Por: Thamiris de Azevedo

Afroturismo para conscientização da cultura negra

Projeto é idealizado pela turismóloga Aline Karina ao desenvolver trabalho sobre S. Sebastião | Foto: Divulgação

Pela primeira vez, o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra (20 de novembro) é feriado em todo território nacional. E no primeiro ano como feriado nacional, a reportagem conta a história de um projeto que trata de turismo negro.

O primeiro guia de Afroturismo, oriundo da capital federal, promovido pelo projeto "Turismo Fora do Avião", foi publicado em 2022. Uma nova versão está sendo desenvolvida em forma de aplicativo. No documento, foram listados mais de 100 atrativos de 25 regiões que representam um turismo negro, periférico e criativo no Distrito Federal. A lista teve tanta relevância que, mesmo sendo do DF, serviu de base para o projeto intitulado "Rotas Negras" que está sendo desenvolvido pelo Ministério da Igualdade Racial do Governo Federal. Aline Karina, presidente idealizadora e CEO da trilha de afroturismo, compartilha detalhes sobre o projeto ao Correio da Manhã.

“Afroturismo é uma ferramenta estratégica não apenas para promover a valorização da cultura afro-brasileira, mas também para gerar emprego, renda e riqueza, impactando diretamente o desenvolvimento econômico e social das comunidades afro-brasileiras. Ele atua como um motor de conscientização e transformação, ao mesmo tempo em que fortalece a economia e amplia oportunidades”, afirma Aline.


Isabela Rodrigues, supervisora do Turismo Fora do Avião, destaca para o jornal que o turismo afro envolve a quebra de um ciclo de marginalização.

“Afroturismo é um meio de valorizar a cultura e a identidade afrodescentente. Tem como foco quebrar um ciclo que envolve séculos de apagamento e marginalização da cultura afrodescendente e que só agora toma força e traz visibilidade a esse tema, por meio de um Turismo que deseja dar voz à aqueles que foram esquecidos. Com a instituição do dia 20 de novembro como feriado, temos o Dia da Consciência Negra como uma oportunidade de levar este tema ao topo e trazer a visibilidade que ele precisa, não somente de maneira teórica, mas também na prática, trazendo um novo olhar sobre quem construiu a nossa cidade, a nossa cultura e a nossa sociedade, conscientizando as pessoas sobre a importância da cultura e história afrodescendente”.

A coordenadora, Quezia Vieira também explica a importância da prática em trilhas turísticas.

“O Afroturismo é extremamente importante para a consciência negra na sociedade, pois contribui para a valorização da cultura, da história e das experiências das comunidades", disse à reportagem.
"Esse tipo de turismo oferece uma oportunidade de resgate e celebração das heranças culturais afrodescendentes, destacando a riqueza e a diversidade das contribuições da população negra para a construção da sociedade em diferentes regiões. Ao visitar locais de importância histórica e cultural, como quilombos, museus de cultura afro, comunidades e eventos ligados à tradição de matriz africana, os visitantes conseguem compreender de forma mais profunda a resistência, a luta por direitos e a resiliência do povo negro ao longo dos séculos”, completou.

Mapeamento

O mapeamento começou a partir do Projeto Sebas Turística, que une pontos turísticos da Região Administrativa de São Sebastião, que fica cerca de 25 km do centro de Brasília. O projeto foi premiado pela Secretária de Cultura e Econômica Criativa do DF, na categoria de Arte, Tecnologia e Cultura Digital.

“Por meio do nosso mapeamento digital, que realizamos através do Google Maps, selecionamos atrativos turísticos que valorizam a memória, a identidade e a cultura para promover o reconhecimento dos patrimônios culturais e ambientais da região. Hoje, estamos na aprimoração do TFA (Turismo Fora do Avião), onde lançamos o 1° Guia do Afroturismo do Centro-Oeste, no qual identificamos bens patrimoniais culturais e ambientais que valorizam o turismo negro, periférico e criativo em Brasília e no entorno. Nos posicionamos como a vanguarda do Afroturismo no Centro-Oeste, com expansão para a América Latina”, conta a presidente do projeto, Aline Karina.

A premiação e o projeto tiveram tanta relevância que, conta a CEO, serviu de base para o programa Rotas Negras que está sendo desenvolvido pelo Ministério da Igualdade Racial do Governo Federal. “A minha atuação na criação do Rotas Negras, foi concretizar o conceito de Afroturismo e ampliar a força desse nicho, com atuação protagonista na segmentação da oferta turística brasileira”, destacou.

Aplicativo

Aline Karina, que é turismóloga, profissional especializada no estudo e gestão do turismo, conta que estão aplicando tecnologia e desenvolvendo um aplicativo voltado para o afroturismo na região do Centro-Oeste.

