Uma notícia sobre o uso excessivo de descongestionantes nasais ganhou destaque nas redes sociais após ser publicada pelo site “O Tempo”. No final do mês passado, reportagem trouxe detalhes de uma entrevista exclusiva ao jornal britânico “Daily Star” com Curtis Arnold-Harmer, de 28 anos, que chegou a usar xilometazolina, um vasoconstritor nasal, até 50 vezes por dia. Após um resfriado, Harmer continuou o uso para aliviar o nariz entupido, mas desenvolveu dependência e sofreu “efeito rebote”, reação comum em casos de uso prolongado. Segundo seu médico, o nariz de Harmer ficou com características de “usuário crônico de cocaína por sete anos”.
Milena Veras, 24, assim como o britânico da entrevista, também se viu viciada no uso de soluções nasais sempre que sentia o nariz entupido. Ela conta que, a rápida sensação de alívio era um atrativo. “Não tenho mais o hábito de usar com tanta frequência e, só recorro ao remédio, quando se torna impossível de respirar pelas narinas”, reconheceu em conversa ao Correio da Manhã.
Os descongestionantes nasais, especialmente aqueles que contêm vasoconstrictores, são amplamente usados para aliviar a congestão nasal em casos de resfriados ou alergias. No entanto, segundo a médica otorrinolaringologista e cirurgiã craniofacial Marcela Suman, o uso indiscriminado desses medicamentos pode causar efeitos graves à saúde.
“Remédios desse tipo atuam ao contrair os vasos sanguíneos nasais, diminuindo o fluxo de sangue e reduzindo o inchaço, o que gera a sensação de alívio na congestão nasal. No entanto, quando utilizados por períodos prolongados ou em doses superiores às recomendadas, os vasoconstrictores nasais apresentam riscos elevados, incluindo dependência e efeitos colaterais sistêmicos”, afirma Suman.
A médica explica que esses medicamentos devem ser usados com cautela e sempre por períodos curtos, geralmente de até cinco dias e, preferencialmente, com orientação de um profissional de saúde. O uso inadequado desses descongestionantes pode levar ao desenvolvimento de uma condição chamada rinite medicamentosa, em que a mucosa nasal perde sua função de filtrar, aquecer e umidificar o ar.
“Esse quadro ocorre porque o uso contínuo dos vasoconstrictores afeta a estrutura da mucosa, gerando morte celular e prejudicando as funções naturais do nariz”, ela comenta. Suman enfatiza que, ao fechar os vasos sanguíneos, esses medicamentos interrompem a oxigenação e a nutrição das células nasais, o que leva ao surgimento de alterações na mucosa, como o endurecimento do tecido e a perda de capacidade de percepção da passagem do ar.
Efeitos
A dependência química desses medicamentos também é um problema sério. Segundo a especialista, o uso contínuo e repetido dos vasoconstrictores leva ao chamado efeito de taquifilaxia, em que o paciente percebe uma diminuição na eficácia do medicamento ao longo do tempo. Como resposta, muitos acabam aumentando a dose ou reduzindo o intervalo entre as aplicações, o que pode intensificar a dependência. Esse ciclo vicioso é comum e pode ser difícil de reverter, uma vez que o paciente tende a acreditar que não conseguirá respirar sem o uso constante do descongestionante nasal.
Além dos efeitos locais, os descongestionantes nasais à base de vasoconstrictores também podem afetar o organismo como um todo, uma vez que agem de maneira semelhante à adrenalina na corrente sanguínea. De acordo com Suman, “o uso prolongado desses medicamentos pode elevar a frequência cardíaca, causar arritmias, aumentar a pressão arterial e, em casos graves, levar a eventos como angina e até morte súbita”, frisou ela.
Efeitos no sistema nervoso central, como ansiedade e nervosismo, também podem ocorrer devido ao estímulo semelhante ao de substâncias que provocam um “estado de alerta” no organismo. Há registros na literatura médica de casos em que pacientes sofreram eventos como falta de oxigenação cerebral e até acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico após o uso de vasoconstrictores nasais.
Tratamento
No entanto, Suman aponta que existem alternativas menos agressivas e mais seguras para aliviar a congestão nasal, que podem ser usadas em casos de resfriados, crises de rinite ou gripes. O uso de soluções salinas hipertônicas, com concentração de 3% de cloreto de sódio, pode proporcionar alívio ao reduzir o inchaço da mucosa nasal por meio do processo de osmose. Além disso, a hidratação nasal com soro fisiológico e a realização de lavagem nasal regular ajudam a limpar as vias aéreas e a melhorar a sensação de respiração sem o risco de dependência.
“Outro recurso seguro são os corticosteróides nasais, que têm ação anti-inflamatória e, quando usados sob prescrição médica, são eficazes na redução do inchaço e da produção de muco. Esses medicamentos têm baixa absorção sistêmica, o que os torna indicados até mesmo para gestantes, e são recomendados para uso contínuo por até dois meses para aliviar a congestão nasal”, indica ela.
De acordo com Suman, o tratamento com corticosteróides nasais auxilia na recuperação da mucosa nasal e permite a descontinuação do uso de vasoconstrictores, caso o paciente esteja dependente deles.
Para aqueles que já apresentam sinais de dependência dos medicamentos, a médica orienta um método gradual de desmame, que envolve a diluição progressiva do medicamento em soro fisiológico. “O paciente deve utilizar apenas um frasco do descongestionante, descartando todos os outros para evitar a tentação de recorrer a doses maiores”, orienta a médica.
O método de descontinuação gradual tem o objetivo de reduzir a quantidade do medicamento até que o organismo consiga se ajustar a doses cada vez menores, até a completa interrupção do uso. Além disso, é fundamental que o paciente procure um otorrinolaringologista para avaliar o estado da mucosa nasal e iniciar o uso de tratamentos alternativos que ajudem a restaurar a função natural das vias aéreas.
O uso de descongestionantes nasais deveria, segundo Suman, ser regulamentado de forma mais rigorosa no Brasil, uma vez que os riscos associados ao uso indevido são amplamente documentados.
“Embora sejam comercializados como descongestionantes, esses medicamentos são, na verdade, vasoconstrictores com ação específica sobre os vasos sanguíneos nasais. Originalmente, foram desenvolvidos para conter sangramentos e, nesse contexto, são úteis em emergências que não requerem intervenção cirúrgica, pois promovem a contração dos vasos para estancar o fluxo sanguíneo”, esclarece Suman.
No entanto, devido ao efeito colateral de aliviar a congestão nasal, esses medicamentos acabaram sendo usados de forma indiscriminada para esse fim. A especialista afirma que deveria haver uma regulação que restringe a venda desses sem prescrição e que reforce a necessidade de orientação médica. No cenário atual, a fácil acessibilidade a esses produtos contribui para o aumento dos casos de dependência e de complicações associadas ao uso prolongado de vasoconstrictores.
Suman também recomenda evitar fatores ambientais que agravam a congestão nasal, como ambientes com ar-condicionado e poeira, que podem intensificar a produção de muco e piorar a congestão. Para ela, medidas simples de cuidado com o ambiente e a higiene nasal diária com soro fisiológico podem ser eficazes para manter as vias aéreas saudáveis sem a necessidade de recorrer a medicamentos que trazem riscos à saúde.
Com a crescente atenção sobre os perigos do uso prolongado de vasoconstrictores, Suman reforça a importância da conscientização pública sobre o tema. “Torna-se essencial que os pacientes compreendam os riscos e busquem alternativas mais seguras para evitar a dependência e os efeitos colaterais que esses medicamentos podem causar”, concluiu Suman.