias nunca se repetem. Cada instante é único e efêmero. O mundo está mudando desde que nasceu, há bilhões de anos. E se a natureza se transforma o tempo todo, por que nossa rápida existência não seria também um processo de mutação constante? O tempo, que é a matéria prima da vida, nos ensina que nada é fixo, nada é estável. Então eu pretendo continuar surfando entre a memória e o sonho, entre o passado e futuro no presente mutante.”

“E se hoje fosse o Último dia”?

Música de sucesso do Pop Rock brasileiro, Paulinho respondeu à pergunta que também está na primeira estrofe da música Último Dia.

“Hoje é o último dia em si. Amanhã será outro dia inédito e último em si mesmo também. Longe de se desesperar com a possibilidade do fim, essa referida canção e esse pensamento deve nos estimular a recomeçar sempre. Viver e pensar assim fez com que eu buscasse a cada instante minha alegria de estar no mundo. Ninguém sabe o dia que vai morrer. Melhor viver criativamente enquanto é possível”.