“Estamos na construção do desenvolvimento de um aplicativo de Afroturismo no Centro-Oeste, uma tecnologia social afim de fortalecer a economia criativa. Desenvolver esse aplicativo de afroturismo é importante para valorizar e preservar a rica cultura afro-brasileira da região, promover a inclusão social, gerar oportunidades econômicas para comunidades locais, destacar atrativos turísticos únicos e fortalecer a identidade cultural. Ao mesmo tempo que educa e conscientiza sobre a história e o legado afro-brasileira, entendemos a importância de gerar emprego, renda e riqueza para a nossa comunidade”, reiterou.

Quem é Aline Karina

Aline Karina é pioneira na idealização Afroturismo no Centro-Oeste. É bacharela em turismo pela Universidade de Brasília (UnB), onde se formou em 2017. É mestre em preservação do patrimônio cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2022, ocasião em que desenvolveu a pesquisa: “O território é pequena África, desafios e perspectivas da gestão turística no sítio arqueológico do Cais do Valongo-RJ (patrimônio mundial)”.

Foi sistematizadora da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), através do projeto Cidades que transformam, por meio da iniciativa do Turismo Afrocentrado em Flores de Goiás.

Karina compartilha ao Correio da Manhã que a pesquisa de afroturismo iniciou na universidade.
“Começou a partir do meu trabalho de conclusão de curso em Turismo na Universidade de Brasília, onde reconheço a importância de São Sebastião, por ser o território dos pioneiros da construção da capital. Através do trabalho “Trilha Turística: Memória de um casal pioneiro de uma olaria artesanal de São Sebastião na construção de Brasília”, relato a memória do território de São Sebastião por fornecer e fabricar 90% dos tijolos da construção da capital e referencio todo esse histórico por meio do relato do casal de pioneiros Dona Leontina e Seu Antônio. Exalto como o turismo pode ser uma ferramenta de riqueza para a preservação do patrimônio cultural local”, contou.

“Somos parte dos grupos formadores da sociedade brasileira, 60% da população brasileira é negra. É maioria que movimenta a economia, o turismo, a cultura, a agricultura e todas as estruturas necessárias para a consolidação da nossa sociedade, a população negra é a força motriz! Na construção de Brasília tivemos a atuação protagonista da grande maioria negra e nordestina que vieram trabalhar na construção da capital e na construção cultural a população negra é detentora das expressões culturais e de todo patrimônio material e imaterial”, completa.

Praças

O Correio extraiu alguns lugares entre os mais de 100 atrativos do guia para que o leitor possa visitar:

  • Praça Marille Franco: Em frente a famosa estação Galeria de metrô, no Setor Comercial Sul de Brasília, a praça não tinha nome até 2021, ocasião em que a Câmara Legislativa do DF (CLDF) aprovou o nome da Praça Marielle Franco. A localidade faz parte de um dos 150 locais que homenageiam a vereadora.
  • Praça dos Orixás: Construída na década de 1990, a Praça dos Orixás fica localizada às margens do Lago Paranoá, ao lado da Ponte Honestino Guimarães. Lá tem 16 esculturas de 1,5 m de altura que a caracterizam ponto de encontro e referência das práticas religiosas de matriz africana.
  • Praça do Índio Pataxó Galdino: A praça foi reinaugurada em 2023. É uma homenagem ao indígena Pataxó Galdino Jesus dos Santos, que foi assassinado em 20 de abril de 1997 em Brasília.

Baobás em Brasília

O jornal entrou em contato com André Lúcio, professor e especialista em Cultura Africana responsável por desenvolver o mapeamento das árvores Baobás na capital. A espécie, explica o professor, é sagrada para o povo africano. As árvores mais antigas estão em canteiro na frente à Embrapa Cenargen, na Asa Norte, na QL 12, conjunto 6, no Lago Norte, e no Engenho das Lajes no Gama.

“Na cosmovisão de muitos desses povos, o baobá significa a conexão entre o natural e o divino. Para algumas religiões, o baobá é uma divindade. Ainda do ponto de vista místico, o baobá é a origem e o limiar dos mundos. Essa constituição no plano imaterial faz com que o baobá seja considerado uma árvore que nunca morre, pois, sua representação extrapola o mero plano das coisas naturais e materiais. Isso também recobre o baobá de sentidos ligados à ancestralidade dos povos pretos, e essa memória permanece viva e perene por meio dos mestres griôs, que podem ser músicos ou contadores de histórias”, detalhou Lúcio.

Em 2019, André propôs o plantio de duas mudas da árvore na Escola de Formação Continuada dos Profissionais da Educação de Brasília. A partir daí, descobriu que tinham outras espécies na capital, ocasião em que resolveu mapeá-las.

“Foi uma atividade coletiva no Dia Nacional da Consciência Negra que se deu em razão dos eixos a educação para as relações étnico-raciais. Em novembro de 2020, também no mês da Consciência Negra, iniciei o trabalho de catalogação dos baobás de Brasília, depois de saber que, no Jardim Botânico, havia dois exemplares num espaço chamado Bosque dos Baobás. Desde então, já foram registrados 70 exemplares, em áreas públicas e, também, em propriedades particulares”, afirma.